O IMPACTO DO RACISMO NO FUTEBOL

Dentro e fora dos gramados, atos racistas se tornaram cada vez mais presentes no futebol europeu e mundial. Entenda sobre a discriminação racial e veja casos que mancharam o futebol do velho continente.
por
Bruno Scaciotti, Carlos Eduardo Morita, João Serradas, Lucca Ranzani e Thomaz G. Cintra
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25/05/2021 - 12h

 

O racismo que é uma forma de preconceito e discriminação que agride verbalmente, socialmente e fisicamente uma pessoa por conta da cor de sua pele, é um problema muito presente no mundo do futebol. 

Existem inúmeros casos de racismo que ocorrem no âmbito futebolístico como por exemplo os casos de racismo que ocorrem nos países do leste europeu, mais precisamente na Ucrânia com brasileiros.recentemente teve um caso de racismo envolvendo o jogador Ondrej Kudela do Slavia Praga que foi punido com dez partidas de gancho por ofensas racistas contra um jogador do Rangers. Até o caso na seleção da Holanda em 1996 em que jogadores brancos não se misturavam com negros.

O racismo não é a única forma de preconceito que existe no futebol, existem inúmeros casos de xenofobia contra  jogadores brasileiros que vão para times de países do leste europeu que acabam criando uma visão deturpada de que todo brasileiro joga igual a Pelé e Ronaldinho e muitos tem inveja por brasileiros ganharem mais que jogadores locais.

 

Em entrevista, a psicopedagoga, psicoterapeuta e professora de sociologia Adriana Vedovelli comenta sobre o racismo como forma de discriminação no esporte e na sociedade atual e nos ajuda a compreender melhor esta forma de preconceito tão presente no mundo. Confira a entrevista:

 

Ao longo dos anos, nos deparamos com diversos casos de racismo dentro do futebol, esporte de grandeza indiscutível. Mesmo assim, com toda a visibilidade, ainda acontecem casos de racismo. Ao seu ver, por que esses casos ainda ocorrem?

A: É algo bem complexo porque o racismo vem de dois segmentos sociais, um deles é o racismo estrutural. Um dos casos que me recordo foi o do Daniel Alves, onde jogaram uma banana no campo como uma referência de inferioridade e naquele momento as pessoas agiram com certa estranheza, não sabiam distinguir se aquela situação era ofensiva ou não. Isso é o pior, porque deflagra esse racismo estrutural, sistemático, onde esses comentários são muito escutados no dia a dia, se tornando até mesmo uma piada para alguns. Este tema é muito importante porque nos faz refletir como algo assim pode se normatizar. Outro é o segmento social em que todos esses comportamentos são construídos através de nossas vivências e como a sociedade se molda. O futebol era para ser algo bonito, que representasse o esporte, que tivesse celebrações e aos poucos nos deparamos com elementos como o racismo, a um estado deplorável.

Esta situação, como você mesma disse, se normalizou dentro do futebol. Mesmo com intensos debates e protestos sobre este assunto, o racismo ainda é algo muito frequente. Nos últimos anos, presenciamos muitos casos dentro do futebol em que alguns telespectadores julgam como “frescura” por parte daqueles que sofreram e se posicionaram. Em vista disso, o que você acha desse julgamento?

A: Os julgamentos dessas pessoas se dão por uma falha na formação humana, uma falha social da criação, falha no ambiente familiar e escolar e enquanto as pessoas negarem isso, as coisas não vão mudar. É muito difícil destruir este tipo de preconceito porque ele já vem enraizado. Existem experiências em que verificam que as crianças de até os cinco anos não têm atitudes discriminatórias. No entanto, por mais que a criança tenha a sua própria personalidade, independente do quão forte ela seja, no momento que a sociedade se normatizou, ela também se normatiza, ela também se molda. O contágio é extremo. Eu acho que essas pessoas são superficiais, elas não têm a capacidade de avaliar o indivíduo por dentro, avaliar o lado humano, apenas julgam por fora e isso é superficialidade.

Em meio a tantos casos de racismo dentro dos estádios, existem aqueles que defendem punições destinadas àqueles que o praticam, sendo jogador, técnico, torcedor etc. Qual sua visão sobre essas punições?

A: Acredito que essas punições não vão resolver o racismo estrutural, porém todo tipo de mudança é lenta, é gradual. Então talvez com o tempo essas punições podem cicatrizar esses erros, cicatrizar o racismo. O uso de indenizações seria muito bom. Aplicar o dinheiro na mídia com propagandas a debate em questão, em programas sociais, em elementos de educação nas escolas que reflitam sobre isso, o conceito do racismo. Tentar reproduzir esse dinheiro gerado em boas ações daqui para a frente.

Há algum tempo, vemos uma crescente não só no número de negros como também em seu destaque no mundo do futebol, porém poucos ressaltam isso. O que você acha dessa falta de visibilidade?

