Sob o longo isolamento social, a educação brasileira está sofrendo um forte abalo; com as escolas e universidades fechadas, como continuar a rotina de ensino em um período em que fomos forçados, por um bem maior, a ficarmos em casa? Amado por muitos e odiado por poucos (até então) o Ensino a distância (EAD) foi a estratégia a ser implementada em âmbito nacional. De uma forma improvisada, instituições de ensino implementaram uma estrutura on-line, para que se pudesse continuar as aulas, não havendo assim, teoricamente, a perda dos semestres.
Em teoria, o EAD é revolucionário, é rápido e de fácil acesso. O ensino superior já o adota tanto em cursos totalmente feitos a distância, como também podendo ser aplicado em certas matérias específicas; o benefício para o universitário é enorme, o curso torna-se mais barato, a questão da locomoção até universidade é reduzida, além disso, vários cursos são reconhecidos pelo MEC. Porém, a questão é saber se é possível que todos os alunos e professores, estão conseguindo absorver este novo método pedagógico.
Porém, é necessário ressaltar a realidade brasileira, estruturalmente falando. A realidade do estudante em um país subdesenvolvido é degradante. Há dois grandes problemas, o primeiro cabe a estrutura socioeconômica na qual vivemos; apenas 52,5% dos domicílios brasileiros têm abastecimento de água, esgoto sanitário ou fossa séptica; coleta de lixo e até dois moradores por dormitório - condições que são consideradas adequadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda há o impasse tecnológico: somente 56% dos domicílios considerados da classe D/E tem acesso à internet. (CETIC.BR-2018). O segundo grande problema é psicológico; quantos estudantes contemplam de uma condição saudável para estudar em casa? Para muitos, o processo de ir para a universidade é uma forma de libertação dos problemas familiares ou pessoais, é uma maneira de esquecer a realidade na qual vive e poder ir para um novo ambiente, onde é estimulado intelectualmente.
Em uma pesquisa realizada pela financiadora estudantil PraValer, mostrou que houve uma queda de 53% na qualidade do ensino. As horas semanais dedicadas ao estudo caíram na média pela metade. A pesquisa foi feita entre 9 e 16 de junho, ouvindo cerca de 955 universitários, na faixa de idade entre 18 e 28 anos, sendo de instituições privadas em todas as regiões do Brasil. Todos eram, a princípio, alunos de cursos presenciais. Os pontos negativos citados pelos pesquisados foram: ausência de contato com colegas e professores (42,8%), local adequado para estudar (32,9%) e plataformas de estudo ruins (26,3%). Os pesquisados também foram questionados por quais melhorias deveriam ser feitas neste método de ensino: a necessidade de aulas mais didáticas e dinâmicas (28%), o aperfeiçoamento das plataformas remotas (18%) e um quarto deles apontaram sobre o desconto nas mensalidades. Já os principais pontos positivos mencionados pelos pesquisados foram: maior tempo com a família (37%), a possibilidade de estudar em qualquer lugar (30%) e a redução nos valores da mensalidade nas instituições que o adotaram (22%).
O EAD não é para todos, é necessário ter maturidade, disciplina. Evelyn dos Santos, 22, estudante do último ano de Psicologia, relata a dificuldade que sofre com a ausência das aulas presenciais. “É angustiante, não consigo associar o ambiente de casa como uma sala de aula. Tornou-se uma relação impessoal, mesmo havendo comunicação, a aula perdeu a sua força, que para mim somente existe de forma presencial, olhando nos olhos.” Um grande problema relatado por ela e por outros estudantes é questão de não conseguir levar tão a sério as aulas neste novo padrão. “É superficial, as vezes sinto que aquela aula não é pra mim, que é somente um vídeo aleatório que eu estou assistindo na internet.”
A questão da imersão tecnológica é crucial para que haja entrosamento na relação aluno-professor. Se a imagem da vídeo-chamada é falha, se o som sai com interferências, há sons inconvenientes que invadem a aula (podendo ser uma moto passando, a TV de algum aluno ligada, microfonia e etc.), é um enorme desafio para que o aluno mantenha-se concentrado em um ambiente onde possa haver tantas distrações. É o que relata Henrique Soares, 24, estudante de pós graduação em projetos. “O EAD não é para mim, me perco facilmente, pois ver o professor por uma tela, falando em um microfone abafado, não faz eu sentir a “força” que ele demonstraria em sala de aula, ao vivo. Perde o sentindo, entende? Parece uma grande brincadeira.” Outra questão apontada por ele foi sobre a relação entre os colegas da sala de aula: “Fazer trabalho em grupo se tornou muito mais difícil, alguns colegas demoram muito para responder ou dar algum retorno. O comportamento mudou, as pessoas ficam mais distantes, estão mais impacientes também.”
Um dos fatores que podem definir o motivo de as pessoas estarem mais distantes ou impacientes com os trabalhos universitários, está diretamente ligado ao medo de ser contaminado com o vírus, a reclusão e a crise financeira. O que gera como consequência o aumento de crises de ansiedade (doença que afeta 18 milhões de brasileiros, segundo a OMS) e o início de um quadro depressivo. Ambos os entrevistados citaram que houve trancamento de matrículas em suas turmas. “Alguns não souberam lidar com a questão da pandemia, é uma situação muito estressante, então preferiram trancar até surgir a vacina; outros pretendem trancar as aulas que são práticas, já que pelo EAD fica muito difícil de aprender algo que necessita de um laboratório.”, diz Henrique, “Um semestre todo mundo aguenta, mas já estamos indo para o terceiro semestre nessa situação, e é provável que continue da mesma forma.”, reiterou. “Alguns colegas de sala procuraram por suporte psicológico, para tentarem suportar essa situação. Já que muitos de nós não podem se dar ao luxo de perder um semestre, o que na realidade, pode acarretar a perda de um ano inteiro do curso.”, diz Evelyn.
Vivemos em um país que há pouco investimento educacional, onde a motivação para o aprendizado é refratário, é falho, seremos obrigados a engolir essa nova realidade. Com o adicional do abalo psicológico que uma pandemia pode causar, sofreremos ainda mais com a falta de assistência psicológica, já que o sistema de saúde brasileiro é precário para as questões de tratamento psicológico. A educação brasileira sempre foi de resistência, de luta, e estamos vivenciando uma nova onda de choque, cabem as universidades, mais uma vez, serem o farol no meio dessa tempestade.