Em março uma das casas de show mais consagradas no cenário underground de São Paulo, a “casinha” como chamam, é obrigada a encerrar suas atividades indefinidamente em consequência da pandemia causada pelo novo coronavírus. Desde o início da pandemia o local já não recebia concertos, mas só no começo do ano, por meio de um post no Instagram, é anunciado que o imóvel seria entregue.
Comprada em 2007, a “Casa do Mancha” quando era só uma casa, reunia amigos e vizinhos do proprietário, o “Mancha”. Esses encontros, sempre com teor musical, geraram apresentações de pessoas próximas e por isso, a residência localizada em uma rua na Vila Madalena, passou a ser vista como um ponto de encontro e de produção musical para quem estava começando na indústria fonográfica, se tornando cada vez mais referência no cenário independente brasileiro.
Sofia Tremel, quem trabalhou lá, conta que Danilo Leonel, o “Mancha”, veio para São Paulo em 2007 para fazer faculdade e para isso, comprou uma casa na Vila Madalena. Depois de um tempo, como ela conta, Danilo percebeu que havia uma defasagem nos estúdios musicais e montou um espaço para as bandas de amigos poderem gravar, assim, a casa em que ele morava passou a ser responsável pela gravação de álbuns e apresentações de bandas independentes, cantores solos, até se tornar a “Casa do Mancha”.
O estabelecimento então surgiu com a proposta de aproximar o público de um cenário musical novo, e segundo o site de cultura da Prefeitura de São Paulo ao longo de seus 13 anos foi se transformando “no palco mais icônico e relevante para a música autoral brasileira do século XXI''. E por conta do grande número de eventos realizados de forma totalmente autônoma se tornou referência para uma geração de artistas.
Tremel, entretanto, aponta as dificuldades de trabalhar em um ambiente autônomo: “Com o tempo, trabalhando lá, eu comecei a perceber como a cultura independente é frágil, no sentido de que a galera que trabalha nesse cenário “rala” muito, e no fim do dia não tem muito retorno. A maioria dos músicos que tocavam lá tinham banda, mas tinham também outros trabalhos”.
O ambiente apresentado por Lucas Monch, músico e produtor que já tocou na casa, é de um estabelecimento que atuava como um sarau, no qual novas bandas faziam suas primeiras apresentações oficiais, dispondo do equipamento da casa e da atenção de produtores procurando por novos talentos e ofertas de gravação. Para ele foi como uma realização pessoal e profissional ter contado com a oportunidade de tocar lá. Uma vez que nomes de destaque da cena atual, como Boogarins, O Terno e Criolo começaram sua carreira na "casinha'', sendo que alguns, até pouco tempo atrás, ainda faziam questão de retornar ao espaço sempre quando lançavam uma turnê, costume adotado, por exemplo, por Tim Bernardes, vocalista da banda O Terno.
Na pandemia, a Casa do Mancha fechou suas portas e tentou adotar novas estratégias atuando como local para gravação de discos para artistas independentes, mas não foi o suficiente para manter a casa funcionando. Sofia, explica que no começo, o Mancha em si fez um anúncio no Instagram escrito algo como: “olha, estamos sofrendo, estou sem ideia, não quero fazer festival online, não quero fazer live, não quero fazer nada. Vamos tentar usar a “casinha” como recurso para os músicos que querem ensaiar.”
E segundo ela foi o que aconteceu na casa até fechar. “Eles estavam usando lá como estúdio para gravar cd, para a banda ensaiar, às vezes como cenário de live.”, completa.
Em meio a tudo isso, junto com a notícia da entrega do imóvel, surgiu a possibilidade de um documentário para que a história da Casa do Mancha fosse eternizada, uma compilação dos seus melhores momentos, apresentados por recortes de lives de shows, fotografias e vídeos amadores produzidos por aqueles que frequentavam a "Casinha". Uma tentativa de homenagear esse centro cultural e o seu histórico importantíssimo para o desenvolvimento do cenário independente da música brasileira. Por enquanto esse projeto continua em desenvolvimento conforme Sofia.
Para Lucas Monch e Sofia Tremel uma coisa é certa: “apesar do fechamento, a vida segue transformações, então apesar de ter fechado hoje a Casa do Mancha, amanhã outro projeto pode nascer”.