O motorista que estimulou seus filhos a chegarem na universidade

Na década de 1950 a educação no Brasil era acessível a poucos. Diante disso, Anésio Gomes Babolin encontrou percalços na sua longa estrada rumo a educação.
por
Evelyn Fagundes
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07/11/2020 - 12h

A década de 50 foi conhecida como “os anos de ouro”. No entanto, na realidade de muitos brasileiros da época, o único metal conhecido era o das raras e limitadas moedas do bolso. Esse era o cenário da infância de Anésio Gomes Babolin, 75, que nasceu em 1945, na cidade de Catiguá, interior de São Paulo. Sua pobre família constituída por mãe, pai e três irmãos, migrou em 1950 para a capital paulista em busca de melhores condições de vida e, consequentemente, maiores chances de estudo para as crianças.

Senhor calmo que ostenta fios brancos, Anésio começou a estudar em 1954, aos nove anos, na escola estadual Julia Amália de Azevedo Antunes, na Vila Carrão. A escola era construída de madeira e ficava a sete quilômetros de distância de sua casa. Era uma longa caminhada feita com os pés nus no chão de terra cercado por poças de esgoto à céu aberto. “Eu e meus amigos íamos para a escola descalços porque não tínhamos condição nenhuma de comprar sapato. A gente ia com sol, chuva ou frio. Eu nunca faltei”, contou.

Senhor Anésio está com a camisa preta
Fonte: Acervo pessoal de Anésio Gomes Babolin

Na casa da família Babolin era preciso improvisar para driblar a fome. Como a renda vinha unicamente dos serviços que o pai de Anésio prestava como pedreiro, diariamente era preciso dividir uma baguete para seis pessoas. Lembrando-se do tempo sofrido, o catiguense afirmou: “Era ruim de se alimentar, muito complicado. E nem era sempre que meu pai estava ocupado. Eu lembro muito bem que na frente da minha casa tinha um terreno vazio que tinha um tipo de mato lá. Minha mãe muitas vezes ia pegar esse mato pra fazer salada, inventar, fazer qualquer coisa para enganar a gente”.

Fome em casa e fome na escola. Naquele tempo, a merenda escolar não se passava de um sonho. A alimentação era por conta dos alunos, assim como os materiais escolares. “A escola não fornecia muitos materiais e nem tinha merenda. Só oferecia um caderno, um lápis, uma borracha e uma caneta que era aquela que tem uma pena que colocava no tinteiro. O resto você tinha que se virar, tinha que comprar tinteiro, tinha que comprar mata borrão”, descreveu.

Anésio concluiu o grau primário - equivalente ao 5º ano no sistema atual – em 1957. No entanto, o ingresso no ginásio não foi possível por duas razões. O primeiro impasse era a obrigatoriedade da realização de uma prova que funcionava como um vestibular. “Não tinha vaga para todo o mundo, por isso havia essa seleção aí. Tinha 500 vagas para 5000 candidatos”, revelou com indignação. Para fazer essa prova era preciso realizar o curso chamado “admissão ao ginásio” com duração de um ano e com mensalidade altíssima para a família Babolin. A baixa condição financeira influenciou na construção de intransponíveis muros na longa estrada rumo à educação.

A segunda barreira que impedia o acesso à educação era a obrigatoriedade do uso de vestimentas e sapatos regrados pela escola. “Tinha que comprar o uniforme com o nome da escola e o tênis. Se eu não tinha condições de ter um sapato, imagina ter uniforme. Eu lembro que eu tinha uma bermuda que inicialmente era marrom e com o passar dos anos ela foi ficando bege. Era a única que tinha. Eu ia a semana inteira com aquela bermuda e no sábado minha mãe lavava para na segunda feira eu começar a usar de novo”, recorda o pacato senhor. Anésio deixou os estudos em 1957 porque a estrada para o ensino público era repleta de pedágios que impediam o tráfego do público.

Senhor Anésio em sua antiga escola na infância.
Fonte: Acervo Pessoal de Anésio Gomes Babolin

 Em 1959, aos 14 anos, Anésio Gomes Babolin começou a trabalhar em uma fábrica de cigarro no Brás. De lá pra cá, ele acumulou mais de 20 ofícios. Só retomou os estudos em 1971 quando estava trabalhando como motorista do reitor da USP, Miguel Reale, que através de uma carta de crédito fez com que Anésio pudesse acessar o supletivo na Escola de Madureza Santa Inês. Sem essa carta, Anésio não teria condições de voltar aos livros.

Mesmo após quase 15 anos fora da escola, Anésio decidiu voltar a estudar pois reconheceu a importância dos estudos. Orgulhoso, contou: “Meu pai sempre falava que a pessoa tem que estudar para ter alguma coisa na vida. Então, eu voltei para a escola para isso. Tive uma boa melhora depois dos estudos. Adquiri mais conhecimento, experiência e tudo isso ajudou”.

Anésio teve 12 filhos, cuja maioria seguiu os mandamentos do pai: estudar. “Oriento para que estudem para que não tenham uma vida ruim como eu tive. Não sou de ficar brigando por isso, apenas falo converso. Por exemplo, a Lilian e o Júnior, nunca precisei discutir com eles, pois sempre gostaram de se dedicar”, disse.

Lilian dos Santos Babolin está sorrindo
Fonte: Acervo pessoal de Lilian dos Santos Babolin

Lilian dos Santos Babolin, 43, é mestre em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio pela USP. Lembrando de sua trajetória, ela afirmou: "Meu pai sempre me incentivou a estudar e sempre me mostrou como a educação é importante tanto individualmente quanto para um povo”. E ainda tece elogios: “Ele é uma pessoa bem inteligente, muito bom em exatas, é bem perspicaz e ele gosta de estudar”.

Anésio Gomes Babolin Junior
Fonte: Acervo pessoal de Anésio Gomes Babolin Jr

Anésio Gomes Babolin Junior, 24, é graduando em Geografia pela USP. Ao falar do pai, destacou: “Ele sempre correu atrás de me inscrever em cursos de inglês, informática e etc. Sempre ouvi do meu pai a importância de estudar e sempre absorvi isso.” E completa "Meu pai é e sempre será um exemplo de pai para mim. Ele é uma pessoa que amo muito e se não fosse por ele eu não seria quem eu sou.”

 

 

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