O que significa falar sobre direitos humanos no Brasil?

Silvio almeida, Ministro dos direitos humanos no Brasil, explica e reflete qual o verdadeiro significado destes direitos no território nacional
por
Lívia Catani Soriano e Manuela Mourão
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18/09/2023 - 12h

 

Na segunda-feira, dia 7 de agosto, o ministro dos direitos humanos, Silvio Almeida, prestigiou a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com uma aula magna, na semana de recepção de novos alunos.

Bem como dito na nomenclatura da palavra "magna", o ministro lotou o Teatro TUCA com estudantes de todos os cursos, comovidos pelo slogan de Silvio, "vocês existem e são importantes para nós" e deu uma palestra de enorme relevância para a atualidade.

Seu discurso, tinha como destaque a importância de entender o que significa falar sobre direitos humanos no Brasil, e as peculiaridades que marcam esse tema. O ministro explica, inicialmente, a dificuldade de definir o conceito exato de direitos humanos: “O que são os direitos humanos? Isso é uma resposta difícil pra dar… é luta, é conflito, é complexidade [...] ​​O estado brasileiro, seguindo sua tradição histórica, mata muita gente, não é simples explicar uma coisa dessas…"

 

Nesse gancho, Silvio Almeida puxa uma reflexão sobre as desigualdades sociais no cenário brasileiro, na área da educação, da qualidade de vida, e especificamente, nas consequências econômicas que o racismo ainda manipula na sociedade.

 

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Ministro dos direitos humanos Silvio Almeida realizando sua aula magna no teatro TUCA.  (Foto por: Manuela Mourão)

O ministro, que também é professor de Filosofia pela Universidade de São Paulo, explica como o conceito de humanidade é um conceito social, histórico e político, e que o racismo surge a partir desse conceito. O racismo, de acordo com o professor, surge da necessidade de classificar os seres humanos, e consequentemente a demanda de classificar um grupo como "não tão humano". Dessa forma, o grupo mais humano terá "motivos" para eliminar, destratar e sujeitar o grupo categorizado como menos humano. 

No Brasil de hoje, a desigualdade econômica é um reflexo do passado de escravidão. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 73% da população em extrema pobreza são negros. "Fica fácil eliminar essas pessoas do orçamento, porque essas pessoas não são tão humanas como as outras", explica Silvio. 

Em entrevista com o professor de História da Comunicação, José Arbex, do curso de jornalismo da PUC-SP,  o profissional defendeu que o Brasil continuou esbanjando a escravidão e que por isso, ainda é perpetuada no país: “No Brasil, nunca foi abolida de fato a escravidão porque a escravidão não era um fenômeno unicamente econômico, era um fenômeno econômico, social, religioso e político”.

Segundo dados de 2018 coletados pela Organização das Nações Unidas (ONU), a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil o que corresponde a cerca de 23 mil jovens negros assassinados anualmente. Tal dado faz jus à fala do escritor que acrescenta: “O que você vê no Brasil na verdade é a perpetuação de uma situação de absoluta desigualdade ancorada na herança da escravidão que também afeta os povos originários, mas principalmente os negros, por escala, que jamais foi resolvida”.

A partir dessa fala, o jornalista explica que nunca houve uma ruptura com as ações vistas durante o passado abertamente escravista: “Em outros países que fizeram de alguma forma um processo de abolição da escravidão que envolveu a mobilização do conjunto da sociedade  e envolveu uma ruptura radical com o passado, o que não ocorreu no Brasil. No Brasil, houve uma espécie de continuidade da escravidão por outros meios”.

"No Brasil, a noção de direitos humanos é difícil, nós somos um país que odeia os direitos humanos, que a ideia de direitos humanos é capturada para ser usada contra as pessoas que mais precisam de direitos humanos", Silvio Almeida disse ao se aprofundar na ideologia errônea criada ao redor do verdadeiro significado dos direitos humanos.

