O efeito Bibi

Em meio a um impasse político em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se torna a face da polarização no país
por
Daniel Gateno e João Pedro Coelho
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10/06/2021 - 12h

Por Daniel Gateno e João Pedro Coelho

Israel passa por momentos de turbulência na política. Em meio ao fim da 4° eleição em dois anos, os israelenses ainda não sabem quem vai ser o primeiro-ministro.

O país é uma república parlamentarista que tem 120 cadeiras em seu parlamento (Knesset em hebraico). Para formar um governo, é necessário conseguir 61 cadeiras.

O principal impasse gira em torno da figura do atual primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.O político, que é considerado um exímio estrategista, se tornou uma figura controversa em Israel. Amado por muitos e totalmente odiado por outros. Ele é acusado de corrupção, suborno e fraude pela justiça.

Por esse motivo, o Likud, partido de Netanyahu, recebeu 30 cadeiras no parlamento, a maior bancada eleita. Segundo especialistas, o grupo formaria uma coalizão se qualquer outra pessoa estivesse indicada para assumir o cargo mais importante da política israelense.

Para entender Israel hoje e o seu xadrez político, é necessário olhar para a vida de Bibi, apelido do primeiro-ministro, desde a sua juventude até a sua vida política.

Benjamin Netanyahu nasceu em Tel Aviv, no ano de 1949. Tem um ano de vida a mais do que o país onde nasceu, Israel, fundado em 1948.Filho de Benzion Netanyahu, historiador importante e militante do movimento revisionista israelense tem dois irmãos: Iddo e Ionatan.

Em 1963, com apenas 14 anos, Netanyahu se mudou para os Estados Unidos com a família. Seu pai fazia doutorado na cidade de Filadélfia. A sua relação com os EUA foi longa, tendo se formado em arquitetura a administração no MIT( Massachusetts Institute Of Technology) e adquirido uma fluência na língua inglesa.

“ Em Israel, é muito bem visto uma pessoa ir aos Estados Unidos, estudar em uma universidade muito boa e depois voltar ao país para trazer o que aprendeu”, afirma Eitan Gottfried, cientista político israelense. “ O Bibi é um mestre das aparências, fala muito bem inglês e se vendeu como um político com ideias novas”, completou.

Em meio aos estudos, Bibi voltou a Israel em 1967 para se alistar no exército em uma das unidades de combate com mais prestígio no país chamada Sayeret Matkal. Além disso, ele lutou na guerra de Yom Kippur.

“A sociedade israelense valoriza muito o exército. Se uma pessoa serve em uma unidade que é considerada de muito prestigio, ela terá melhores oportunidades de emprego e um futuro apontado como promissor”, explica Gottfried.

Depois de finalizar os seus estudos nos Estados Unidos, Netanyahu teve uma carreira no setor privado, trabalhando no Boston Consulting Group, uma firma de consultoria financeira internacional.

Em 1976, Benjamin Netanyahu sofreu um grande golpe pela morte de seu irmão durante a Operação Entebbe, uma das missões mais importantes da história de Israel. Ionatan Netanyahu era o comandante de um grupo que tinha como objetivo resgatar passageiros de um avião que fazia um voo de Paris para Tel Aviv e foi sequestrado por milicias palestinas e alemãs que pousaram o avião na cidade de Entebbe, em Uganda.

O irmão de Bibi foi a única baixa da operação, que conseguiu resgatar todos os reféns. O episódio tornou o sobrenome Netanyahu muito famoso em Israel.

“A família Netanyahu já era muito famosa, mas se tornou ainda mais depois deste episódio. O Ionatan seria o filho que entraria na política e o Bibi queria entrar nos negócios. Com a morte do irmão, Bibi se sentiu na obrigação de representar a família na política”, afirma Michel Gherman, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e Diretor-acadêmico do Instituto Brasil Israel.

Impulsionado pela morte do irmão, Bibi organizou duas conferencias internacionais sobre como combater o terrorismo e isso atraiu atenção para a usa habilidade de oratória. Em 1982, ele se junta ao corpo diplomático israelense nos Estados Unidos. Dois anos depois ele se torna embaixador de Israel na ONU(Organização das Nações Unidas).

“O cargo de embaixador na ONU tem muito prestígio em Israel, Golda Meir e Yzchak Rabin, outros políticos que chegaram ao cargo máximo da política israelense também tiveram posições importantes na diplomacia do país nos Estados Unidos”, acrescenta Gottfried.

Em 1988, ele retorna a Israel com a vontade de entrar na política e é eleito para o parlamento pelo partido Likud. Bibi foi apontado como ministro das Relações Exteriores e ocupou o cargo por quatro anos. Em 1993 ele vence as eleições internas dentro do Likud e se torna a principal voz a oposição contra o governo liderado por Yzchak Rabin.

Ele se mostra contra os Acordos de Oslo, assinados em 1993 e que reconheciam a Autoridade Palestina como representante oficial do povo palestino.

Netanyahu chegou ao poder pela primeira vez em 1996, após vencer Shimon Peres na primeira eleição direta para o posto de primeiro-ministro na história de Israel. Durante a campanha contra Peres, Bibi adotou uma retórica contrária aos acordos de paz com os vizinhos árabes e afirmou que aumentaria a presença israelita na Cisjordânia. 

Durante o seu primeiro governo, entretanto, Netanyahu fez concessões em relação aos vizinhos. Assinou um acordo com autoridades palestinas, cedendo 80% da cidade de Hebrom a elas e aceitou diminuir a presença israelense na Cisjordânia.

“Uma das maiores qualidades de Netanyahu como articulador político é que ele consegue se reinventar muito para continuar no poder. Já assumiu políticas mais a esquerda do espectro político como quando fez os acordos de Hebrom, mas também se aliou a extrema direita religiosa para formar um governo”, disse Gherman.

