O prefácio de uma imprensa livre 

por
Luan Leão
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18/06/2022 - 12h

Ao considerarmos o que seria ideal para o trabalho da imprensa, temos na liberdade de expressão e editorial como ponto chave para assegurar o trabalho de um jornalista ou de um jornal. Quando passamos a considerar a produção jornalística como produto comercializado seja diário, semanal, quinzenal ou mensalmente, entendemos que a liberdade da atividade jornalística é apenas um texto de prefácio de um livro, que quando contextualizado desmente suas primeiras considerações. 

Um jornalista, por essência, é um ser curioso, perguntador, com um olhar diferente para os fatos cotidianos, há quem credite aos jornalistas o papel de "voz do povo", mas que povo e que voz ? Nesse sentido, não aponto que a imprensa que conhecemos não represente a população de massa, de mais baixa renda, mas quais são os enquadramentos dados as pautas que interessam a essas classes (C, D e E) ?

Quando observamos os veículos de imprensa é possível ver interesses e a defesa deles em algumas de suas produções. Há quem possa contraditar apontando serviços da chamada "grande imprensa" para a população, mas isso apenas se concretiza porque vivemos na mesma realidade, ou seja, a imprensa não pode inventar uma realidade paralela que melhor atenda seus desejos para noticiar ao público. Assim sendo, é preciso que, mesmo a contragosto, alguns temas sejam pautados e mostrados em maior ou menor escala, a depender do comprometimento do veículo.

Para que essa teoria se torne prática, relembro o caso Pandora Papers, milhões de documentos vazados em 2021 por um consórcio internacional de jornalistas investigativos, com participação de 91 meios de comunicação. Na América-Latina esse vazamento teve ruídos para os órgãos governamentais citados, no Brasil, a imprensa, por interesses, fez uma cobertura tímida em seus grandes jornais, seja no impresso, rádio, televisão ou internet. O resultado disso foi simples, enquanto agentes públicos prestavam contas em outros países, no Brasil, o chefe da Economia foi apenas convidados para explicar seus envolvimentos no escândalo em uma sessão pouco divulgada no Congresso. 

Nessa mesma linha de interesses colocados acima da informação, nós temos um caso muito específico no Brasil: a Jovem Pan. Tradicional canal de rádio de São Paulo, a Jovem Pan nos últimos anos tem atuado quase como um partido político, por vezes, abrigando políticos filiados a partidos e atuantes como comentaristas de seus noticiosos. Em um fatídico caso, uma parlamentar paulista alinhada ao governo Jair Bolsonaro, com mandato em exercício, foi vista segurando o microfone e pedindo para fazer pergunta ao presidente em uma visita do presidente ao interior paulista. Curiosamente, este mesmo canal, é voz ativa na defesa de uma liberdade de expressão quase que irrestrita e sem responsabilização pelas informações dadas, tendo difundido notícias mentirosas ou descontextualizadas durante quase toda a Pandemia. 

Em um terceiro ponto, podemos observar jornais mais independentes, alinhados com a esquerda, atuando quase como cabos eleitorais de partidos desse segmento. A independência soa quase como um salvo-conduto para ignorar fatos que possam atrapalhar interesses desses potenciais aliados.

Apesar de desejosos e propagadores de tal discurso, a imprensa livre, na prática, é quase apenas um prefácio de um livro muito maior, cercado por conflitos de interesses, conversas a portas fechadas, jogos de cena e hipocrisia. 

A imprensa é sim fundamental e vital para o funcionamento da democracia, mas por vezes, a imprensa também é ou toma partido.