O desperdício assombra um Brasil faminto

Uma realidade socioambiental que luta contra o descuido de alimentos
por
Khadijah Calil
Lais Romagnoli
|
20/11/2023 - 12h

Por Laís Romagnoli e Khadijah Calil

 

Apontado como um dos principais produtores mundiais de alimentos e colocado em décimo lugar no ranking de países que mais desperdiçam comida, o Brasil  tem a fome como um de seus maiores desafios. Hoje, milhões de brasileiros sofrem algum grau de insegurança alimentar ou passam fome diariamente e, enquanto isso, 46 milhões de toneladas de alimentos  são perdidas por ano no país. Isso significa que é desperdiçada 8 vezes a quantidade necessária de comida para alimentar 33 milhões de pessoas.  Somado à desigualdade, pobreza, negligência e falta de políticas públicas, o descuido alimentício causa a fome avassaladora no Brasil e no mundo, agonizando famílias diariamente.

Na linha de frente dessa luta contra a fome, está José Luiz Santos, de 56 anos. É em toda feira livre de terça-feira, na rua Ministro de Godói, que encontra-se  José. Esse homem, que tem mais rugas na pele do que anos de idade, vive com a preocupação de um pai que tem  quatro filhos para criar. Desempregado, José conta que perdeu seu emprego na época da pandemia e, desde então, sobrevive de “bicos”, contentando-se com um dinheiro apertado para sustentar sua família. José adquiriu assim a tática de chegar  perto do fim das feiras livres  dos bairros próximos a sua casa, para conseguir um preço mais baixo. Ele  fica até a chamada “xepa” da feira e salva as verduras e frutas que seriam jogadas fora. É com alívio que José conta os resultados de sua prática semanal, a qual ajuda na alimentação de sua família. Assim como ele, muitas pessoas são vistas pedindo para os feirantes  os alimentos que seriam descartados, ou também, já vão logo recolhendo do chão aquilo que se perdeu, que não é pouco, visto que a problemática do desperdício acontece  principalmente na fase de produção e colheita, e na indústria, ceasas e Ceagesp. 

Com o propósito de combater  esse descuido com os alimentos, a ONG Banco de Alimentos (OBA) nasceu. Fundada em 1998, pela economista Luciana Chinaglia Quintão, a ONG trabalha para distribuir  alimentos que perderam o valor de prateleira, mas que ainda são adequados para o consumo e extremamente valiosos para todos  aqueles que  necessitam. O que é coletado  em supermercados, indústrias e produtores rurais é enviado, cuidadosamente, às entidades cadastradas no projeto social. Por trás desses processos, Diana Jalonetsky, da área de sustentabilidade da ONG e atuante  no Projeto Inteligência Social, afirma  que todo o esforço do OBA possui um bom retorno, já que em  25 anos, a instituição distribuiu mais de 10 milhões de quilos de alimentos, alcançando mais de 1,45 milhão de pessoas em situação de vulnerabilidade. Apenas o processo de Colheita Urbana, fez com que a comida  coletada chegasse ao prato de 25 mil pessoas, atendidas por 57 entidades mobilizadas. Com orgulho, Diana diz que vale a pena todo tempo dedicado a atrair colaboradores sociais, utilizando assim, a comunicação e o marketing digital para expandir o propósito da ONG. 

Entretanto, a popularidade da causa mostra os verdadeiros inimigos da missão fundamental do OBA. Indagada sobre os obstáculos em seu trabalho, Diana destaca com ênfase a falta de senso sobre a sustentabilidade. Além  da  fome avassaladora, cada 1 kg de alimento jogado no lixo, 400 gramas de gás metano é gerado, mostra Diana, ao apontar  o impacto ambiental do desperdício de alimento. Para o começo de uma consciência social sustentável,  o aproveitamento integral dos alimentos é incentivado ao  invés do descarte  de partes nutritivas dos alimentos como talos, sementes e cascas, pois é possível transformá-las em receitas  nutritivas, balanceadas e saborosas. Diana ainda enfatiza com seriedade o papel de restaurantes e serviços alimentícios, que devem  garantir um planejamento eficaz das compras, para evitar perdas.  No caso de sobra de alimentos em condições adequadas para o consumo, é importante que os estabelecimentos tenham um processo regular de doação.  Por isso, a ONG Banco de Alimentos  fornece também educação nutricional às entidades sociais assistidas, por meio de atividades de nutrição totalmente personalizadas, disseminando boas práticas de manipulação e armazenamento. A colaboradora da OBA comenta ainda sobre os convênios com faculdades de nutrição, em que mais de 500 estagiários já passaram pela ONG  entregando resultados extremamente positivos.

Outro exemplo de ferramenta  é o Food To Save, criado na luta contra o desperdício de alimentos no Brasil e na América Latina. O App funciona  com estabelecimentos que selecionam  itens excedentes para montagem da Sacola Surpresa, disponibilizando para resgate na plataforma, com até 70% de desconto. Os preços são variados e você escolhe salvar uma Sacola Surpresa Doce, Salgada ou Mista. Na retirada, tem a opção de receber seu pedido via delivery, ou retirar a sua Sacola Surpresa no próprio estabelecimento onde realizou a compra. O ideal do app gera uma reflexão da forma como consumimos alimentos hoje, já que esses estabelecimentos participam com produtos perto da validade e repensam hábitos que contribuam para um futuro mais sustentável e humano.

Com isso, é inegável que nos deparamos  com um atraso socioambiental: a mudança climática, a perda da natureza, a poluição e principalmente, os milhões de pessoas em situação delicada com a fome. Essa realidade exige, desesperadamente, que empresas, governos e cidadãos de todo o mundo reduzam o desperdício de alimentos e desenvolvam uma cultura sustentável.

 

 

 

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