O prisma comportamental de Jair Bolsonaro

De que forma a soltura de Lula influencia na mudança de comportamento do presidente?
por
Pedro Pina, Robson Lucas, Fabio Henrique e Eduardo Machado
|
26/05/2021 - 12h

O prisma comportamental de Jair Bolsonaro

Por: Robson Lucas, Pedro Pina, Fabio Henrique e Eduardo Machado

 

O atual Presidente, Jair Bolsonaro, venceu as eleições de 2018 derrotando o candidato Fernando Haddad, do PT, seus números na votação surpreenderam e demonstram o descontentamento do povo brasileiro perante o Partido dos Trabalhadores. Agora em 2021, por ironia do destino, a reeleição do Presidente pode estar ameaçada devido as anulações das condenações do Ex-Presidente Lula, que já afirmou por meio de uma entrevista para uma revista francesa (Paris Match) que irá se candidatar para as eleições de 2022.

 No dia 15 de abril, O STF confirmou que os quatro processos criminais da Operação Lava Jato terão que ser refeitos. Com isso, duas condenações contra Lula, nos casos Triplex do Guarujá e Sítio de Atibaia, estão anuladas. Com a decisão, fica confirmado a recuperação dos direitos políticos do petista, o que significa que Lula poderá concorrer na eleição de outubro de 2022, a não ser que sofra novas condenações em segunda instância antes do pleito.

Diante desse contexto da pandemia de Covid-19, tivemos uma série de acontecimentos envolvendo o presidente, Jair Bolsonaro, que não foram nada positivos para a reputação dele a qual já não era boa. Algumas atitudes como: entrevistas feitas sem máscara, aglomerações mesmo com o Brasil tendo milhares de mortos por dia, discursos negacionistas, entre outros absurdos envolvendo a falta de responsabilidade empatia com sua população. Porém, a partir da decisão que decretou a inocência do Ex-Presidente Lula, foi possível notar certas mudanças de comportamento envolvendo Bolsonaro.

 Durante uma cerimônia para sancionar a lei que facilita a compra de vacinas contra a Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou o seu discurso sobre o imunizante. Além da mudança de tom, O Presidente, que costumava questionar a eficácia do uso da máscara no combate ao corona vírus, apareceu de máscaras junto de seus ministros no salão do Palácio do Planalto. Normalmente, Bolsonaro e seus ministros não utilizam máscaras em eventos. A mudança do discurso do presidente Bolsonaro se dá estrategicamente devido uma ameaça política. 

Nesse cenário, é interessante pensar por diversas perspectivas tanto a forma como o Presidente estava se comportando, quanto a conduta anterior ao surgimento de outro concorrente que tenha força para disputar com ele ou até derrubá-lo. Afinal, ele está se movimentando, pelo menos no plano ilustrativo, de forma contrária de como sempre se comportou. Confira a seguir a entrevista com o sociólogo/historiador e cientista político formado pela UFBA, Jorge France:

De que forma a soltura de Lula influencia na mudança de comportamento do presidente? Lula é a maior referência em popularidade na história do Brasil desde JK, ele chega a ser maior que Tancredo Neves. Costumo dizer em minhas aulas que Lula é o homem mais famoso do Brasil. A prisão dele era providencial, assim como o antipetismo; Lula preso favorece muito os setores de oposição a até mesmo ao próprio PT. Logo, sua saída da cadeia ameaça qualquer um, principalmente o presidente da república. Bolsonaro sabe qual o tamanho do seu oponente, e mudar sua postura acerca de certos posicionamentos é vital para que ele siga vivo em uma provável disputa política em 2022.

Na obra “O príncipe” Maquiavel relata no capítulo XX (se as fortalezas e muitas outras coisas feitas pelos príncipes são uteis ou não) que “a melhor fortaleza que possa existir é ter o apoio de seu povo”. Podemos afirmar que Bolsonaro utilizou de tal recurso com seu comportamento frente a pandemia? Sim, podemos. Entretanto, não podemos esquecer que o povo que apoiou Bolsonaro foi um grupo muito pequeno, quem realmente ganhou foi o antipetismo, mas como a onda que assolava o Brasil em 2018 era o bolsonarismo e o mundo seguia uma espécie de neofascismo, Jair acabou se tornando a figura mais viável. Logo, podemos dizer que o povo que aceita o discurso de Bolsonaro é a chamada “nova classe média”, essa que é elitista, homofóbica, racista, etc. o que faz com que ele de fato ganhe muita popularidade. Mesmo não sendo um grupo grande eles se manifestam e demonstram sua presença no cenário político brasileiro de diversas formas, logo, podemos dizer que estes são a fortaleza de Jair Bolsonaro.

O presidente, sendo uma figura pública referencial, tem culpa do comportamento irresponsável adotado pelos brasileiros na pandemia? Sem dúvidas. Não só ele, como Trump, como Biden, como Mattarella, no mundo inteiro. Por exemplo, em Angola os índices de mortes pela pandemia foram muito pequenos porque o governo tomou decisões protetivas e houve isolamento de fato. Então a irresponsabilidade, o negacionismo dificultando o trabalho da ciência e do ministério da saúde, as alegações sobre a cloroquina, gente despreparada no governo mostra que Bolsonaro foi irresponsável em seu governo, atos que foram refletidos por certa parcela da sociedade.

