Por Bárbara Cristina More
Para muitos, a vida é simples: nascer, envelhecer, morrer. Envelhecer é a única maneira que se descobriu de viver muito e, para isso, é necessário dar a devida importância aos cuidados físicos e mentais ao longo da vida, pois o envelhecimento do corpo é natural e inevitável, mas o da alma necessita de permissão do dono. Como País subdesenvolvido e emergente, o Brasil enfrenta um processo de envelhecimento. O primeiro teste nacional do Censo Demográfico 2022 indicou que a população brasileira é constituída por 16,7% de idosos - dependendo da região, um em cada quatro habitantes possui acima de 60 anos de idade. Medidas precisam ser tomadas para que essa parcela em crescimento desfrute de uma boa qualidade de vida.
Reformas da Previdência Social não bastam quando o assunto é bem-estar. No ônibus, os assentos disponíveis não são suficientes; nos bancos, as filas ainda os colocam em situação complicada; nas lojas, apenas um caixa preferencial; em casa, muitos passam fome por não terem conseguido o benefício da aposentadoria. Porém, a situação fica ainda pior ao se analisar a questão da saúde mental. Para a sociedade, as pessoas possuem um prazo de validade e não podem sequer aproveitar as alegrias da vida após ultrapassarem a marca de 60 anos de idade. "Se você se aposentou, fique no aposento. Já trabalhou a vida inteira, agora fique em casa." É comum que 'os mais jovens', e principalmente os parentes, soltem palavras como estas como se elas não carregassem um enorme peso.
Por quê? Por que elas não podem vestir a melhor roupa, passar maquiagem, arrumar o cabelo e sair para dançar? Após uma vida inteira trabalhando, chegou a hora destas pessoas aproveitarem o tempo para curtir atividades de lazer. O corpo pode estar envelhecido, mas ainda vive uma menina dentro de cada uma das idosas. Se a jovem de 20 anos de idade pode, o que as impede de também calçar belos sapatos e arrastar os pés no salão de um baile? O Núcleo de Convivência de Idosos existe para provar que cabelos brancos não é sinônimo de inutilidade, como muitos ainda cometem o pecado de acreditar.
Denunciando ser necessária a implementação de um projeto de envelhecimento saudável, a unidade da Brasilândia é uma luz na vida da terceira idade residente da Zona Norte da capital de São Paulo. Ao longo do dia, o pequeno espaço é rapidamente preenchido por idosos, em sua maioria mulheres, que frequentam a casa voluntariamente, com a liberdade de exercer atividades que lhes agradam. Após terem dedicado uma vida inteira aos cuidados dos filhos e netos, chegou a hora delas cuidarem de si mesmas. Gerente da instituição, Elaine conta que muitas frequentadoras chegam depressivas e usam as atividades diárias como uma forma de terapia e tratamento preventivo de futuros problemas psicológicos.
A unidade está aberta desde 2008, tendo começado com um público pequeno de 30 a 60 idosos. Através da forte divulgação daqueles que frequentam o polo, o trabalho foi aumentando e hoje a casa recebe quase 300 pessoas. De segunda a sexta-feira, o que não faltam são atividades. No local, os idosos matriculados são divididos em grupos para tornar o trabalho da instituição mais eficiente e individualista. Cada um destes grupos participa de oficinas de sua escolha, que incluem artesanato, yoga, capoeira, exercício físico, dança de salão e muito mais. Além da ginástica e jogos, o Núcleo entende ser necessário levar conhecimento de diversas áreas.
O dia da instituição começa às 8h30min, quando as idosas chegam, tomam café da manhã e aguardam pelas primeiras atividades que vão das 9h00min às 11h00min. Em seguida, elas se dirigem às suas casas para almoçar e retornam ao núcleo às 13h30min, pois logo começarão novas oficinas das 14h00min às 16h00min. Além da grade semanal, a unidade oferece passeios de duas modalidades: cultural e de lazer. O primeiro conta com visitas a centros históricos, museus, teatros e locais artísticos; enquanto o segundo foca em programas como banho de piscina, visita à parques e piqueniques o horto florestal. Exceto o aluguel do prédio onde o polo está localizado, todos os gastos necessários para a sua sobrevivência são custeados através de um convênio com a Prefeitura de São Paulo.
Para completar, uma vez por semana, um voluntário faz um encontro cultural onde fala sobre a atualidades, como a guerra da Ucrânia. O professor de história Francisco se disponibiliza a trazer um contexto histórico, comentar os assuntos e tirar dúvidas das idosas, que muitas vezes não se sentem confortáveis de perguntar em casa ou não recebem a resposta adequada dos filhos. Curiosamente, os papéis de mãe e filho são invertidos na instituição, que realiza uma Reunião de Filhos para estes acompanharem o desenvolvimento das idosas matriculadas.
