Por Laila Santos
Os isqueiros desapareceram das mãos dos jovens. No lugar do estalo familiar, uma luzinha colorida acende e apaga, discreta, enquanto a fumaça doce se espalha pelo ar. Os cigarros eletrônicos chegaram como alternativa para quem queria abandonar a fumaça tradicional. Porém, empurrados pela curiosidade e pelo apelo dos sabores, se infiltraram no cotidiano e viraram o novo vício de uma geração. A indústria do tabaco percebeu rápido a oportunidade. Trocou o cheiro forte do cigarro comum por aromas de frutas e doces, como se a escolha de um pod fosse tão simples quanto escolher um sorvete. A promessa era sedutora: reduzir os danos do cigarro convencional. Mas esse discurso se desfaz quando lembramos que o inimigo continua o mesmo. A nicotina nunca deixou a jogada.
Presente entre 2% e 8% nas folhas de tabaco, é ela quem cria o laço invisível da dependência. Como explica o médico Drauzio Varella, em Como a nicotina age no cérebro, bastam 15 segundos para que a substância chegue ao sistema nervoso e desperte neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina, os receptores do prazer. O problema é que o cérebro se acostuma rápido. E, quando a dose deixa de ser suficiente, ele pede mais. Um ciclo simples, quase silencioso, que transforma curiosidade em necessidade.
Entre os jovens entrevistados, quase todos começaram por impulso: amigos usando, vontade de experimentar, a sensação de novidade. Bruno, de 25 anos, lembra que migrou do narguilé para o pod pela praticidade. Não precisava montar, sempre está pronto para uso. Com o tempo, vieram os sintomas de abstinência - a sensação de faltar algo sempre, ansiedade e sentimentos ruins - quando ficava horas sem vaporizar.
Anny Massen, 23, encontrou nos pods um mundo que se revelou rápido demais. No seu primeiro uso disse ter sentido um gosto maravilhoso e que o produto era muito bom. Ela descreve o primeiro contato como quem lembra de um doce proibido. O dispositivo não deixava cheiro forte no cabelo ou na roupa, vantagem que o cigarro tradicional nunca ofereceu. Com o tempo, Anny passou a escolher pods como quem escolhe perfume: pelas marcas, as que conhece são: Ignite, Lost Mary, Elfbar. Além dos sabores e quantidade de puffs. No entanto, junto com a variedade veio o gasto, R$ 300,00 por mês e a sensação incômoda de que não controla mais o próprio hábito.
O momento de fumar é denunciado quando ela começa a tremer. Tentou parar. Vieram as enxaquecas e os tremores. O ciclo mais próximo pede que ela largue o eletrônico. Ela mesma deseja isso, mas está convencida de que não consegue. Aconselha: “Não comece. Se você não quer se viciar, não traga isso pra sua vida. Depois é um caminho sem volta.”
Lucas, conhecido como 'Oreia', de 20 anos, entrou nesse mundo pela curiosidade, mas também pela oportunidade. Usa e vende os pods. Gosta da praticidade, não precisa de fogo, cabe no bolso, troca de sabor num clique. A compra chega por motoboy como quem recebe um pedido de aplicativo — simples, cotidiano, rotineiro. No primeiro uso, sentiu algo que descreve como “bom e inovador”. Mas não demorou para notar a falta de ar e o relaxamento que vinha logo depois da tragada. Ele fuma quando quer, ou quando a agonia aperta. Fuma sozinho, às vezes com amigos. Tenta não gastar mais de R$ 100,00 por mês.
A venda, para ele, virou renda. Mesmo proibidos os dispositivos circulam com facilidade. Seus fornecedores, todos nacionais, atuam quase todos no centro de São Paulo. Lucas sabe dos riscos: dependência, cortes na garganta e falta de ar. Acredita que quem compra com ele já sabe dos riscos que possivelmente corre. Para ele, a proibição faz sentido, mas não muda o fluxo de vendas. Já que é vantajoso, declara que se vender um por dia, tira no mínimo dois mil no mês. E confirma que a procura só aumentou ao longo dos anos. Seu marketing é discreto, acontece pelas redes sociais e indicações entre amigos. A maioria dos consumidores são jovens e já vão na intenção de adquirir os produtos que querem.
No entanto, o fascínio esconde contradições. Desde 2009, a comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos estão proibidas no Brasil. Ainda assim, a venda é comum e de fácil encontro.
Anny acha em lojas de tabacaria e sempre achou fácil para comprar,igualmente Bruno. Para Lucas e Jhonatha, no começo era difícil achar, mas agora tem em todo lugar.As compras acontecem em tabacarias, pela Internet, no centro de São Paulo ou por indicação de amigos. Além da dependência química, há riscos físicos. Alguns dispositivos, especialmente os sem marca ou adulterados, podem explodir ou causar queimaduras. A maioria dos que Bruno compra não tem nem nome, revelando um mercado paralelo e perigoso.
O modelo muda, do cigarro de filtro ao eletrônico com luzes, mas a lógica permanece: a nicotina segue guiando o hábito, cobrando seu preço em silêncio. O vício só muda de rosto, já o problema, não.