Após pressão interna do partido, o ex-governador de São Paulo João Doria Junior (PSDB) anunciou em pronunciamento no início da tarde desta segunda-feira (23), na zona sul de São Paulo, a desistência de sua pré-candidatura à presidência nas eleições deste ano. O anúncio veio após uma reunião, na parte da manhã, com membros do partido incluindo o presidente do PSDB, Bruno Araújo.
Para entender o que ocasionou a desistência, precisamos entender a trajetória de João Doria dentro do PSDB nos últimos anos. Se intitulando como um gestor e não um político, o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo teve ascensão meteórica no partido, empilhando polêmica com tucanos históricos, como o ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman, que faleceu em 2019, e sendo até o responsável pela saída do partido de nomes importantes como o também ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, atualmente no PSB, e pré-candidato a vice-presidente na chapa com Lula (PT).
As primárias do PSDB
Em novembro de 2021, o PSDB se viu em um momento inédito de sua história, com a realização de primárias para escolher o seu candidato a presidência. Três nomes disputaram a preferência dos filiados ao partido, o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto; o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; e o ex-governador de São Paulo, João Doria.
Após impasse, e adiamento do dia de votação, na madrugada de domingo, 28 de novembro de 2021, o resultado foi divulgado e sagrou Doria como o vencedor das primárias com 53,99% dos votos, ante 44,66% de Eduardo Leite e 1,35% de Arthur Virgílio. A votação teve a presença de 30 mil membros da sigla, dos 44.700 filiados aptos a votar. Após o anúncio, Leite ensaiou uma judicialização do processo, alegando problemas no aplicativo de votação.
Em seu discurso da vitória, Doria se apresentou como o representante de um "centro democrático liberal social", e uma oposição às candidaturas do ex-presidente Lula (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo com a oficialização do resultado, o partido saiu das prévias com um embate não resolvido entre Doria e Leite, apesar de ambos minimizarem o desgaste ocorrido durante o processo. "É verdade que nós tivemos discussões mais tensas e acirradas, mas só nós tivemos debate", disse o ex-governador gaúcho. Já Doria, disse que "fazer democracia no Brasil não é fácil, mas é o melhor caminho".
Desgaste
Convivendo desde novembro com uma ameaça de ter seu "tapete puxado", Doria temia provar de sua própria receita e ser preterido por um "novato", que rapidamente caiu nas graças da militância - neste caso, Eduardo Leite. Em 2018, quando ainda era prefeito de São Paulo, Doria se movimentou no partido para que fosse ele, e não seu padrinho político Geraldo Alckmin, o escolhido da sigla na corrida presidencial.
O partido manteve sua escolha e teve Alckmin como candidato à presidência, tendo desempenho modesto e ficando apenas em quarto lugar, com 4,76% dos votos. Doria foi escolhido para disputar o governo de São Paulo, e na disputa, Alckmin, então candidato à presidência, apoiou seu ex-vice-governador Márcio França e não o candidato do PSDB, em um movimento de clara retaliação ao tucano, a quem classificou como "traidor". Apesar disso, Doria saiu vitorioso da disputa, mas o mal estar no partido já estava instalado.
A preocupação fez com que Doria afirmasse, sempre que possível, que não iria desistir da pré-candidatura e seria o nome do partido no pleito de outubro.
Porém, nos bastidores, a liderança do PSDB trabalhava para conter a insatisfação de setores do partido favoráveis a Leite e, também, articular uma aliança de partidos da terceira via. Essas movimentações fizeram com que João Doria enviasse uma carta aberta ao presidente da sigla, Bruno Araújo, no último sábado (14), onde afirmava estar surpreso que as "tentativas de golpe continuam acontecendo", mesmo já tendo sido escolhido o pré-candidato do partido.
Na carta, Doria ainda chamou de "estapafúrdias" as teorias de que a candidatura estava mal colocada nas pesquisas de opinião e com índices elevados de rejeição. O ex-governador de SP afirmou que pesquisas de opinião não podem ser "guia único" para definir o destino do partido. O caráter público da carta não ecoou bem no partido, e uma reunião com a Executiva Nacional do partido foi marcada para a terça-feira (17) seguinte, a fim de "dar conhecimento da carta supracitada".
