Com a desculpa da circulação do vírus e a forte necessidade de culpar alguém pelo acontecimento, as práticas xenofóbicas ganharam um novo contexto. Antes mesmo do início da quarentena no Brasil, a estudante Camila Odahara Monteiro, 19 anos, com descendência japonesa, vivenciou um momento de piada de cunho xenofobico no metrô de São Paulo, quando dois meninos brancos passaram por ela rindo e a chamaram de “corona”, devido a seus traços asiáticos. A jovem disse que costuma responder às provocações, mas desta vez não soube como reagir ao comentário devido ao choque.
O Brasil possui mais de dois milhões de pessoas que se autodeclararam de cor amarela, como apontam os Dados do IBGE. São asiáticos e descendentes, em sua maioria japoneses, coreanos e chineses. Estes se tornaram os maiores alvos de comentários racistas após frases twittadas em março de 2020 por Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo Estado de São Paulo (PSL), responsabilizando a China pela proliferação do vírus e a acusando de espionagem por meio de sua estrutura 5G.
O instituto Ibrachina, responsável por fortalecer as relações entre Brasil e China, abordou a influência dos líderes, ao apontar que todas as atitudes, comentários ou ações têm potencial em repercutir entre seus seguidores. “Algumas vezes, as pessoas não pensam sobre a questão e adotam a postura do influenciador. Em outras, entendem que a forma como pensam e sentem está sendo “validada”. Isso os empodera para externalizar atitudes que estão em desacordo com os princípios de respeito ao próximo, e de acordo com princípios legais.”
O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi um dos líderes que demonstrou suporte ao racismo contra descendentes asiáticos, com comentários disseminando ódio, principalmente contra a China, assim como Eduardo Bolsonaro (PSL). Em resposta aos ataques cresceu o movimento Stop Asian Hate nos Estados Unidos (Pare o ódio asiático), com intuito de colocar fim a qualquer insulto ou ação xenofóbica direcionada ao povo e cultura asiática, por meio de denúncias e manifestações nas redes sociais. A campanha teve início em março de 2020, período inicial da pandemia.
Com o tempo, o movimento também gerou impacto no Brasil, a influenciadora e atriz Ana Hikari, a primeira descendente asiática a protagonizar uma novela da rede Globo, traz consigo uma importância muito grande ao meio artístico e ao movimento, contribuindo fortemente na divulgação de informações, explicações e manifestações em prol da campanha.
Mas não só no meio político houve ações inapropriadas. Influenciadoras, principalmente voltadas à maquiagem, trouxeram uma nova técnica para ensinarem a seus seguidores, o foxy eye, procedimento que utiliza cílios postiços e delineador para alongar os olhos, aproximando-se dos traços asiáticos. De acordo com a publicitária Melissa Ery, que tem ascendência asiática, é uma ação incômoda, pois traz a ideia de que características asiáticas, que sempre foram motivos de zombarias, só ficam bonitas quando uma garota branca as está usando.
Com uma explicação histórica muito antiga, a xenofobia no Brasil é algo forte e ainda presente. O processo migratório asiático, essencialmente japonês, intensificou-se após o fim da escravidão negra. Em 1906 ocorreu a entrada de 15 mil japoneses no território brasileiro. Após acordo realizado entre os dois países esses imigrantes foram submetidos a uma escravidão velada, um cenário que se apresentou quando cafeicultores brasileiros depararam-se com escassez de mão de obra para seu plantio. Acordos feitos com a China possibilitaram contratar descendentes para trabalharem por um salário injusto, jornadas exaustivas e nenhum direito garantido.
Mesmo com a intensa interação das culturas asiáticas e brasileiras, a formação do pensamento eugênico fortaleceu e marcou a História com ações políticas anti-nipônicas, como o Regime de Cotas, que limitava as correntes migratórias, principalmente a amarela. Revistas retratando a inferioridade e a estranheza deles circularam, reforçando a não miscigenação com asiáticos.
O cenário pandêmico tornou o problema mais visível e intenso, como aponta o Instituto: “O que chega na mídia geralmente são casos extremos, mas as pessoas também manifestam xenofobia de formas sutis”. Piadas, gestos e a criação de esteriótipos, são práticas marcantes na sociedade. Júlia Haruko Minamihara, 18 anos, com descendência japonesa, identificou pela primeira vez essa situação em 2018, após ouvir risadinhas e piadinhas por sua aparência e ser chamada de “japa”.
O racismo amarelo, também chamado de micro racismo, é perpetuado pela falta de conhecimento e interesse popular, mesmo o assunto sendo colocado em evidência. Júlia também relata que por muitas vezes escutou de pessoas próximas “Não há necessidade de mudar a forma como eu te chamo, sempre te chamei de “japa””, identificando a descrença na necessidade de mudanças.
Apesar disso, racismo e xenofobia são classificados como “crimes de ódio”. “O racismo é crime inafiançável, de acordo com o inciso XLII do artigo 5º da Constituição Brasileira e xenofobia também é crime. O artigo 140, inciso 3º do Código Penal, trata sobre injúria racial e abarca o conceito de xenofobia”, como levantou o Instituto Ibrachina. Eles também orientam a gravar a situação caso presencial, tirar prints de publicações, denunciar às plataformas e salvar links, quando o ataque ocorre nas redes sociais. E assim, encaminhar as denúncias à Polícia Federal, ou procurar o DECRADI, Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, são formas de combater ações preconceituosas.