A: Isso até agora acontece porque essas histórias muitas vezes são contadas por aqueles que se chamam de “brancos”. Também devem ser contadas pelos não brancos. Com o passar dos anos as pessoas foram deixando de lado a história dos afrodescendentes. Muito se resume a este forte movimento de branqueamento presente na literatura, na ideologia religiosa, nos veículos de mídia, em tudo. O futebol não escapa, eles tentam colocar esta mesma visão. É um movimento difícil de superar mas temos que ter esperança, eu pelo menos tento ter.

Um dos casos de racismo mais famosos no meio futebolístico, é o da Equipe da Holanda da década de 90, que ficou conhecida na época “A nova Geração de Ouro”, afinal, a base holandesa se destacava depois da sua última grande seleção, que era liderada por Johan Cruyff. Entretanto, essa seleção teve um episódio que demonstrava um divisão entre brancos e negros.

Em 1996, ocorreu a EuroCopa, um torneio internacional para seleções da Europa. Um dos times considerados favoritos para brigar pelo título naquela edição era a seleção holandesa, que contava com grandes jogadores e tinha o time do Ajax como sua base. Alguns desses jogadores, como Davids, Seedorf e Kluivert eram descendentes de famílias vindas do Suriname, e consequentemente, possuíam um tom de pele bem diferente do resto dos jogadores holandeses.

Este (possível) caso será o único dos que citaremos aqui, que ocorreu entre os próprios companheiros e técnico. Já no próprio time do Ajax a imprensa holandesa especulava uma desigualdade entre os jogadores, visto que, os brancos recebiam um salário maior quando comparados aos jogadores negros. No início da competição europeia, a Holanda empatou em 0x0 o primeiro jogo, revoltando os torcedores e, no fim do dia, já havia começado uma pequena discussão entre Seedorf e o técnico do time. No segundo jogo, Davids não entrou em campo e Seedorf jogou apenas 20 minutos no primeiro tempo ainda, quando foi para o banco começaram a cochichar, e o treinador deles não gostou dessa atitude, e no dia seguinte, tirou Davids do elenco, após o jogador ter dito que Guus Hiddink selecionava o time conforme a cor da pele dos jogadores.

Todo esse desconforto dos atletas veio a tona após a foto tirada pelo fotográfo Guus Dubbelman, que se aproximou da concentração do clube e registrou um momento onde era visto os atletas separadas em três mesas, sendo que cada uma demonstava, negros sentando junto dos negros e brancos sentados juntos dos brancos. O técnico da seleção ainda tentou impedir que a foto fosse tirada, o que foi em vão. 

Muitos jogadores desaprovam a publicação da foto, já Seedorf, um dos principais craques da seleção, sempre quando perguntado sobre o assunto, se esquiva de responder. Kluivert comentou que “se o fotógrafo fosse menos maldoso, teria visto que tomou café com o goleiro Edwin Van der Sar, um branco.”.

No final daquela Eurocopa 1996, a Holanda foi eliminada nas quartas de finais para a França e na Copa do Mundo dois anos seguintes, a seleção terminou na quarta colocação, sendo eliminada nas semifinais para o Brasil.

No ano de 2019, Taison, atualmente jogador do Internacional, também passou por uma discriminação racial enquanto estava na Ucrânia. No dia 10 de novembro daquele ano, em partida entre Shakhtar Donetsk, ex-clube do brasileiro, contra o Dynamo de Kiev, válida pela 14° rodada do campeonato ucrâniano, ocorreram atos racistas contra o camisa 7 do Shakhtar.

No final da segunda etapa, Taison saiu em uma arrancada e sofreu uma falta do zagueiro do Dynamo, Shabanov. Os torcedores do time rival, não concordaram com a marcação do árbitro, achando que o brasileiro teria simulado a falta. Com isso, a torcida começou a protestar com cânticos racistas contra Taison, que reagiu logo em seguida, mostrando o dedo do meio e chutando a bola no setor onde se localizava a torcida do Dynamo de Kiev. O árbitro da partida expulsou o brasileiro, que saiu de campo chorando, amparado pelos companheiros.

O Dynamo de Kiev foi punido pela federação ucraniana com uma multa de 87 mil reais e a realização da partida seguinte em seu estádio, sem a presença de público.

Em suas redes sociais após o caso, Taison disse “Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível! Minhas lágrimas foram de indignação, de repúdio e de impotência, impotência por não poder fazer nada naquele momento!”



 

O terceiro caso que iremos citar aqui é o ato racista que Ondrej Kudela, jogador do Slavia Praga, cometeu em um jogo da Europa League. Segundo Kamara, a vítima do ato racista, o zagueiro do Slavia disse à ele: “Você é a porra de um macaco”. A UEFA, organizadora do torneio, puniu o jogador por 10 partidas, mas puniu também a vítima deste ato, por agressão física ao Kudela.

Após Kamara denunciar as ofensas, disse que passou a sofrer muitos abusos raciais e xingamentos em suas redes sociais.