Novas gerações da revolução digital modificam relação com trabalho e com a vida

Como as Gerações Z e Alpha estão redefinindo a interação social e a relação com a tecnologia na vida pessoal e profissional.
por
Brenda Martins
|
24/09/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Em meio as mesas de escritório um pai de família cansado de executar suas atividades inicia seu retorno para casa, passando por telões, propagandas e inumeráveis fontes de luz por cada uma das esquinas da cidade em que nasceu,. Certamente nada se parecia com a cidade de que se lembra de sua infância. Após um trajeto com tráfego lento, entra em seu condomínio pelo reconhecimento automático da placa do veículo, e em sua casa pelo reconhecimento de sua face pela câmera da sua porta, que da entrada a sua sala, possuindo um conjunto diverso de eletrônicos em sua sala: a TV smart que possibilita acesso a streamings, reguladores inteligentes de temperatura, robôs que limpam o chão automaticamente e eletrodomésticos que aceitam comandos diversos, por fim se depara com seu filho, que estava completamente entregue ao seu videogame, o que o faz pensar sobre como a tecnologia mudou a forma de viver, e como será a vida do seu filho de agora em diante. A realidade desse pai não é muito diferente de como se mostra a vida da população nas grandes cidades nos dias atuais.

À medida que o mundo se torna cada vez mais digital, as gerações mais jovens, Z e Alpha, já não conhecem a vida sem a tecnologia. Para elas, o mundo analógico é uma história contada pelos pais, uma realidade distante que soa quase fictícia em uma era onde tudo, desde brinquedos até o trabalho, é permeado por redes digitais, plataformas e dispositivos inteligentes. Para a Geração Z, nascida entre 1997 e 2010, e a Geração Alpha, nascida a partir de 2010, a tecnologia não é uma ferramenta acessória: é uma extensão natural de sua existência. Nessa nova era, é interessante observar como essas gerações lidam com questões de identidade, adaptação e transformação – não apenas tecnológica, mas social e psicológica.

A Geração Z, referida como “nativa digital” pelo educador Marc Prensky, é aquela que cresceu em um ambiente saturado de dispositivos e redes digitais. Desde brinquedos interativos na infância até o primeiro contato com smartphones e redes sociais na adolescência, esses jovens foram introduzidos a um mundo de interatividade quase instantânea. O “Z” que os identifica vem de “zap”, sugerindo rapidez, eficiência e um ritmo que exige respostas ágeis e experiências em tempo real. Eles aprendem e se adaptam rapidamente, valorizando a autonomia e explorando a comunicação e a informação sob novas perspectivas. Ao mesmo tempo, essa geração enfrenta desafios únicos e, muitas vezes, invisíveis. Vícios em redes sociais, padrões irreais de vida e beleza, além da pressão de se manter conectado e apresentar uma versão idealizada de si mesmo são preocupações que surgem naturalmente com o uso excessivo de plataformas digitais. Esse comportamento acaba criando um paradoxo: são jovens hiperconectados, mas que enfrentam problemas de saúde mental e emocional ligados à constante comparação e aprovação virtual.

Para a Geração Alpha, o cenário é ainda mais interessante. Estes são os primeiros verdadeiros “filhos” da era digital, aqueles que cresceram rodeados por smartphones, tablets, assistentes de voz e até eletrodomésticos inteligentes que reagem a comandos. O mundo digitalizado não é um ambiente que eles precisem “aprender”; é o mundo em que nasceram e onde, desde cedo, desenvolvem suas percepções e habilidades. Dado Schneider, professor e escritor sobre as novas gerações, aponta que o desenvolvimento dessas crianças é incrivelmente rápido. É comum que, com poucos anos de idade, já dominem o funcionamento de celulares e tablets, clicando, deslizando e explorando as possibilidades de maneira intuitiva. No entanto é necessário observar o que essa familiaridade implica: enquanto essas crianças crescem com uma capacidade notável de adaptação e aprendizado tecnológico, surgem questionamentos sobre os impactos dessa exposição contínua à tecnologia em aspectos como a capacidade de atenção, habilidades sociais e criatividade.

A educação, um dos pilares fundamentais para o crescimento de qualquer geração, enfrenta desafios profundos diante dessas transformações. Marc Prensky, além de cunhar o termo “nativos digitais”, também criou o conceito de “imigrantes digitais” – aqueles que, nascidos antes da era digital, precisam se adaptar a ela como quem aprende um novo idioma, com um “sotaque” que denuncia sua origem. Para Prensky, a educação do século XXI precisa reformular suas abordagens para acompanhar a mente dos nativos digitais. Métodos de ensino que considerem a curiosidade e a velocidade de aprendizado dessas gerações são essenciais. O sistema educacional enfrenta o desafio de se reinventar para ir além da memorização e promover a criatividade, a análise crítica e o uso consciente das ferramentas digitais. Nesse contexto, a tecnologia não deve ser um fim, mas um meio de potencializar as habilidades e o pensamento crítico dos jovens, sem deixar de lado as nuances emocionais e sociais que os definem.

A relação da Geração Z com o consumo também reflete essa cultura digitalizada. Eles são vorazes consumidores de inovação, tecnologia e de marcas que se alinham aos seus valores e ideais. Temas como sustentabilidade, diversidade e responsabilidade social ganham destaque, pois esses jovens estão atentos às práticas e discursos das empresas que apoiam. Mais que isso, eles esperam que suas experiências de consumo sejam práticas, rápidas e customizáveis – um reflexo direto do mundo digital e personalizado em que vivem. Para eles, a conveniência e a experiência fluida são quase uma exigência, o que desafia as empresas a se manterem sempre à frente, atualizadas e conscientes de suas necessidades e desejos. A mensagem é clara: transparência, agilidade e propósito são os valores que definem sua relação com o mundo ao seu redor.

No âmbito profissional, a entrada da Geração Z e a futura inserção da Geração Alpha no mercado de trabalho exigem uma nova mentalidade por parte das empresas. Jovens que cresceram com a tecnologia não são facilmente atraídos por processos burocráticos ou ambientes rígidos. Eles buscam ambientes colaborativos, flexíveis e dinâmicos, onde possam expressar suas ideias e contribuir para uma cultura de inovação. Segundo o IBGE, 48% da Geração Z já está ativa no mercado, e eles trazem consigo uma visão de mundo que desafia as normas tradicionais de trabalho. Mais do que nunca, é essencial que os líderes saibam ouvi-los, entendam suas motivações e promovam uma cultura organizacional aberta às mudanças tecnológicas e às novas perspectivas.

Esses impactos estão apenas começando com desdobramentos profundos da era digital na formação das novas gerações. Em um futuro não muito distante, a Geração Alpha estará ocupando espaços ainda mais significativos, e pode ser fascinante observar como seu contato com a tecnologia desde a infância moldará o modo de vida e de pensar. Talvez a maior lição seja justamente essa: mesmo aqueles que não são nativos digitais precisam, como imigrantes, aprender a língua tecnológica – ainda que com sotaque – para construir um mundo que permita às gerações futuras crescerem de forma equilibrada, onde a tecnologia seja não só uma ferramenta, mas uma ponte para uma existência mais rica e significativa.