 

Além dos impactos no cenário nacional, evidentemente tais tomadas de decisão também reverberam no meio internacional. Para responder tais questões, o internacionalista formado na UnB e mestre em gestão internacional de territórios e empresas pela Universidade de Montpellier III, Bernardo Argolo respondeu alguns questionamentos:

 O Brasil vem ampliando uma imagem negativa no âmbito internacional há algum tempo. Atualmente as atitudes negacionistas do Presidente e o descaso perante a pandemia são pontos de discursão aqui e no mundo. Quais agravamento isso pode gerar na política externa do país quando sua maior autoridade desdenha um problema global? A partir do momento em que o presidente trás todos essas discursos e ações contra a pandemia, desdenhando do vírus e fazendo pouco para melhorar a situação sanitária, inclusive em quesitos de gestão, mostra que ele só olha para o lado econômico. Isso para a política externa tem impacto, pois acaba direcionando a atuação do governo brasileiro em relação a outros países, em relações bilaterais o posto diplomático acaba sofrendo impactos, criaram-se impactos com a China que geraram um retardo de insumos de vacina para o Brasil, isso tudo é impacto das ações do governo  brasileiro. Quando um presidente está falando precisa-se reconhecer que ele fala pelo seu cargo, logo, suas falas e atitudes – ou falta delas – prejudicam as reações exteriores em diversos setores.

 Recentemente ocorreram movimentações de países para ajudar a Índia que sofre com a crise covid-19, entretanto para Brasil não está ocorrendo o mesmo. Nesse cenário, é possível afirmar que o fato de Jair Bolsonaro se posicionar contra à ciência e a saúde está minando as relações multilaterais construídas antes de sua gestão? Sim, o fato de haver uma demora na resposta brasileira ao combate da pandemia e a sua gestão em si acaba minando relações com alguns países em alguns setores. O presidente faz pouco caso da situação, o que deixou claro para o mundo que o brasil não sabe por projetos em prática para dinamizar o combate a pandemia. Ultimamente a quantidade de mortos está altíssima, e outros países começam a nos enxergar com outros olhos, o Brasil acaba por se configurar como um país que não é sério. A exemplo disso, ficamos fora da reunião da OMS sobre gestão de pandemias, quando se discutiu compra de vacinas, o Brasil ficou por último, além de perder muito apoio dos EUA com a mudança de governo. Então quando falamos de política externa e diplomacia isso é um peso muito grande, então posso dizer que a diplomacia internacional do Brasil demorara a ser refeita

Quais paralelos são importantes a serem feitos sobre evolução do Brasil em seus acordos diplomáticos até 1º de Janeiro 2019, posse de Jair Bolsonaro, e a situação atual pelo aspecto das relações internacionais? O mais importante a salientar é que o Brasil sempre manteve uma boa relação de política externa, pregando conceitos como a soberania dos povos, o multilateralismo, entre outras faculdades aderidas. Entretanto, a partir da posse de Jair houveram mudanças muito radicais; no campo multilateral o Brasil começou a juntar-se com países que são minorias em pautas como direitos humanos, com países como Hungria, Arábia Saudita, Bahrein, então começa-se a perceber que houve uma mudança muito drástica nessa política externa brasileira. Atualmente os nossos conceitos de política externa acabam não sendo tão respeitados, adotando um posicionamento de olhar somente para si e ao olhar para fora se filiar com países de ideologias radicais de direita. Os preceitos brasileiros de política externa, existentes desde o século 20, hoje estão enfraquecidos. Podemos dizer que a depender da área o Brasil está ficando excluído, não há mais o protagonismo que sempre tivemos. Celso Amorim dizia que o Brasil tinha uma política externa ativa e altiva, hoje em dia não podemos compactuar com tal frase.

Além de impactos no meio político e econômico, tanto interior quanto exteriormente, um dos setores que mais sofrem com os posicionamentos do presidente é a área da saúde. A infectologista Melissa Falcão, que é chefe do setor de infectologia na cidade de Feira de Santana, respondeu as seguintes perguntas:

A partir dos discursos do governo Bolsonaro sobre as vacinas, foram criados movimentos antivacina. Quais os perigos desses movimentos e como combater isso? O movimento antivacina é uma ameaça para o bem estar público, não estamos tratando de um problema individual, onde ideologias poderão ser levadas em conta para assim ir contra o profilático, é um problema de saúde mundial. Além de prejudicar o controle e futura extinção do vírus tais movimentos põe a vida dos manifestantes em risco

Como o governo Bolsonaro pode afetar uma empresa da área da saúde, mesmo com todos estudos sendo feitos até o desenvolvimento e a criação das vacinas? Prejudica no tangente a confiança perante a sociedade. Infelizmente uma parcela considerável dos brasileiros não querem se vacinar ou contestam a eficácia dos profiláticos que foram desenvolvidos por profissionais capacitados, testados e aprovados pelos órgãos avaliativos mais exigentes do mundo. O discurso negacionista só prejudica a ciência, o endeusamento de um medicamento ineficaz como a cloroquina prejudica igualmente. Acreditem na vacina.

 
   

 

Mudanças no espectro político, essas sempre hão de acontecer, Maquiavel dizia que em política, os aliados de hoje são os inimigos de amanhã, isso é um fato, porém governar é lidar com consequências, com vidas. Governar um país pregando um determinado discurso e depois tentar mudar o rumo das coisas em decorrência do surgimento de um rival é uma cordialidade do jogo político, mas quando esse discurso está levando todos para um abismo, inclusive o próprio governante, alguns pontos precisam ser analisados. Política é um jogo de dinheiro e controle, e as mudanças na postura de um presidente são inevitáveis, porém, não necessárias se o mesmo está seguindo um caminho correto.

 

Imagens:

“Bolsonaro encara Lula” – Thaís Souza

Charge – LoCole

“Bolsonaro discursa na ONU” – Mauricio Ferro

“Bolsonaro e Arábia Saudita” – Equipe COMEX do Brasil

“Bolsonaro mostra cloroquina a ema” – Evaristo AS/AFP

 

Tags: