Observar o vício de perto também é viver o alcoolismo

Uma luta em busca da sobriedade
por
Bruna Quirino Alves
Luana Galeno
|
27/11/2023 - 12h

Por Bruna Quirino (texto) e Luana Galeno (audiovisual)

É estranho o sentimento de aguardar pela morte. Conviver com a sensação de que a qualquer momento alguém vai te avisar que o pior aconteceu, que tentaram de tudo, mas que ela não está mais aqui. Pode até parecer descrença esperar pela notícia, afirmar que ela escolheu esse destino seria egoísta, mas a verdade é que para a medicina, o alcoolismo é uma doença, enquanto dentro de casa, ele é uma sentença. Viver ao lado de uma alcoólatra durante todos os anos de sua vida é observar o vício de perto. É a chance de perceber as melhoras e as recaídas. É a decepção de, em cada uma das fases, não assistir ao reconhecimento da doença. Claro, por ela, porque "o poder de parar ainda está em suas mãos." 

É assim que Rosa se mantém imersa na névoa do alcoolismo. Entre a população brasileira que bebe, um terço já identificou que já abusou do álcool em alguma ocasião. Mas, apesar de notar esses momentos, principalmente nas ressacas, quando eles não conseguem ser imperceptíveis, nomear isso como a doença que é não é agradável. O reconhecimento até poderia chegar, mas a missão até ele não é fácil. Enquanto não chega, como expectadores da vida alheia, continuamos ansiando os momentos bons e rezando nos ruins. Conforme o amadurecimento, começasse a perceber os gatilhos. Eles são notícias ruins, o estresse, a solidão, porém ter companhia também é um pretexto para beber. O ápice é o primeiro gole, a partir disso a queda é cada vez mais rápida, quase livre. Mas não veloz o suficiente para evitar o sentimento de ser alguém diferente, e melhor, de ser alguém que não é sóbria. Essa é a sua justificativa, quando a questionam sobre o porquê de continuar bebendo, nas reuniões dos Alcoólicos Anônimos (A.A) que ela frequenta.

O problema é nunca durar o suficiente, A percepção do quanto o álcool é nocivo não só para si, mas para todo entorno, é quando você precisa começar a separar brigas dentro da sua própria casa. Quando o envenenamento já deixa de ser individual e exala profundamente nos pulmões da casa fazendo cada um dos moradores usuários passivos. A partir do momento em que todos adoecem, o que já trouxe bom humor, passa a trazer raiva e auto piedade. O que gerava amizades também afasta todas elas. E já é sabido, a solidão também é gatilho. 

A normalização da droga no Brasil torna a adicção mais fácil, já que eventos sociais são permeados por bebidas e, apesar de não parecer, pequenas doses contém uma quantidade maior de álcool do que o imaginado. Segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), uma dose padrão de bebida alcoólica no Brasil equivale a 14g de álcool puro. Isso corresponde a latinha de cerveja que ela pega no mercado ao lado do trabalho, à taça de vinho que ingere ao chegar em casa e o shot que é engraçado tomar às sextas no happy hour para animar. O psiquiatra do Hospital das Clínicas especializado em tratamento de manias, Demetrio Rumi, conta que atualmente existe na mídia um incentivo para que mulheres, principalmente mães, consumam cada vez mais álcool, especificamente vinho, como uma possibilidade de desestresse. Esse tipo de ação demonstra a naturalização do consumo alcoólico na sociedade, mas a nocividade de cada taça ainda é constante. O controle de quando parar se torna cada vez menor e momentos de sobriedade criam uma falsa sensação de esperança. A lembrança da Rosa que buscou apoio e quer se manter saudável é uma perspectiva de melhora que é fácil se apegar. Mas a verdade é que estar sóbria não a torna menos alcoólatra. É uma medalha na reunião semanal que ela frequenta, mas a tentação permanece ali, todos os dias. 

Em meio às diferentes personalidades que ela possui, na zona cinza entre a sobriedade e a embriaguez, ainda há dentro de mim a torcida de um estádio lotado para que uma personalidade nova surja, com força de vontade o bastante para resistir ao vício e impedir a morte da minha mãe.

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