Os BRICS - acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - é um grupo de cooperação internacional informalmente criado em 2006 e oficialmente em 2009, que nas últimas semanas voltou para as manchetes nacionais e internacionais depois de estar na sua flop era. Mas afinal, esse grupo é um bloco econômico? A moeda única dos BRICS é uma invenção do Lula? E a Dilma no “Banco dos BRICS”, vai estocar vento?
Primeiramente, não, os BRICS não são um bloco econômico tal como o Mercosul ou a União Europeia, na verdade eles se configuram como um grupo de cooperação internacional. Ou seja, não há um estatuto ou um secretariado fixo, pois os objetivos estão centrados na colaboração dos Estados-membros em áreas de convergência, como infraestrutura e desenvolvimento sustentável, e não por exemplo, consonância em segurança internacional.
Apesar de não possuir uma carta fundadora ou tratado, os objetivos e princípios do BRICS são expressos nas declarações oficiais do grupo, frequentemente na forma de declarações de cúpulas anuais. O conjunto dessas declarações pode ser considerado como regras, mas sem possuir qualquer qualidade legal, como ocorreria com tratados formais.
De acordo com o artigo “Has BRICS lost its appeal? The foreign policy value added of the group” do cientista político Malte Brosig, há quatro valores que regem esse agrupamento. O primeiro é o apoio à estabilidade dos regimes domésticos, em segundo o gerenciamento de interferências externas indesejadas, em terceiro a possibilidade de seguir uma estratégia de alinhamento múltiplo e por fim, melhorar a imagem e poder geopolítico de seus membros. E é importante mencionar que também possuem visões de mundo com temas em comum, como questões de defesa da soberania, multipolaridade e oposição em sanções unilaterais.
Os BRICS, por excelência, não são uma agência de implementação de políticas, mas sim um agrupamento de política externa flexível. Inclusive, de acordo com o internacionalista Nikolas Gvosdev:
"Uma das vantagens do processo BRICS é que ele continua sendo uma associação pouco estruturada de estados com interesses diferentes, então nenhum esforço é feito para impor uma posição comum quando os estados do BRICS não podem concordar com uma. Mas esses estados também encontraram uma maneira de discordar em algumas questões-chave...sem acabar toda a empreitada".
Tal como no filme “Meninas Malvadas” em que o grupo das Plastics possuem regras “informais” de como por exemplo usar rosa nas quartas-feiras, Brosig observou algo similar com os BRICS:
Moeda única dos BRICS?
A questão de existir uma moeda única dos BRICS que tire a hegemonia do dólar no comércio exterior não começou com o discurso do Lula. Na verdade, é uma das razões de existência do próprio grupo, pois no contexto de sua criação oficial em 2009, eram ainda as consequências da crise financeira de 2008. Ou seja, instabilidade na economia mundial dolarizada.
Entretanto, não foi apenas a crise que trouxe esse desejo à tona dos países-membros. O desejo de quebrar com a hegemonia dos Estados Unidos no comércio internacional vem desde a década de 1960 - com o contexto da bipolaridade da Guerra Fria - segundo o colunista Joseph W. Sullivan em um texto para a revista estadunidense Foreign Policy. Assim, o antigo economista da Casa Branca considera que apesar de estar em estágios iniciais, essa nova moeda pode dar certo.
Ter uma outra moeda tão sólida quanto o dólar - e que é lastreada em ouro - é desejável não só para a estabilidade de diversos Estados. Mas, em especial, os BRICS sejam menos vulneráveis a sanções dos Estados Unidos, pois a própria existência de sanções se torna desnecessária.
O "Banco dos BRICS"
Durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, apesar do país passar por seu maior trauma recente em sua história, o 7x1, houve a oportunidade dos chefes de Estado dos BRICS se encontrarem em Fortaleza, no que posteriormente resultou na criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB em inglês).
