Às 11 da manhã do dia 10 de maio o planetário do parque Ibirapuera estava lotado. Mesmo com a ameaça da chuva, cercade 6 mil pessoas compareceram para prestigiar a rainha do rock em seu velório. A Santa Rita de Sampa foi a primeira pessoa a ser velada no local. Sobre o caixão fechado, uma imagem estática das estrelas no dia em que ela nasceu.
Espera-se que qualquer tipo de ritual fúnebre seja triste e doloroso. Mas assim como quase tudo na vida de Rita, sua despedida não foi nada tradicional. Ali estavam presentes pessoas de todos os tipos. Jovens e idosos, homens e mulheres, brancos e pretos. Além do cosplay do Elvis Presley. E todos cantavam. Seus fãs transformaram a sua despedida em uma verdadeira festa em homenagem à cantora.
Rita não queria um funeral com flores. No entanto, o carinho das pessoas não permitiu que seu desejo se concretizasse. O corredor de entrada do Planetário estava abarrotado de coroas exibindo mensagens convencionais. Em frente ao caixão, rosas avulsas e buquês foram deixados.
Na saída, um grupo de fãs que cantava incansavelmente foi parado por um repórter para que fizessem uma entrada ao vivo. Eles se reúnem em frente ao Planetário para cantar mais uma música de Rita, desta vez em TV aberta. Sem nenhum ensaio prévio, cerca de 20 pessoas entoaram “Saúde” em frente às câmeras. A canção ficou ainda mais impactante com a junção de diferentes timbres. Alguns afinados e maioria lindamente fora do tom.
Na transmissão, é possível ver as lágrimas surgindo na medida em que se aproximam do final do refrão. Na letra, Rita diz que enquanto estiver “viva e cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz.” Imediatamente após o final da gravação o grupo se dissipa. A maioria está chorando.
Seu legado atravessou gerações e fez parte da história de muita gente. Sônia, de 61 anos, acompanha a trajetória da cantora desde o começo e se orgulha por ter ido em diversos shows da artista. No velório, ela usa uma camiseta estampada com o rosto de Rita Lee e canta mais alto do que qualquer um. “É lindo ver que ela consegue unir as pessoas mesmo depois de morta. É difícil alguém conseguir fazer isso, acho que ela mudou a vida de muita gente”
Essa proximidade que Rita criou com seus fãs não se dá somente pela personalidade marcante da cantora ou por suas músicas freneticamente reproduzidas. Rita Lee compartilhou grande parte da vida através de sua biografia. Desde a infância na Vila Mariana aos becks divididos com Tim Maia, do começo de sua carreira à aposentadoria. Esse livro, “Rita Lee: uma autobiografia", foi o mais vendido da categoria em 2016.
Em 2021, ainda durante a pandemia, Rita decide relatar uma nova fase da vida, a descoberta do câncer de pulmão. Reclusa em seu sítio no interior de São Paulo, a cantora descreve a nova rotina sob os cuidados intensivos da família e das enfermeiras no combate à doença.
O jornalista Guilherme Samora, editor das duas autobiografias e amigo pessoal de Rita Lee, explica o processo de criação do novo livro. “Ela não gostava de escrever sob a pressão do livro ser publicado, com a primeira autobiografia foi a mesma coisa. Então ela me falou que estava escrevendo mas que seria só pra mim. Eu ia ser o único que poderia ler. Mas quando eu li, eu achei tão lindo, tão forte, que convenci ela a publicar essa outra autobiografia.”
Samora também é voz ativa nos dois livros da cantora, Ele aparece como o personagem Phantom, criado por Rita, para adicionar informações e observações importantes que a autora deixa escapar. Segundo ela, Guilherme sabe mais sobre sua vida do que ela própria. “Da minha vida eu esqueço tudo, mas eu não esqueço nada sobre ela” ele explica em entrevista.
Guilherme conheceu Rita como fã ainda criança, por influência de seus pais. Ao longo da vida, manteve proximidade com a cantora e passou a trabalhar com ela em seu primeiro livro. Para o jornalista, esse livro se diferencia do segundo por mostrar diferentes versões da artista. “No primeiro, ela conta história das maluquices dela, da fama, da carreira. É uma Rita incomparável e inatingível, empoderada. Nesse último livro ela mostra suas fragilidades, suas incertezas e dores. Ela se mostra mais humana.”
O livro ficou pronto no começo de 2023, mas de acordo com a vontade da cantora, seria lançado no dia 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, e dia do novo aniversário de Rita Lee. Novo porque a cantora nasceu no dia 31 de dezembro, mas odiava ter que dividir essa data com o “cara mais famoso do mundo", Jesus Cristo, como conta em suas duas biografias. Por isso, Rita decidiu que 22 de maio tinha mais a cara dela e passou a comemorar seu aniversário todos os anos nessa nova data. Nesse ano de 2023, Rita partiu 15 dias antes de poder comemorar seus 75 anos da maneira que queria, e antes de poder presenciar o lançamento de seu último ato.