Por Barbara Vitoria Barbosa Ferreira
Ferraz de Vasconcelos, São Paulo. 8:00 da manhã. No portão, uma mistura de vozes infantis chamando por “Néia!”, “Marcia!” “Abre aqui!”. Todos pontuais. A Galera entra, cumprimenta Jéssica na cozinha e Márcia no escritório. O bate papo começa “Tudo bem? Como você tá? Faltou semana passada, né?” e a risada preenche o local.
Pegam uma porção de cadeiras e sentam-se, uns ao lado dos outros: o sentimento de introdução é a timidez. Néia (como gosta de ser chamada), a professora voluntária, inicia: “Bom, pessoal, hoje vamos falar sobre…” e as ideias surgem, o conhecimento pipoca e a criançada começa o exercício da mente.
Começando apenas como um projeto no papel, a história inicia-se lá em 23 de setembro de 2000, quando um grupo de educadores sociais idealizaram um programa que tinha, por intuito, tirar das ruas, desta pequena cidade, as crianças e adolescentes que executavam trabalho infantil e eram obrigados a crescerem tão rápido (mesmo sem aumentarem 1cm na altura).
Defender a igualdade e promover ações sociais era o propósito daquela, que poderia ser a válvula de escape de um mundo tão cruel. Na época, 30 crianças atuavam em lugares que não faziam parte da infância: comércio, venda de vale transporte, venda de doces, de temperos, etc.; por isso, aqueles educadores decidiram buscar o espaço para o desenvolvimento da forma correta. A parceria com um outro programa, o Escola da Família, foi a chave para o projeto se consolidar: abriu as portas de seu espaço para ações culturais para as crianças aos fins de semana em uma das principais escolas do centro da cidade.
O projeto começou a ganhar forma: uma ONG educativa, onde o conhecimento, aulas de reforço e atividades originaram o ‘ÓIA EU’, cujo nome brincava com as vogais bem como as crianças deveriam brincar com a vida.
“ÓIA EU”, o nome que fazia apelo ao projeto que o carregava, ao centro de Apoio Ação e Transformação que protegia e cuidava das crianças. Que pedia, ao ser lido, ÓIA EU, olha pra mim, olha quem eu sou e quem posso ser. O projeto sem fins lucrativos que se desenvolveu e que passou a acontecer não apenas aos finais de semana, mas durante a semana inteira.
Segundo Célia de Fátima, coordenadora geral do projeto, o programa faz parte de um dos atendimentos da organização do serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, uma política pública da assistência social do município de Ferraz de Vasconcelos.
Com o tempo, a ONG desenvolveu não apenas atividades exclusivas para crianças, mas oficinas que abordavam outras faixas etárias também. Ginástica e alongamento, programa leiturinha, culinária, musicalização, inclusão digital para idosos, horta, dança, cultura, artesanatos e trabalhos manuais.
Sendo diário hoje, o projeto aborda, além de diversos programas, uma rotina matinal e vespertina. Às 8h00min, o local, bem parecido com uma casa, se abre e acolhe de 15 a 20 crianças, oferece brincadeiras, atividades sazonais e debates, toda temática voltada para educação. No final de uma carga horária de 3 horas, uma pausa para o lanche tão esperado e depois a ida para casa. O horário da tarde se inicia às 13h00min, dando um espaço de tempo entre as crianças da manhã e da tarde. Mesmo esquema: brincadeiras, atividades, debates. Por último, pausa para o lanche e depois só no dia seguinte. Cada criança vai para o projeto no horário contrário ao seu horário escolar, além disso, o programa proporciona aulas de reforço num ambiente diverso, que tem como único requisito abrir as portas para quem quer aprender.
“Eu gosto de vir pra cá, porque eu posso brincar com meus amigos, desenhar e fazer um monte de atividades. É como uma segunda escola pra mim, só que mais legal.”, Isadora, 8 anos. O CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) é quem promove a entrada da criança, adolescente ou idoso no projeto. Ele realiza uma entrevista com a família a ser beneficiada e, depois, uma consulta com especialistas, psicólogos e educadores para analisarem as condições que aquela pessoa se encontra. Encaminhar a criança para a ONG ÓIA EU é responsabilidade do CRAS, priorizando o público preferencial (idosos e crianças com deficiência).
As crianças vulneráveis, sem e com deficiência, recebem uma assistência de renda. Elas têm oportunidade de ter contato com a arte, convivência com o coletivo, com a família e comunidade. Hoje, o projeto atende diretamente 300 crianças e 100 idosos. Já indiretamente, por volta de 1500 famílias na cidade de Ferraz de Vasconcelos.
A prefeitura da cidade financia o projeto com um valor limitado, arcando com as despesas de: orientador, oficineiros, contas, alimentação e aluguel do estabelecimento. Infelizmente, não obteve nenhum reajuste desde 2019 e é óbvio que precisa investir mais na ampliação, pois além de fazer parte da proteção básica da assistência social, é uma ação contínua e, portanto, uma política pública.
As sextas feiras, não há aulas, mas reuniões com a coordenação para organização de relatórios, planejamento da semana seguinte, visitas domiciliares e, principalmente, articulação com a rede.
Atualmente, a ONG possui alguns patrocínios como o da Radial Transportes, Tenda Atacado e Fundação Abrino, todas empresas que buscam os resultados da transformação social.
Apesar de municipal, o projeto deseja se expandir, colocando sorriso nos rostos de muitos que são esquecidos, mas que, ao encontrarem uma oportunidade, podem agregar (e muito). O ÓIA EU é de todos, principalmente, daqueles que não querem fazer parte das estatísticas de um mundo tão cruel. Para os pequenos é um simples “Abre aqui!”, mas não fazem ideia das portas que estão abrindo para o futuro.