O fascínio bolsonarista pelo masculino

Psicanálise nos ajuda a entender o fenômeno
por
Barbara Vieira
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21/11/2022 - 12h

Jair Bolsonaro e o movimento que ajudou a emergir do subterrâneo brasileiro cultuam a masculinidade, característica fundamental de seus “Deuses”. O carcereiro, o punidor, o forte, o imbrochável, o pragmático, o cruel, o guerreiro, o matador, o grande salvador são as figuras desses coletivos.

Existe uma série de declarações de Bolsonaro e bolsonaristas sobre o amor ao macho; aqui, o próprio ódio a todo desviante.  Declarações misóginas e homofóbicas em montes, delírios criados em torno desses assuntos que levaram e levariam a páginas de análise. Demonstrações de força que matam e representam o que acontece neste país que denominamos democrático, onde há elevado número de mortes de pessoas LGBTQ+, de mulheres, da população preta.

Estes homens rechaçam toda e qualquer possibilidade de aproximação ao feminino, têm aversão à possibilidade. Pregam a violência contra as minorias em movimento reacionário ao avanço dos movimentos progressistas por direitos, por liberdade, por respeito que arduamente lutam contra o patriarcalismo estrutural. 

 

A psicanálise pode nos ajudar a entender esse fenômeno. O psicanalista Aldo Zaiden explica a necessidade de Bolsonaro - representação e liderança máxima desse coletivo masculinista no Brasil - em reafirmar a sua masculinidade a partir do conceito de projeção, e porque isso gera tanta identificação na nossa sociedade; “A escolha de um objeto outro amoroso, a prevalência disso vai da história do desenvolvimento psicoafetivo de cada um. O que nós sabemos é que pessoas que recusam excessivamente transitar, nem que seja inconscientemente, entre essa possibilidade de gostar de um homem, seja na amizade, e que essa amizade é uma amizade, por exemplo, que traz elementos eróticos como qualquer amizade traz, faz com que essa pessoa fique muito preocupada para onde aquela história vai. Não à toa, quando o Bolsonaro vai dar um abraço no homem ele fala que é um abraço hétero. Ninguém tá perguntando pra ele, só ele tá pensando. Não precisamos ser psicanalistas para dizer que ele está pensando o  tempo todo no  oposto. Então, muitas vezes nós podemos pegar as frases e apenas tirar a negativa que ela carrega. Então: "- eu não sou gay”. Bom, quem falou que eu sou gay é o sujeito que falou. O não está ali. “Eu sou imbrochável”, que é uma negativa, quer dizer “Eu sou brochável”. Ele está sofrendo porque ele é humano, quer dizer que não é um hiper humano, um super-homem, um homem que não perde a virilidade. E na verdade ele perde a virilidade. Esse é o terror dele. A vivência psico afetiva sexual dele é central na construção do discurso masculinista. E ela é reflexo da sua dificuldade de conviver com o seu lado homoafetivo, que compõe qualquer pessoa numa relação de amizade entre dois homens, por exemplo” 

Para o psicanalista, a sociedade brasileira reflete esse drama, e encontra em Bolsonaro uma representação da negação dessa realidade. Há reconhecimento e medo do desejo por parte dos homens. “Encontram isso - a luta, as armas, o fálico - em defesa da sua outra posição, uma posição um pouco mais feminina, que acolhe, que recebe e que se transforma a partir disso, que o encontro transforma; essa é metáfora da fecundação,  a mulher recebe e se transforma a partir disso gerando outras coisas, outras possibilidades. Então ele é fechado, sólido, fálico, em defesa da ideia do encontro, da composição, tem muito medo do outro.”

Sob o olhar psicanalítico, o elemento da negação constante representa, portanto, um lugar de afirmação do que se pretende negar. 

Outro aspecto intrigante para análise são as mulheres, conservadoras, brasileiras, com Bolsonaro; como explicar a adesão de mulheres ao movimento que as oprime? Uma das explicações encontradas na psicanálise, de acordo com Zaiden, coloca a angústia da liberdade como fator de contribuição. Explica que o avanço dos direitos das mulheres coloca, paradoxalmente, um dilema para algumas, que podem encontrar dificuldade na liberdade: “a liberdade não é fácil de ser vivida, ela é um lugar que implica escolha e perdas, dilemas, portanto angústia.” Dessa forma, a possibilidade de servir ao homem seria mais atraente para essas mulheres. O psicanalista explica que “apesar de ser uma castração, apesar de ser uma opressão, isso tem um efeito também calmante, por incrível que pareça, porque cessa-se naquele momento as cogitações angustiosas da vida em liberdade”. 

Identifica que o movimento bolsonarista transfere a energia libidinal para um sentido de viver. Questões existenciais seriam saciadas pela integração no grupo, a pessoa vira parte em prol de uma liderança e um objetivo maior, por guerras fictícias, “inimigos invisíveis”, narrativas retroalimentadas pela mentira, necessárias para promover o projeto que promete a vitória do grupo, o poder de um grupo sobre as minorias, a supremacia. Participantes do grupo se sentem em uma guerra,  se sentem comandantes em uma revolução. O psicanalista vê uma defesa maníaca contra a dor da verdade.