Popularmente conhecido como “Banco dos BRICS”, essa organização tem como objetivos mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável de Estados emergentes além dos BRICS. Além disso, possui presidência rotativa de 5 anos e atualmente está na gestão brasileira. O primeiro presidente foi indicado por Jair Bolsonaro e assumiu o cargo de junho de 2020 até o começo de 2023. Com sede em Xangai, esse banco além de ter os integrantes do grupo, também conta com os atuais Estados-sócios: Emirados Árabes Unidos, Uruguai, e Egito.
Dilmãe era
No dia 24 de março de 2023 a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff foi eleita por unanimidade Presidente do NDB. Em nota o banco declarou:
“Como presidente do Brasil, Dilma Rousseff concentrou sua agenda em garantir a estabilidade econômica do país e a geração de empregos […], o combate à pobreza […] Como resultado de um dos mais amplos processos de redução da pobreza da história do país, o Brasil foi retirado do Mapa da Fome da ONU. Internacionalmente, promoveu o respeito à soberania de todas as nações e a defesa do multilateralismo, do desenvolvimento sustentável, dos direitos humanos e da paz. Sob seu governo, o Brasil esteve presente em todos os fóruns internacionais de proteção do clima e do meio ambiente, culminando com participação decisiva na consecução do Acordo de Paris.”
No dia de sua posse, em 13 de abril de 2023, Dilma defendeu a promoção de financiamentos em moedas locais e também na valorização de relações Sul-Sul. Assim é importante ressaltar que o Sul Global não é o mesmo que o Sul Geográfico, pois o primeiro se refere a Estados com histórico de terem sofrido colonialismo e/ou neocolonialismo e também estão se desenvolvendo, em sua maioria no Sul Geográfico (perto de Hemisfério Sul).
Além disso, o cargo da ex-presidente do Brasil é de caráter executivo, ou seja ela terá que se reportar ao Conselho de Governadores - que possuem maior peso decisório - composto pelos ministros de finanças dos Estados-sócios. Abaixo na linha hierárquica, está o Conselho de Administração, do qual a presidência executiva faz parte, mas sem direito a voto.
Desta maneira, Dilma possui diversos desafios até o final de seu mandato, principalmente em relação à Invasão Russa na Ucrânia, a criação de uma nova moeda comercial e a ampliação de Estados-sócios.
BRICS+
Nos últimos anos tanto as economias do Brasil e da África do Sul entraram em recessão, a Índia e a China não cresceram tanto quanto o projetado e a Rússia além de recessão também tem seu foco na Ucrânia. Portanto, houve um esquecimento da mídia desde 2016 até 2022, quando na décima quarta cúpula houve o anúncio de que a moeda dos BRICS terá seu valor lastreado em ouro e outros metais preciosos. Mas de fato o comeback veio com a visita do presidente do Brasil a China em abril.
Usando um vocabulário jovial, a internet quebrou. Desde estadunidenses chorando no Twitter, a edits de kpop no TikTok, só se falava sobre os BRICS. Realmente um revival digno de diva do pop!
— 🦭🐻❄️ (@femalekissinger) November 22, 2022
Mas não foram apenas os internautas que enlouqueceram com essa volta do grupo. Até o final de abril de 2023, cerca de 20 Estados já expressaram seu desejo de entrar nos BRICS, inclusive a Argentina, que tem sua candidatura apoiada por Brasil e China. Segundo o embaixador sul africano para os BRICS, Anil Sooklal, 13 países formalmente requisitaram para entrar - como o Egito - e 6 pediram informalmente.
As possibilidades para o futuro dos BRICS são diversas e indicam um forte crescimento, como grupo e para o NDB. Por isso, analisando pelo viés de visibilidade, colocar a ex-presidente Dilma Rousseff como presidente de um órgão central dos BRICS é uma escolha interessante, pois além de ter um perfil técnico-burocrata, Dilma foi presidente de um dos países fundadores do grupo.