O futebol e a política contra o autoritarismo

Como o esporte se tornou palco de resistência e expressão democrática ao longo da história
por
Luiza Zaccano
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29/04/2025 - 12h

     A política, assim como o futebol, desperta calorosas discussões, com o objetivo de defender determinado partido ou ponto de vista ideológico. Historicamente, o esporte tem sido utilizado por diversos governos como um instrumento de pacificação em conflitos ou até mesmo como uma forma de construção de identidade nacional, e o Brasil não foi diferente. 
    O futebol, além de ser uma modalidade esportiva, é um produto comercializado para um vasto público, o que o torna um meio eficaz para a disseminação de ideias políticas e para a promoção de causas sociais. Sabe-se que, de quatro em quatro anos, a população brasileira possui uma tendência a esquecer a miséria para comemorar o sentimento patriota e esperançoso de ver a nação ganhar. Porém, entre 1966 e 1982, o futebol deixou de ser visto como um meio de entretenimento, e passou a ser uma válvula de escape de uma dura realidade imposta pela Ditadura Militar.
    A Copa do Mundo de 1970 foi marcada pela pressão e sentimento de preocupação com o bom desempenho da seleção brasileira, principalmente após o fracasso de 1966. Especialmente após a vitória de General Médici na presidência do Brasil, o governo passou a associar arduamente o futebol e o regime militar. O planejamento do México foi uma grande exemplificação desse fator, já que foi um plano de treino feito por militares para os jogadores, que incluía se acostumar com as altitudes mexicanas, seguindo uma disciplina militar, vinculando a forma rígida e disciplinada da preparação, da mesma forma que o governo gerenciava o país. E claro, após a vitória no campeonato, o governo e o futebol continuariam a ser associados como uma via de mão dupla. 
       Contudo, com o passar dos anos, a realidade política e social do Brasil começou a mudar. Na década de 1980, em meio ao processo de abertura e de questionamento à ditadura, o futebol voltou a ser palco de manifestações políticas, porém agora, em direção oposta àquela promovida nos anos 1970. Um dos maiores símbolos dessa transformação foi a Democracia Corinthiana, movimento liderado por Sócrates e outros jogadores do Corinthians. Para Sócrates, era fundamental questionar todo o processo político do país, especialmente no futebol, para que os jogadores tivessem voz nas decisões dentro de seus clubes. Assim funcionava a Democracia Corintiana, segundo as palavras do próprio Sócrates, “Tudo era votado. Essa foi a ação mais concreta do processo. Dissemos: “a partir de hoje, o que for coletivo, nós vamos votar” (...) Qualquer questão era levada a voto. Qualquer um podia apresentar um assunto para a votação. Quando viajar? A que horas viajar? Onde concentrar? Tudo era discutido.”

Democracia Corinthiana. Foto: Reprodução/Museu do Futebol.

No entanto, a Democracia Corinthiana sofreu uma enorme resistência por parte da administração, mídia e do estado, pois a iniciativa ultrapassava as fronteiras do futebol e questionava diretamente o contexto político social vivido pela sociedade brasileira. Mas, o movimento ultrapassou o público futebolístico e chegou em em artistas como a Rita Lee, que mostraram suporte a causa. 
De acordo com Márcia Helena, estudante de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Maranhão, “O futebol é um fenômeno de massa e, em momentos de crise, como durante a ascensão da extrema direita, torna-se um alvo fácil para a manipulação dos veículos de comunicação, o que representa um risco constante. E nesse sentido, o futebol pode ser usado como arma midiática e instrumento de distração. No entanto, a experiência da Democracia Corinthiana demonstrou que o esporte também pode ser um poderoso meio de protesto e conscientização, capaz de alertar a população sobre os absurdos cometidos durante a Ditadura."

Rita Lee levou Sócrates, Casagrande e Wladimir ao palco durante show em São Paulo em 1982 Foto: Reprodução/ Democracia em Preto e Branco


Durante esse período, a publicidade começou a aparecer nos uniformes, e o time aproveitou essa oportunidade para utilizar as vestimentas como meio de transmissão de mensagens sociais e de conscientização cidadã, como “Dia 15 Vote” e “Democracia Corinthiana”. No entanto, essa estratégia não foi bem recebida pelos militares. Anos depois, Waldemir Pires, então presidente do clube, revelou: “O brigadeiro Jerônimo Bastos, presidente do Conselho Nacional de Desportos (CND) na época, me chamou no Rio de Janeiro e disse: “Vocês não podem utilizar esse espaço para fins políticos‟. Ele pediu que tirássemos a mensagem e nós o fizemos”. A partir disso, com o fito de aumentar a força do movimento, muitos dos envolvidos na causa se filiaram a partidos políticos e participaram do movimento Diretas Já!
Com a eleição de Tancredo Neves para presidente, surgiu a esperança de uma mudança no cenário brasileiro. Após 21 anos de Ditadura Militar, o povo voltou a ter o direito de eleger seus representantes.
O futebol sempre foi e continuará sendo um dos meios mais poderosos para representar lutas e causas que buscam transformar realidades, tanto no Brasil quanto no mundo. Diante disso, é fundamental a atenção aos acontecimentos da atualidade e o uso de diferentes formas de expressão, como o futebol, a música, o cinema e outras manifestações culturais, como instrumentos para repensar nossa sociedade e promover mudanças significativas.