Embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu em São Paulo, o Museu do Futebol funciona desde 2008 com 15 salas temáticas. Recentemente, a exposição foi renovada e reinaugurada, acolhendo a diversidade do futebol brasileiro e apresentando o esporte como parte inseparável da identidade cultural brasileira.
Renata Beltrão, coordenadora do Núcleo de Comunicação do Museu do Futebol, comenta que a reforma visou a inclusão da história do futebol feminino na exposição. “Os museus são instituições legitimadoras de determinadas narrativas, o público espera receber a verdade em uma bandeja, mas o museu também tem viés. Ao incorporar as narrativas sobre o futebol de mulheres, apresentamos uma história que não é só mais diversa, como mais próxima da realidade”.
Segundo o site da instituição, a missão do Museu do Futebol é “preservar, pesquisar e comunicar o futebol no Brasil, em suas dimensões e expressões históricas e culturais para os mais diversos públicos”. Para além do fascínio pelo esporte e a celebração do futebol brasileiro, o museu se dedica a apresentar como a história do “país do futebol” está entrelaçada com o jogo para muito além dos campeonatos. A exposição é mais que um acervo de curiosidades ou uma coleção de memórias, constrói uma narrativa do século 20 no Brasil a partir do futebol.
A convenção é que a primeira partida oficial de futebol no Brasil foi em 14 de abril de 1895, na Várzea do Carmo, em São Paulo, com orientação de Charles Miller. “O futebol foi profissionalizado no Brasil em 1933, quando os jogadores negros foram incorporados aos clubes oficialmente, recebendo salário” conta Renata Beltrão. Durante a década de 1920 o esporte se popularizou no país e os operários que jogavam futebol nas várzeas dos rios começaram a receber para participar. Até então só a elite participava dos campeonatos oficiais e os jogadores não recebiam salário, Renata afirma que “em dado momento se percebe que o talento dos jogadores negros era incontornável e para que os campeonatos crescessem eles precisavam ser incorporados aos clubes”.
A primeira Copa do Mundo FIFA foi em 1930 no Uruguai, o Brasil é o único país que participou de todos os 22 torneios e o único pentacampeão mundial. Em 1938, a Copa na França foi a primeira a ser transmitida ao vivo para todo o Brasil por rádio, a população acompanhou os jogos com afinco. O atacante Leônidas da Silva foi o artilheiro da Copa, marcou sete gols e ganhou o apelido de “Diamante Negro”. Porém, mesmo sendo um dos primeiros ídolos nacionais do futebol, foi preso em 1941, denunciado pelo próprio clube por falsificar um atestado de reservista.
O Brasil sediou a primeira Copa depois da Segunda Guerra em 1950, a Seleção Brasileira perdeu de virada para o Uruguai na final, 2x1. O Museu do Futebol reserva uma sala escura para o curta que expõe o impacto que essa derrota teve na população brasileira, após a partida a Seleção nunca mais jogou com a camiseta branca. Os jogadores negros foram culpabilizados pela derrota no estádio do Maracanã, em especial o goleiro, Moacyr Barbosa Nascimento, apontado como o vilão do vice-campeonato. Em 2021 o Museu do Futebol organizou uma exposição em sua homenagem.
Reza a lenda que ao ver o pai chorando na final do mundial de 1950 o menino Edson Arantes do Nascimento promete que ganharia uma Copa do Mundo para ele. Em 1958 esse menino é um dos protagonistas do primeiro título mundial da Seleção Brasileira, com dezessete anos Pelé “põe o Brasil no mapa”. O Brasil ganha a Copa de 1962 e a de 1970 com Pelé em campo, sua carreira virou sinônimo do futebol brasileiro, marcou mais de 1000 gols em jogos oficiais e em 2000 foi eleito o Atleta do Século pelo Comitê Olímpico Internacional.
Por décadas a imagem internacional do país estava atrelada a de um jogador de futebol negro, mas isso infelizmente não significa que não existe mais racismo no futebol. Escândalos de torcidas racistas na Espanha, na Argentina ou no Brasil são notícias recorrentes. Os ataques contra Vinicius Junior durante a La Liga e os cânticos racistas contra os jogadores negros da Seleção Francesa marcam o futebol internacional dos últimos anos. Não é possível afirmar que as grandes conquistas de atletas negros tenham posto fim ao preconceito e ao racismo estrutural.
O futebol é mais do que uma disputa esportiva, ao longo do século 20 o esporte se consolidou como uma paixão e como um território político no Brasil. Porém, entre eternos craques, anjos e heróis, um mito busca consagração: “não se mistura política com futebol”. Mas como isso seria possível para o país do futebol? As participações mais memoráveis do Brasil em Copas do Mundo são marcadas de uma forma ou de outra pelo cenário político -- da vitória em plena Ditadura Militar em 1970 à derrota para a Alemanha por 7x1 em 2014, que foi creditada a Presidenta Dilma Rousseff.
O Museu do Futebol homenageia a história do esporte no Brasil e compreende que o futebol é inseparável da identidade cultural brasileira. Em agosto de 2022, durante a 26ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus foi aprovada por representantes de mais de 500 museus em todo o mundo uma nova definição do que é um museu. “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus promovem a diversidade e a sustentabilidade. Atuam e se comunicam de forma ética, profissional e com a participação das comunidades, oferecendo experiências variadas de educação, entretenimento, reflexão e compartilhamento de conhecimento”.
A renovação do Museu do Futebol acolhe essa descrição. Ao acrescentar a história do futebol feminino, criar novas salas de exposição e preservar salas queridas pelo público, a narrativa sobre o futebol brasileiro se torna mais completa e a sociedade pode usufruir dessa reflexão. A nova “Sala Raízes do Brasil”, por exemplo, mergulha na arte produzida no período entre 1930 e 1950 que celebra o povo brasileiro e marca a transcendência do futebol para além das fronteiras do esporte. A antiga “Sala das Copas” contextualiza historicamente cada uma das 22 competições, com fotos, vídeos e músicas que marcam cada década. A coordenadora do Núcleo de Comunicação do Museu do Futebol, Renata Beltrão, declara que “o passado não muda, mas a forma como compreendemos o passado, sim”.