O empreendimento pelas "minas"

O número de mulheres empreendedoras cresce no Brasil, mas elas ainda encontram dificuldades de caráter primário
por
Rafael Francisco Luz de Assis
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02/06/2024 - 12h

Apesar do termo ser moderno e da linguagem descolada, criar negócios, desenvolver novas ideias e soluções para problemas sempre foi uma realidade da mulher pobre e periférica. Com a institucionalização da expressão “empreendedorismo”, foram apresentados novos desafios e aproveitando essa oportunidade agora que está em alta, podemos estar diante da próxima revolução feminina. 

Um recente estudo da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), do governo de São Paulo, revelou um aumento notável no número de mulheres empreendedoras no Estado. Houve um crescimento de cerca de 25% no número de mulheres que optaram por trabalhar por conta própria, passando de 1,7 milhão em 2019 para 2,1 milhões em 2022.  

São Paulo desponta como líder nesse cenário, contabilizando a maior quantidade em termos absolutos. Aproximadamente uma em cada quatro empreendedoras no Brasil reside em alguma cidade paulista, representando um contingente de 2,4 milhões no total nacional. Já o número de mulheres donas de negócios no Brasil chegou a 10,3 milhões, segundo a pesquisa Empreendedorismo Feminino 2022, realizada pelo Sebrae com dados do IBGE. A soma de mulheres à frente de empreendimentos também é recorde, desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2016. 

Seguindo a lógica das pesquisas, as mulheres têm se destacado em vários setores da Economia, Beleza, Estética, Moda, Vestuário, Alimentação, Serviços, Educação, Treinamento, Tecnologia, Artes, Artesanato, Turismo, Hospitalidade, Saúde e Bem-Estar. Em todos esses setores a presença da mulher empreendedora cresceu segundo o estudo do Seade.  

 

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Foto: Beleza Natural (foto: Reprodução/Instagram)

 

Exemplos não faltam. A rede de salões de beleza especializada em cabelos crespos e cacheados, fundada por Zica Assis, em 1995, foi pioneira no tratamento de cabelos cacheados não alisados. Em 2004 lançou a própria marca de cosméticos e em 2013, a revista americana Forbes incluiu Zica na lista das 10 mulheres mais poderosas do Brasil. Até hoje a Beleza Natural é marca de referência em cabelos crespos e cacheados no Brasil. 

A pernambucana Gabryelly Valença começou a fazer brigadeiros para driblar a crise provocada pelo coronavírus e utilizou as parcelas do auxílio emergencial para fazer o investimento inicial na empresa. De lá para cá, colecionou clientes fiéis e fez um estrondoso sucesso nas redes sociais com a “Maria Brigadeiro Gourmet”, e já soma 1.8 milhões de seguidores no Tiktok, ganhou notoriedade também participando de programas na TV como o "Bake Off Brasil – Mão na Massa". Gabryelly é sempre lembrada como um exemplo de empreendedorismo jovem e que com dedicação e habilidade, alcançou sucesso no mundo dos negócios, mesmo começando bastante cedo. 

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Maria Gabryelly Valença, fundadora da Maria Brigadeiro Gourmet, em Pernambuco (Foto: Reprodução/Instagram)

 

Gracieli Santos Macedo ex-sócia proprietária da clínica Fono-Mauá na cidade homônima, abriu seu negócio em sociedade com uma colega de profissão e pós-graduação em 2019.
Fono Mauá é referência em tratamento de distúrbios de linguagem e motricidade orofacial. A clínica emprega outras 10 funcionárias (6 fonoaudiólogas, 3 estagiárias e 1 secretária), e para conseguir atendimento o paciente agora precisa encarar um fila de espera. 

 

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Gracieli Macedo saiu da faculdade e abriu o próprio consultório FonoMauá (foto: arquivo pessoal)

 

O Agemt perguntou a Gracieli (que agora não é mais dona da empresa) qual foi a maior dificuldade em empreender e como foi o início, "a maior dificuldade no início era cobrar [...] nós tínhamos medo de cobrar um valor e ninguém aceitar, de não ter paciente nenhum, corria o risco de cobrar abaixo da média e acabar barateando nosso trabalho, estávamos atrapalhadas nessa parte", Gracieli conta que chegaram a perguntar a outra profissional o valor que ela cobrava para precificar seu serviço.

Questões desse tipo e muitas outras aparecem para as novas empreendedoras todos os dias e em alguns casos chegam a inviabilizar o projeto. Para essas mulheres com essas ou outras dificuldades, existem programas e sites voltados para essa demanda.  

O Instituto Rede Mulher Empreendedora, criado em 2017 é uma organização sem fins lucrativos que atua fomentando a geração de renda da mulher, através do empreendedorismo e empregabilidade. O projeto já ajudou mais de 725.826 mulheres a buscar saídas criativas para problemas do dia a dia; respeito, integridade, ética e desenvolver-se continuamente. O Instituto promove diversos projetos. 

O Potência Feminina oferece mentorias para 500 mulheres empreendedoras, que poderão esclarecer dúvidas e aprimorar suas habilidades à frente de pequenos negócios (formais e informais). O "Ela Pode: Inteligência Artificial", ensina a usar tecnologia e inteligência artificial para impulsionar seus negócios. Ele é um programa de capacitações (cursos) gratuitos focado no desenvolvimento das habilidades socioemocionais essenciais para o sucesso da mulher empreendedora. 

O SEBRAE também oferece um programa chamado “Sebrae DELAS - Mulher de Negócios” com o objetivo de aumentar a probabilidade de sucesso de ideias e negócios liderados por elas, buscando valorizar as competências, comportamentos e habilidades das mulheres, difundindo e profissionalizando o empreendedorismo feminino. Resultados do programa já podem ser percebidos inclusive com o aumento de 24% no faturamento inicial dos negócios, segundo as próprias participantes. 

Gracieli alegou que vendeu sua parte no negócio porque não conseguia mais conciliar as atividades de administradora de empresa, mãe, filha, estudante de pós-graduação e namorada. Saiu para ter um horário fixo de trabalho. E isso não é incomum. Mulheres que trabalham CLT já são reconhecidas por sua dupla jornada de trabalho. O empreendedor que, por regra não tem a mesma característica do funcionário que é o fim do expediente, tem que somar esse fator a realidade feminina brasileira, com isso basicamente se tira a possibilidade das mulheres serem donas de seus próprios negócios. 

Nesse ponto, governo, instituições e a sociedade brasileira precisam repensar a relação da mulher com o Estado. A força produtiva feminina é essencial e está pedindo passagem. Basta saber se vamos “ajudar” e andar junto delas na construção de um  futuro próspero para nossa nação.