Netanyahu renunciou ao cargo de primeiro-ministro em 1999 e, após três anos afastado da política israelense, voltou a fazer parte do governo em 2002. Assumiu o cargo de ministro das relações exteriores durante o mandato de Ariel Shalon, também membro do Likud. Entre 2003 e 2004 se tornou ministro das finanças do país. 

Em 2006, voltou a tentar se candidatar ao cargo de primeiro-ministro, dessa vez como presidente do Likud, após Shalon ter deixado o partido para integrar o partido centrista Kadima, vencedor do pleito.

Netanyahu voltou ao cargo de primeiro-ministro israelense em 2009, após conseguir formar coalizão entre o seu partido, o Likud, e outras siglas de direita com números significativos de cadeiras no Knesset, como o Yisrael Beiteinu e o Shas.

“Netanyahu foi capaz de dizer que todos os partidos de esquerda eram antissionistas e que não tinham interesse em manter o estado de Israel seguro”, afirmou Gottfried. “ Em todos os momentos ele quis criar essa narrativa de que ele era a única pessoa que pode comandar Israel e levar o país para frente”, acrescentou.

Logo em seu primeiro ano de governo, quando se aproximava o fim do acordo de suspensão de construção de assentamentos na Cisjordânia, Bibi acenou com a possibilidade de reconhecer a Palestina como um estado independente caso o país aceitasse ser desmilitarizado. Com a negativa de lideranças palestinas, os acordos de paz entre os dois países foram paralisados até o final do primeiro mandato de Netanyahu.

Durante esse período, Israel também teve um momento de crise aguda com o Irã. Netanyahu colocou pressão na comunidade internacional para que os países tomassem ações mais duras contra a suposta existência de armas nucleares no país persa.

A política interna israelense também foi conturbada no primeiro mandato de Bibi depois de seu retorno ao poder. Em 2011, manifestantes foram às ruas do país pedir por maios investimento do governo em setores como transporte, educação e moradia. Esse cenário levou à realização de eleições antecipadas em janeiro de 2013.

Netanyahu conseguiu se manter no poder, mas, dessa vez, foi obrigado a formar uma coalizão que abrangia mais partidos de centro do que a anterior. 

Os conflitos externos, entretanto, não acabaram. Em 2014, Netanyahu ordenou a realização de um ataque aéreo à Faixa de Gaza como resposta às ações de grupos palestinos contra Israel. 

As críticas internacionais ao ataque israelense e a divergência com partidos que compunham a coalizão formada em 2013 levaram à convocação de novas eleições para o início de 2015.

O impasse político israelense atual se dá pelo perfil camaleônico de Bibi, um dos motivos que fazem ele continuar no poder, mas também uma das razões de sua especulada saída.

O Likud, partido de Netanyahu, provavelmente formaria uma coalizão com qualquer outra pessoa como seu número 1, mas sofre com rupturas dentro de partidos de centro, direita e árabe-israelense.

 O maior desses partidos é o Yesh Atid, partido centrista de Yair Lapid que conquistou 17 cadeiras no parlamento. O bloco anti-netanyahu também possuí diferentes partidos de direita como “A nova esperança”, criado por Gideon Saar, “A Nova Direita”, de Naftali Bennet e o “Israel Nossa Casa”, de Avigdor Liberman. Além disso, a oposição também é formada pelo tradicional Partido Trabalhista, o Meretz, a Lista Conjunta, que é formada por três partidos árabes-israelenses, o Raam, partido árabe que não participa da Lista Conjunta e o Azul e Branco, partido do General Benny Gantz, que fez aliança com Netanyahu nas últimas eleições e perdeu prestigio com a população israelense.

Para conseguir formar um governo, Benjamin Netanyahu precisa fazer uma aliança improvável entre os partidos religiosos que o apoiam e dois partidos que estão dispostos a negociar com o premie: A Nova Direita do ex-aliado Naftali Bennet e o Raam, partido árabe-israelense que saiu da Lista Conjunta. Muito improvável que partidos da ultradireita religiosa façam um governo com um partido árabe.

O presidente de Israel concedeu a Yair Lapid o poder de formar uma coalização e ele está próximo de fazer isso. Um governo de união nacional, com partidos de direita, esquerda e até árabes israelenses está surgindo, apenas para derrotar Bibi.

Questionado sobre o futuro de Netanyahu na política israelense, Gherman acredita que Bibi seguirá no xadrez político, fazendo oposição a qualquer governo que for formado sem o partido dele. “Netanyahu vai continuar na política, não vejo ele indo para a iniciativa privada. Bibi tem muita vontade de seguir sendo o primeiro-ministro”.

Os recentes conflitos envolvendo o país e o grupo Hamas, facção palestina que controla a Faixa de Gaza, pode dar uma sobrevida a Bibi. “Netanyahu é muito forte em guerras, lida bem com a situação e se vende como a única pessoa que pode proteger Israel. Além disso, em uma situação como essa, é difícil fazer um governo de união nacional com tantos partidos que tem opiniões muito diferentes sobre o conflito com os palestinos”, declarou Gottfried.

Apesar dos rumores de que Netanyahu poderia reacender a chama em volta de seu nome, o opositor Yair Lapid chegou a um acordo com partidos de esquerda, direita, centro e arabe-israelense para produzir um governo de união nacional. O direitista Naftali Bennet deve ser o primeiro-ministro até 2023, enquanto Lapid vai terminar o mandato e ficar no cargo até 2025.

O futuro de Bibi, que parecia um articulador político invencível ,está incerto. A única certeza é que Benjamin Netanyahu nunca passará despercebido.