Sejam em grandes franquias ou em uma pequena porta em um bairro residencial, os brechós ganham cada vez mais consumidores. As principais razões para isso, preços baixos, maior variedade de peças e personalidade. Mas o efeito ambiental das roupas de segunda mão também é um diferencial e necessidade em tempos de mudanças climáticas, além do seu impacto social.
Ao contrário do que pode parecer pela ascensão recente da atividade, a venda de roupas e artigos usados remete ao século XIX na Europa, onde as chamadas ‘Second Hand Stores’, produtos em geral, e ‘Vintage Clothes Stores', especializadas em peças de época eram comuns. As roupas novas eram feitas a mão, resultando em preços altos e limitando o consumo recorrente as classes mais altas. Diante disso, uma saída eram as peças usadas, com preços menores mas de alta qualidade.
No Brasil, o primeiro do ramo documentado data do mesmo período no Rio de Janeiro, chamado de Casa de Belchior. A loja do viajante francês vendia uma série de itens usados e deu origem ao termo ‘brechó’ inclusive. A contração das palavras ao longo dos anos para facilitar o entendimento e a popularização do local originou o termo brasileiro.
Ao decorrer dos anos, a atividade cresceu e passou a abarcar outros grupos sociais também, destacando as histórias e individualidade das roupas de segunda mão. Em entrevista à AGEMT, Camila Guerreiro, dona há três anos do brechó Dona Clô, destaca os principais motivos apontados por seus clientes: “As pessoas buscam peças diferenciadas, de boas marcas e por um preço bom”.
Foi justamente nos últimos anos que o ramo realmente atingiu destaque no país. Segundo relatório de 2021 do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre 2010 e 2015 o número de brechós cresceu 210% no Brasil. Além disso, durante a pandemia de COVID-19, de 2020 para 2021, o crescimento foi de 50%. Hoje, o país conta com aproximadamente 118.778 brechós ativos, ainda de acordo com o Sebrae, e as expectativas são de mais crescimento.
Segundo a empresa britânica de consultoria, Global Data, o ramo irá ultrapassar, em 2029, em valor o fast fashion, a indústria da moda tradicional baseada em coleções e produção em massa. Foi a partir dos anos 1970 que a busca por produzir roupas em grande quantidade por um baixo custo tomou forma nos EUA, e hoje marcas como Shein, ZARA e C&A dominam o setor da moda.
Apesar da popularização do setor, um cenário de consumismo e poluição ambiental massiva se configurou. O setor têxtil fica atrás apenas da indústria petrolífera no quesito poluição ambiental segundo dados do relatório de 2022 da Global Fashion Agenda, destacando a importância de repensar a forma como se consome roupa.
“Isso deve motivar as pessoas a procurar um brechó, não só pelo preço e por ser uma peça exclusiva, mas por essa sustentabilidade. Não se deveria pensar primeiro em comprar em uma loja tradicional uma peça que todos terão igual e que em meses você não usará mais", afirma Camila.
O comportamento volátil da ‘moda rápida' resulta em um desperdício cada vez maior de recursos naturais, e a consequente poluição pela produção desenfreada e descarte prematuro das peças. A Ellen MacArthur Foundation, criada em 2010 para acelerar a adoção de uma economia circular, estima que 60% das peças sejam descartadas ainda no primeiro ano de uso, e que 85% delas nem sejam recicladas.
Ivone Aparecida, dona do brechó ‘O Legado da Vó’, especializado em roupas de época há 20 anos, destaca a lógica instaurada pela indústria hoje. “Tecidos que antigamente levavam três ou quatro meses para serem lançados, hoje em poucos dias chegam às lojas, e são quase descartáveis, não são pensados para serem lavados e durar”.
Nesse sentido, os brechós são uma alternativa sustentável, uma vez que peças que seriam descartadas ainda em condições de uso, ganham nova vida, um incentivo para a mudança de pensamento em relação ao vestuário. Esse prolongamento da vida útil das peças resulta na diminuição da degradação ambiental, ocasionando para o armário de um consumidor de brechó uma pegada de carbono mais baixa.
Além disso, um dinheiro que seria gasto com essas grandes multinacionais poluentes passa a circular nos bairros, impulsionando a economia de base. Segundo o Sebrae, 78% dos negócios do ramo são MEI (Microempreendedor Individual), e 21% micro ou pequenas empresas, culminando no impacto econômico da atividade para o comércio local. Há geração de empregos, desenvolvimento econômico das regiões da cidade e diminuição da necessidade de deslocamento da população para áreas centrais.
Toda a sociedade sente o impacto da atividade, que carrega em si a proposta de uma outra relação com as roupas que se usa. “O brechó é moda sustentável, você ressignifica as peças e pode usar até passar de geração para geração, uma roupa que tem história por trás ”, finaliza Ivone.