A grande maioria dos idosos chega de maneira voluntária, porém alguns são encaminhados pelo CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), o qual o núcleo presta contas. No ato da matrícula, o primeiro momento é de acolhimento, quando a pessoa interessada senta em uma sala reservada para contar sua história de vida, como conheceu a instituição, compartilhar seus gostos e desgostos e entregar uma relação de documentos. Terminada a parte burocrática, o auxiliar administrativo sai para entrar o trabalho da psicóloga e assistente social, que abordarão a questão emocional, social e financeira. Por fim, a pessoa começa a frequentar e permanece o tempo que o coração decidir, algumas chegam a frequentar a casa até morrer por ser o lugar que gostam de estar.
Elaine conta que a família é o principal parceiro no trabalho, pois cobram quando a mãe ou o pai não comparecem ao local. Graças às devolutivas do núcleo, eles até chegam a ficar surpresos quando percebem o que os pais são capazes de fazer. Na instituição, os idosos ganham a possibilidade de mostrar em casa que ainda tem uma vida útil. O sorriso, as risadas e o brilho no olhar daqueles que encontram felicidade e paz de espírito na instituição beneficente deveria ser motivo suficiente para que mais unidades sejam criadas em todos os bairros ao redor do Brasil. No entanto, a gerente fica emocionada ao pensar nas histórias de vida de cada uma das mulheres que frequenta o local e revela que muitas enfrentam uma situação de miséria.
Há casos em que as matriculadas não conseguem se aposentar e, sem renda, sobrevivem de um benefício da prefeitura chamado BPC (Beneficio de Prestação Continuada). No entanto, ele só é disponibilizado para pessoas acima de 65 anos de idade. A maioria das frequentadoras da instituição viveram sustentando sozinhas uma família inteira e até hoje entregam o pouco que ganham para cobrir os gastos da casa. Existem frequentadoras que levam o neto que estava sob seu cuidado porque não querem deixar de estar na casa. Com a pandemia, a situação se tornou ainda mais alarmante e a necessidade extrema. Algumas idosas passam fome ou sequer tem acesso a recursos básicos como cobertor e fralda geriátrica, sendo necessárias realizações de campanhas de arrecadação, pois as UBSs locais não são abastecidas. Elaine disparou ser difícil acreditar que a prefeitura se preocupe com a população da terceira idade, quando quem acompanha o dia-a-dia sabe que é mentira e está vendo ela envelhecer de forma precária. No desespero, há quem chegue bem cedo no núcleo apenas para garantir o café da manhã.
Com o intuito de aliviar as preocupações dos frequentadores e auxiliar em suas necessidades, o núcleo realiza um levantamento daqueles que precisam realizar o recadastramento bienal do NIS (Número de Inscrição Social), que garante benefícios que pode ser automaticamente cortados caso o procedimento não seja efetuado. Em outro âmbito de dificuldades enfrentadas pelos idosos em seu dia-a-dia, o núcleo atua com o PDU ( Plano de Desenvolvimento do Usuário) para atender aos acamados. Atualmente, há 87 indivíduos que se enquadram nesse perfil, os quais não necessariamente estão na cama, mas confinados em casa por algum motivo - sendo a grade maioria relacionado à saúde ou porque estão cuidando de alguém. Maria é casa com o Seu José, mas ele ficou doente e ela precisa deixar de frequentar a instituição para prestar assistência ao marido. Consequentemente, Seu José acabou falecendo e quem ficou acamada é a Dona Maria, porque ela foi cuidadora a vida inteira e não consegue voltar à vida ativa de convivência com o grupo.
O plano conta com duas profissionais, a assistente social e a psicóloga, que visitam semanalmente esses idosos. A visita não tem o objetivo de clinicar, mas informar que a equipe de profissionais está disponível para orientar e auxiliar no que for preciso - como conseguir uma cadeira de rodas, alimentação, beneficio ou marcar consultas médicas. No entanto, o Núcleo de Convivência de Idosos sozinho não consegue oferecer todos os serviços que a terceira idade precisa, mas realiza um trabalho espetacular de melhora na qualidade de vida. O indivíduo que se matricula com 60 anos de idade, facilmente chegará aos 90 se tiver qualidade de vida.
Na casa, é possível observar idosas com 89 anos de idade dançando fazendo capoeira, assim como pode-se encontrar aquela que chegou com 60 extremamente doente e depressiva, porque não teve ninguém que trabalhasse com ela as questões de um envelhecimento saudável.
Elaine lamenta o fato de os trabalhos preventivos não começarem mais cedo, antes de o indivíduo adentrar a terceira idade, para que haja uma maior garantia do envelhecimento saudável. O sonho da assistente social é ver mais polos espalhados em diversas regiões e que a população brasileira na totalidade passe a enxergar os idosos com novos olhos, dando a devida importância e investimento a projetos de assistência e reconhecendo que idade não é sinônimo de invalidez. Todos ganharão cabelos brancos um dia e é necessário olhar para o futuro.