Nova mpb, juventude independente: Reinventando o gênero para a nova geração

Em entrevista exclusiva Aquino fala sobre o circuito comercial da música, artistas da nova geração e como transformar a música em um espaço livre, afetuoso e de resistência, criado a partir do cotidiano o que se pode imaginar da MPB no século XXI
por
Manoella Macedo Marinho
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10/06/2025 - 12h

Em uma sociedade lugaro algoritmo dita o que será bom, viral; existem grupos de jovens como a banda carioca AQUINO que estão em uma contramão do imediatismo digital, construindo uma rota diversa e pessoal na música brasileira. Com um som que permeia entre indie, o pop e a herança da MPB, a banda se moderniza e apresenta um espelho da geração Z em um trabalho independente.

“A gente é indie pelo contexto e pop pela intenção, mas tem uma coisa de MPB também”, disseram, com uma sinceridade e relembrando que estão amadurecendo ideias, crescendo e mudando conforme o crescimento da banda, em um momento em que tudo é mutável. A dificuldade em definir o próprio estilo acaba refletindo uma geração que prefere atravessar fronteiras e se desafiar ao se fixar em rótulos. Em entrevista exclusiva afirmam, a sigla MPB acabou se tornando um “guarda-chuva de nada”, não por ser irrelevante, mas por ser muito vasto e abrangente, que contém uma variedade de vozes e estéticas que podem compor o panorama atual.

 

Arte política e o mainstream

A banda surgiu em meio a pandemia, em um cenário de incertezas e isolamento, tendo seu primeiro contato com os ouvintes na internet. “Era a única coisa que a gente tinha”, comentam. Entre mostrar ao público suas músicas, tentativas e esforços criativos de adaptação de uma carreira musical às plataformas digitais, a Aquino com o tempo se desfaz desse desejo de ser viral, conciliando a arte e sobrevivência. “Hoje é muito mais difícil”, admitem, ao falar sobre o desafio de se manter online e com criações artísticas, além do tempo que é diferente da época de início da banda, navegando pelas exigências do marketing digital. Afirmam que “A criação de conteúdo é algo que fica na cabeça de todo mundo que tem banda, mas não nasceu pra ser blogueiro”, como se fosse algo indiretamente imposto na atualidade.

Apesar de tudo, refletem sobre a lógica de viralização: “Nem sempre o que viraliza é bom”, pois em vivências chegam em um lugar que muitas vezes fazem um conteúdo elaborado e pensado,e não viralizam mas ao serem filmados na rua conseguem milhares de views. “Buscamos encontrar um meio termo, de fazer o que a gente ama de forma acessível, de maneira que seja popular, mas que tenha também nossa verdade artística”. Para eles, fazer música é quase como um ato religioso: onde se tem dedicação, foco em algo que é incerto, onde o pagamento real vem da sensação, do momento do show, da composição e da partilha, onde o lucro é apenas um fruto.

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Diálogo com a juventude: De geração z para geração z

A relação descrita pela banda, do público da geração atual é “sempre muito quente!”. Aquino reconhece que cresceu com a maioria dessas pessoas, “Pessoas que eram novas agora tão com a nossa idade”, observam, reforçando a ideia desse vínculo geracional. Um grupo que não está na busca de apenas entretenimento, mas de algo que fale diretamente com suas experiências, mesmo que de maneira indireta.

“Todo posicionamento é político”, diz um dos integrantes ao entrar no tópico de arte política e o ato de se manifestar politicamente através das músicas. Refletindo sobre o papel social da arte, eles defendem que o acolhimento, a maneira de se comunicar e o tipo de espaço que constroem com o público já são formas de ativismo. “Além de toda arte ser uma expressão política, acho que só do espaço ser um lugar que as pessoas se sintam confortáveis de estar, já estamos fazendo política”.

Banda Aquino em show

Fotos: Manoella Marinho em @ephemeral.jpg

 

Reinventar a Música Popular Brasileira no séc. XXI

O que seria verdadeiramente produzir MPB na contemporaneidade? Para Aquino, é preciso abrir mão de certos padrões já estabelecidos, até porque vem muito dessa história de revolução artística. “Acho que daqui pra frente é deixar o velho de lado- num sentido não generalista da coisa”, brincam, sugerindo uma ruptura saudável com o cânone, falando do que cabe ou não dentro da atualidade; o que se pode usufruir do passado e o que deve se renovar, para encaixar no atual, para haver uma identificação e impacto tão grande quanto o da ‘velha guarda’. A nova MPB não ignora o passado, mas também não se limita a ele. “No início a gente só ouvia Caetano e Los Hermanos, sonhávamos em ser O Terno, mas começamos a entender que não era isso, então mudamos”.

Testando coisas diferentes e sempre tentando inovar o som brasileiro, as influências continuam vastas e misturadas com a individualidade da banda - de Marcos Valle e Hyldon até Bjorl- , mas dessa vez mais filtradas por uma vivência própria. Há também, a valorização das amizades: “Nossos amigos, muitos deles, são nossas referências. Não só musicais, mas de vida, até mesmo estética e composição”.

 

Sentimentos de época: crise existencial e atemporalidade da arte

A banda carrega um forte sentimento de época. “Não temos noção de quanto o tempo passa rápido”, dizem. Ainda assim, se preocupam com a atemporalidade e o marco musical. “Está tudo certo não ser. Até porque depois o tempo volta, é cíclico”. Nessa visão, chegam a conclusão que talvez Aquino possa fazer mais sentido daqui a 30 anos do que faz agora.

Essa noção do ser cíclico e do tempo, também se traduz em uma crítica a efemeridade do digital. “Um dia, com a internet, as coisas não são nossas. Eu só aluguei um espaço lá. Tudo vai sumir. Nada é físico”, um dos membros afirma. Uma reflexão um tanto quanto realista, sobre o modo como se consome cultura nos dias atuais, onde nada mais é concreto, físico, em um mundo que não se sabe onde tudo vai estar em alguns anos, se será possível ter acesso a o que já foi criado.

 

O legado artístico

Há sempre um questionamento do artista em questão a atemporalidade de sua arte, e com eles não foi diferente: “Se as pessoas sentirem vontade de fazer música ouvindo a banda daqui alguns anos ou até mesmo agora, eu já estou feliz” diz um dos membros. Para Aquino, e sua geração artística, arte boa é arte socializada, que faz sentido em rede, na troca.

 

Num mundo e em um país de tantas urgências, a banda não oferece respostas diretas e fáceis- e talvez nem seja necessário. Convidando a uma reflexão do ser, eles lembram que fazer música ainda pode ser um gesto de resistência, de afeto e de reinvenções mesmo que de forma indireta. Em suas composições, há espaço para o lirismo e vai até ‘pássaros mecânicos no céu de salvador’; para a crítica e transformação, de algo que se espelha no velho com o foco no novo, na diferença e no impacto que, mesmo diferente, tenha o mesmo significado de mudança. O que insiste em permanecer mesmo que transformado.

A MPB ainda está presente e com força no século XXI, com um novo rosto, pautas novas, sendo jovem, independente e plural. E Aquino segue com expressões cada vez mais diferenciadas, diversas e potentes.

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