O saldo da reunião do dia 17 foi o acerto de uma conversa presencial com João Doria, marcada para esta segunda-feira (23).
A carta foi vista internamente como a gota d'água na relação entre Doria e Araújo. O presidente da sigla chegou a ser coordenador da pré-campanha tucana, mas foi rifado do cargo após sucessivos desentendimentos com Doria.
Evidenciando ainda mais o racha no PSDB, outra figura importante do partido, desta vez o ex-senador por São Paulo, Aloysio Nunes, em entrevista a Folha de São Paulo no dia 13 de maio, disse que não apenas votará no ex-presidente Lula no 1º turno, como fará campanha para o petista.
O discurso (ato final)
Com postura diferente do que costuma aparecer em público, Doria subiu ao púlpito para anunciar sua desistência com voz serena e fala pausada. A saída da disputa presidencial estava com gosto de derrota.
João Doria começou dizendo que era um dia de respostas, mas também de perguntas. Exaltou a carreira política de seu pai, que teve mandato de deputado federal cassado com o golpe de 1964, e também listou o que o motivou a ingressar na vida política, reforçando sua participação no movimento "Diretas Já".
Com uma bandeira do Brasil como pano de fundo, Doria discursou por cerca de 10 minutos, acompanhando da mulher, Bia Doria, do presidente do PSDB, Bruno Araújo, e outros apoiadores, como o presidente do PSDB São Paulo e Ex-Secretário da gestão Doria, Marco Vinholi.
"Hoje, neste 23 de maio, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o bom senso, o diálogo e o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal. O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano" - João Doria
No discurso o ex-governador relembrou sua trajetória no partido e a vitórias nas três prévias em que participou: para prefeito, governador e presidente. Também fez menção ao ex-prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que foi seu vice, e minimizou os conflitos políticos gerados por sua ala no partido nos últimos anos. Doria disse estar com o "coração ferido", mas de "alma leve". "Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido e missão bem realizada", disse o tucano.
"Saio como entrei na política: repleto de ideias, com a alma cheia de esperança e o coração pulsante, confiante na força do povo brasileiro que tem fé na vida e em Deus" - João Doria
Já na parte final do pronunciamento agradeceu a equipe e nominalmente a família, sua esposa e filhos. Também recitou um verso de Cora Carolina, que diz ter "mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas".
"Seguirei como um observador sereno do meu país. Sempre à disposição de lutar a guerra para qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil" - João Doria
Ao encerrar sua fala, Doria ouviu as palmas dos presentes no pronunciamento, desceu do púlpito em que estava e se dirigiu até sua esposa. O político frio e estrategista, que não titubeou em nenhum momento durante o discurso, foi as lágrimas ao abraçar Bia Doria. Em seguida, olhou em direção ao público e cruzou os braços, como um abraço a distância.
Era o fim do melancólico anúncio de desistência de João Doria da corrida presidencial.
Próximos passos
O PSDB tinha uma reunião da Executiva Nacional do partido marcada para esta terça-feira (24) para definir quais seriam os rumos do partido a partir de agora, com a desistência oficial da candidatura de Doria. Mas ainda no início da noite desta segunda-feira (23), em comunicado oficial, o presidente do partido cancelou o evento.
Araújo remarcou uma "reunião ampliada" com participação das bancadas da Câmara e do Senado, para o dia 02 de junho, na sede do partido. De acordo com o comunicado, a pauta será o pleito eleitoral de 2022.
O PSDB deve oficializar seu apoio ao nome da senadora Simone Tebet, pré-candidata do MDB à Presidência, e que disputava com Doria a preferência da aliança MDB, PSDB e Cidadania, para ser o nome da "terceira via".
Em nota, pouco depois do anúncio de João Doria, Tebet disse que o tucano nunca foi um adversário, e que aguarda ideias dele na formação de um programa de governo. A candidata voltou a falar em união, e disse que é preciso "semear esperança".
"Vamos unir o país e tratar de sua reconstrução moral, institucional e política. O povo tem pressa e precisamos semear esperança" - Simone Tebet
Com os últimos acontecimentos, o PSDB demonstra dificuldades em mostrar união e segurança, e perde credibilidade para liderar a aliança de terceira via.