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Da esquerda para a direita: Carlos Eduardo Rodrigues, Silvio Luiz de Almeida, Maria Amalia e Monica de Melo no teatro TUCA. (Foto por: Manuela Mourão)

Ao entrar no tópico “direitos humanos” é inevitável dizer que parte da população ainda recua da discussão. Esse esquivo ocorre devido a desinformação sobre o tópico muitas vezes abordado por diferentes partidos políticos. Dito isso, José Arbex adiciona: “No Brasil existe uma minoria majoritariamente branca, que possui uma educação europeia, um cérebro europeu e uma visão de encarar o mundo europeu. Nós não conhecemos nossa própria história porque nós somos educados com um cérebro branco. A elite brasileira é educada com um cérebro europeu”.

Ao finalizar seu depoimento, o jornalista defende que a mídia realiza um papel fundamental para que o mito continue se propagando, classificando tal ação como uma engenharia psicossocial. A definição se remete aos aspectos psicológicos e sociais voltados  ao racismo estrutural brasileiro, acrescentando: “Por meio da mídia a população brasileira apresenta os direitos humanos como se fosse coisas de bandido e uma parcela da população cai nesse conto, na engenharia psicossocial desenvolvida pela mídia e pelos meios de comunicação”.

Em conversa com Lucineia Rosa dos Santos, Doutora em Direitos Humanos pela PUC-SP, a professora apresentou um diagnóstico inconfundível sobre o que são direitos humanos: "Falar hoje de direitos humanos é falar no todo a partir da existência da pessoa humana, de qualquer ente, qualquer ser dentro desse planeta. Então se a gente fala de direitos humanos, a gente fala de liberdades."

Ao questionada sobre a ideologia errônea atribuída aos direitos humanos no Brasil, Lucineia explica que a concepção conservadorista de acreditar que esses direitos foram criados para "defender bandidos", não passa de um acobertamento da verdadeira estrutura do país; uma estrutura que não aceita a possibilitação de igualdades para todos, pois coloca em risco a hierarquização da sociedade. "Quando você tem em uma legislação que você atribui ao empregado doméstico, que só no Brasil existe essa categoria, que você atribui a ele direitos de igualdade trabalhista, isso mexe com aqueles que sempre tiveram o privilégio e usaram de graça o serviço de outros, que nada mais é que a migração de um escravismo para uma relação de trabalho, que era até 2013 viabilizada."

Ainda na desmistificação do significado de Direitos Humanos, a professora lembra "essa história de se dizer que os direitos humanos protegem apenas, aqui no Brasil, ao bandido? Não! Ninguém vai dizer que fulano cometeu um homicídio, mas ele deve de andar solto, não deve. Ninguém fala isso. O que se fala é o devido processo legal. E dentro desse devido processo legal, há o contraditório, o julgamento e a pena que ele vai cumprir deve ser eminentemente cumprida. É isso. Porque se a gente não der esse direito, o que vai acontecer? Amanhã você pode ser a vítima." 

A doutora relembra as conquistas cotidianas que foram frutos da luta pelos direitos sociais, como a inclusão de pessoas com deficiência em sala de aula e em sociedade, a política de cotas, políticas de educação de qualidade para todos,  os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIA+. 

Em contraponto, Lucineia ainda aponta as altas desigualdades em direitos no território nacional, e menciona o alto número de pessoas em condição de rua e a violência contra os jovens negros nas periferias : "Você vem me falar de democracia como? Enquanto nós não tivermos clareza do que são os direitos humanos, políticas públicas, e mais do que nunca, enquanto não tivermos uma educação para todos … enquanto o Brasil não olhar a sua história para mudar essa história e ter um presente, um futuro melhor, não há o que se falar efetivamente em direitos humanos."
  
Mas, em prol de um futuro de práticas e intervenções voltadas para aqueles que mais carecem dos direitos humanos, o ministro Silvio Almeida finalizou sua palestra com mais um significado para o tema:

"O que é direitos humanos? É como a partir da luta política nós podemos pensar em como podemos transformar a vida das pessoas melhor, como podemos cuidar da vida das pessoas e mais ainda, como nós podemos pensar a noção de direitos humanos como esperança."

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