Por Laura Melo
O que parecia mais uma compra de orgânicos no armazém do campo, com aquela movimentação rotineira de uma feira, era na verdade uma concentração histórica de muita luta, democratização dos espaços e garantia dos direitos humanos. O que no momento parecia só uma escolha mais saudável e sustentável do dia a dia era na realidade um posicionamento político camuflado e um apoio a um movimento que nasceu com muito custo, mas com muita força no país. Afinal, a resistência camponesa se manifesta em diversas ações e, nessa marcha, participa do processo de transformação da civilização.
Com o avanço da sociedade, a agricultura e pecuária passam de uma cultura de subsistência para um âmbito comercial e econômico. A modernização do mundo leva o alimento a deixar de ser direito básico para virar monopólio, commodity e até sinônimo de poder aquisitivo, em épocas de crise mundial. O avanço industrial da sociedade e da escala de produção mundial desencadeia a necessidade da aceleração dos processos naturais e a baratear o custo, o que traz à tona o uso de tecnologias não sustentáveis e saudáveis para nossa mesa.
O uso dos agrotóxicos se inicia como arma química nas grandes guerras mundiais e passa a ser ingerido pela sociedade na revolução verde quando usado como pesticida para as plantações. Atualmente, seu prejuízo na saúde humana e ambiental é comprovado, mas sendo comandado pelo grande poder aquisitivo do país e do mundo, a sociedade está vendida à grande produção agrária. Então, com a revolta do descaso atribuído ao uso dos pesticidas, seja no âmbito político ou dos direitos humanos, as produções de orgânicos têm tomado força no Brasil, através principalmente da agricultura familiar dos pequenos produtores e do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, baseado na matriz da agro-ecologia.
A agro-ecologia é muito maior do que fazer uma produção sem agro-tóxicos ou um selo orgânico, pesquisada por Anna Primavesi, é uma alternativa sustentável que enxerga o ser humano como parte da natureza e busca esse equilíbrio entre os dois. Como explica Guto, do coletivo de saúde do MST, “ nossa pauta política é justamente o Estado ser indutor de uma agro-ecologia e sair dessa matriz do pacote do veneno, do pacote da semente, do controle que vem da produção e da comercialização até o consumo, para uma lógica de produção agro-ecológica, que vai garantir um alimento barato, orgânico e saudável para a população brasileira. Nosso projeto de agricultura não é um projeto que pensa em comidas orgânicas para determinados nichos, e sim, queremos que todos os brasileiros tenham acesso a comidas sem transgênicos, agro-tóxicos e agro-ecológicos”.
Pautado dentro dos movimentos sociais, o Movimento Sem Terra nasce no cenário da ditadura e, diferente do discurso da direita, busca a regulamentarização das distribuições de terras, até então historicamente concentradas nas mãos dos grandes proprietários. Como acrescenta Guto, “se nós pudéssemos dar um rosto para o movimento sem terra, traduzir a cara de um sem terra, ele seria de uma mulher negra, que é negado o acesso à posse e o trabalho na terra do Brasil. A gente consegue falar da ausência de reforma agrária a partir inclusive do movimento da escravidão que ocorreu no Brasil”.
E reforça, “se pegarmos marcos legais que foram, a lei de terras no Brasil a lei que vai falar como o País organiza a posse e usa o fruto da terra, ela é anterior a lei de abolição da escravidão no nosso pais. Isso não é por acaso, foi feita anteriormente justamente para dar os benefícios para os grandes produtores, grandes colonizadores, os parceiros das sesmarias”. E assim segue até hoje, com o movimento do agro-negócio não existe uma distribuição de terras, mas sim uma concentração e até a violação das terras dos povos originários.
Repleta de tecnologia e ciência, a produção de orgânicos do MST, vai além de uma produção sem veneno, “A produção orgânica luta por outro modelo de agricultura, uma agricultura que não seja voltada para a monocultura para exportação, com um degradamento e um sequestro de água enorme, como acontece no agro-negócio. Não há como o agro-negócio ser orgânico, não degradar, pois a lógica de produção dele está relacionado a isso, é sua gênese de funcionamento desde a revolução verde”, ressalta Guto.
O MST, independente do cenário político atual e futuro, é uma alternativa consciente e necessária para a manutenção do desmatamento brasileiro, o agro-negócio tem seu papel importante no PIB brasileiro, mas é degradador e excludente. Há de existir um equilíbrio agro-ecológico entre as ações do ser humano e do meio ambiente, por isso é um movimento que pode mover o futuro do País, desde o âmbito ecológico até dos direitos humanos, com as legislações trabalhistas e a luta pelo trabalho digno dos camponeses.