O monumento indesejado de Berlim

Com alto custo e rejeição, alemães questionam a construção não finalizada do monumento da reunificação do país.
por
Natália Perez
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03/11/2023 - 12h

Em 3 de outubro de 2019 a Alemanha completou 30 anos da reunificação. Para comemorar a data, um monumento à liberdade e unidade de Berlim foi anunciado. Agora, quatro anos depois, a obra ainda não foi concluída e os custos para a construção só aumentam. Afinal, quem quer esse monumento? Não há consenso, para a maioria dos alemães a homenagem não faz sentido.

A ideia é uma balança que simbolize a união e a liberdade alemã. Nomeada como “Cidadãos em Movimento”, a gangorra deve inclinar-se conforme as pessoas se moverem em volta dela exibindo em sua curvatura o slogan de 1989: “Nós somos o povo. Somos um só povo".

A gangorra sozinha medirá 50 por 18 metros, que é somente 7 metros de largura a menos do que uma piscina olímpica. Segundo o escritório de design responsável, Milla & Partner, a previsão de custo era de 15 milhões de euros, mas ao início das obras o valor subiu para 17 milhões. Entretanto, desde o anúncio da construção, Monika Grütter, ministra de estadual da cultura, não confirmou mais os valores.

 

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Previsão do monumento “Cidadãos em Movimento” (Divulgação Milla & Partner)

 

“Todos os envolvidos estão a tentar garantir que o monumento seja concluído rapidamente”, disse um porta-voz do Ministro de Estado da Cultura, promotor do projeto, ao jornal alemão DW. Entretanto, ainda não há uma data para inauguração, e a única certeza é de que não será feita em 2023. Para Olaf Zimmermann, diretor do Conselho Cultural Alemão, o simbolismo da balança é desatualizado e a justificativa para o adiamento da obra é porque "ninguém quer isso”, principalmente dada as crescentes tensões entre os dois lados. 

O monumento nunca terminado, localizado em frente ao Fórum de Humboldt, gera confusão para os alemães que não entendem o motivo de sua construção. Além do alto custo, há uma grande rejeição ao conceito de uma balança, já que nenhum dos lados considera que o processo de reunificação foi justo ou balanceado. 

Em 2020, a fundação Bertelsmann Stiftung realizou uma pesquisa com maiores de 55 anos e descobriu que os alemães ocidentais querem mais reconhecimento pelo papel financeiro e econômico que desempenharam. Enquanto que os alemães ocidentais a acreditam que deveriam ter mais reconhecimento pela pacificidade do processo. Além disso, para 84% dos entrevistados as coisas que funcionavam bem no sistema soviético foram descartados injustamente. 

"Os entrevistados no leste muitas vezes sentem que nenhuma nova sociedade comum foi criada naquela época. Em vez disso, com a unidade, o sistema da Alemanha Ocidental apenas lhes foi imposto, ao qual tiveram de se adaptar", comentou a fundação Jana Faus, do Instituto de Pesquisa de Berlim, sobre os resultados da pesquisa. O estudo concluiu que mesmo após os 30 anos da reunificação, a ideia de unidade alemã não está completa.

 

Canteiro de obra do monumento em maio de 2023. Foto: Sven Darmer
Canteiro de obra do monumento em maio de 2023, ainda sem sinal da construção da "gangorra". Foto: Sven Darmer

 

A reunificação alemã teve um significativo impacto na política mundial para além dos anos 90, e sua influência pode ser usada para refletir sobre o atual estado de polarização mundial. “Eram dois extremos e ninguém acreditava que isso ia dar certo. Para mim foi rápido demais, faltou planejamento”, comenta Gabriele Gorg, professora de alemão nascida em Siegen (lado capitalista), em entrevista à AGEMT. Gorg participou de um grupo de professores organizado pelas universidades de Munique e Berlim que visitava as escolas da Alemanha Ocidental pensando em como diminuir a desigualdade entre as vivências. “O muro tinha acabado de cair, ainda nem tinha essa data 3 de outubro”, diz. 

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Demonstração da divisão Alemanha Ocidental/Oriental. Imagem: BBC Brasil em "30 anos após a queda do muro de Berlim, 'barreira invisível' ainda divide a Alemanha em duas"

A maneira como foram encarados os desafios econômicos e sociais de integrar as duas economias em uma, deixou os alemães de ambos os lados insatisfeitos, com um sentimento de injustiça e de ter sido prejudicado em função do outro lado. “Kohl e Gorbachev estavam tão eufóricos em acabar com a divisão que fizeram de uma vez, sem pensar em todas as consequências. O choque foi muito grande. Até hoje, 30 anos depois, os salários ainda não são iguais”, explica a professora. 

A polarização atual envolve o ressurgimento do nacionalismo exacerbado em várias partes do mundo. Um exemplo disso no Brasil, é a monopolização de símbolos nacionais – como a bandeira – por militantes e políticos da extrema direita. Na Alemanha, a ascensão do partido político de extrema-direita AfD (Alternative für Deutschland – Alternativa para a Alemanha) causa preocupação nos partidos tradicionais, que se recusam oficialmente a cooperar por conta das visões radicais da sigla.

Em junho de 2023, pela primeira vez desde a fundação, o partido conseguiu eleger o líder distrital. Com 52,8% dos votos, Robert Sesselman foi eleito para governar o distrito de Sonneberg, no estado da Turíngia. A fragilidade da coligação que governo o país, formada pelos social-democratas, Verdes e os liberais (FDP), liderada pelo primeiro-ministro Olaf Scholz, é apontada como fator importante para o crescimento recente do AfD. Ainda sim, a aproximação do partido com o passado nazista impacta a imagem diante da população. 

Passadas décadas da reunificação, suas implicações continuam a afetar o país, interna e externamente. O desafio alemão, para além da obra do monumento, é a criação de uma identidade concreta, que possa levar a Alemanha a um papel importante no debate global sobre a polarização que afeta questões econômicas, políticas, sociais e ambientais.