Nossas reivindicações também devem ser SUAS

A 27ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo chama atenção à falha das políticas sociais
por
João Curi
Nanda Querne
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15/06/2023 - 12h
Homem vendendo bandeiras e copos arco-íris na avenida Paulista.
Comerciante vendendo bandeiras e copos temáticos durante o evento. (Foto: Bruna Alves)

“Olha a bandeira! Bandeiras, copos, leques, quem vai querer?”, ofereciam os comerciantes, já nas escadas da estação Trianon-Masp. Subia todo tipo de pessoa por aqueles degraus. Todas as letras, tamanhos, cores. Havia amor declarado nas ruas, nos trens, nas escadas, nos beijos, nos abraços, nos sorrisos, nas mãos entrelaçadas. Hoje o medo estava de folga.

Fazia calor. Adentrando a muvuca em pleno meio-dia, o clima esquentava numa ambiguidade libertadora. Muito calor. Desses de enxergar a rua e buscar uma sombrinha para refrescar, de recolher o suor no tecido da roupa, de esvaziar a garrafinha d’água. A sede era cantada. Queriam mais do que garrafas de meio litro, queriam a chuva.

Queremos políticas sociais para LGBT+ por inteiro e não pela metade”. Esse foi o tema da 27ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, que ocorreu neste domingo, dia 11 de junho. Desde 1997, é tradição ocupar a avenida Paulista em nome da comunidade que sobrevive àqueles que não a enxergam. Apesar dos avanços, comparando com décadas anteriores, o arco-íris ainda sangra debaixo do sol.

O ativismo reverbera as vozes que, aos milhares, milhões, não podem ser ignoradas. “Precisamos legitimar nossa luta e fazer com que o nosso país atenda e entenda as especificidades dessa parcela da população brasileira”, demarca o manifesto da Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (APOLGBT-SP).

Estandarte com a frase “Crianças Trans existem”.
Estandarte com a inscrição "CRIANÇAS TRANS EXISTEM", em marcha na Parada. (Foto: Bruna Alves)

Já existe uma solução para muitos dos problemas apontados pelas manifestações, mas os passos ainda são lentos, burocráticos, cansativos. Chega a doer a garganta de tanto gritar para reivindicar e ainda ter que repetir. Se é necessário ao povo lembrar o governo que seus direitos não existem na prática, quem está sendo governado? Para quem são redigidas e aprovadas as leis? Por que estamos de fora?

“Quem mandou matar Marielle?” é mais uma pergunta sem resposta, das várias que o ativismo LGBTQIA+ vocifera com rouquidão. Em meio à marcha dos quase vinte trios elétricos em circulação, quatro prestavam homenagens individuais e comunitárias aos principais grupos da sigla LGBT+: Trios Lésbicas, Gay, Bissexual e Trans.

No Trio Lésbicas, inclusive, destacaram-se as homenagens às cantoras Cássia Eller e Gal Costa, às personalidades políticas Marielle Franco e Lurdinha Rodrigues, e à antropóloga e ativista Rosely Roth (formada na PUC-SP).

Além dos tributos a personalidades marcantes da causa, o evento marcou a estreia do trio dedicado ao movimento de combate à Aids/HIV, com uma homenagem ao professor e ativista argentino Jorge Beloqui. Ainda, antes tarde do que nunca, a Secretaria da Pessoa com Deficiência da Cidade de São Paulo, em parceria com a APOLGBT-SP, promoveu a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida e cadeirantes acompanharem a Parada através de cordeamento e estruturas especiais.

Embora a marcha fosse colorida e preenchida de celebrações, os gritos políticos continuam sendo o verdadeiro asfalto da Parada. Esta edição trouxe à tona o alívio de se despedir dos fantasmas que assombravam a comunidade nos últimos anos. O governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, representou uma ameaça aos direitos de pessoas LGBTQIA+ e demarcou um retrocesso nos avanços sociais deste grupo que já sobrevive sob condições discriminatórias.

Marcha de manifestantes mulheres, hasteando bandeiras e símbolos das causas trans e lésbicas.
Mulheres em marcha, com bandeiras e adereços símbolos da causa LGBTQIA+, na avenida Paulista. (Foto: Bruna Alves)

Não à toa, a Parada deste ano chama atenção às políticas públicas e assistência social que ainda não incluem “todas as famílias LGBT+ e as vítimas da LGBTfobia”, segundo declara a APOLGBT-SP em seu manifesto. Dentre as principais pautas, a associação denuncia que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), presente em todo o país, apresenta fragilidades em seus serviços, benefícios e programas “disfarçadamente direcionados às famílias e indivíduos cisgêneros e heterossexuais”. Dentro disso, sugere-se um “modelo de gestão participativa, onde o SUAS articule esforços e recursos dos municípios, estados e união para a execução e o financiamento de políticas nacionais de assistência social LGBT+”, reforça o documento.

Durante coletiva de imprensa, no início deste mês, o vice-presidente da APOLGBT-SP, Renato Viterbo, revelou que o principal objetivo desta edição da Parada é “fazer com que todos, todas e todes possam ter o conhecimento que existe o SUAS, que pesquisem sobre o sistema e que busquem seus direitos”.

Mais do que apontar os problemas, o movimento busca gerar respostas e soluções à grave situação social da população LGBTQIA+ de baixa renda, em insegurança alimentar e em situação de rua. De acordo com dados da Pesquisa do Orgulho, conduzida pelo Datafolha, pelo menos 58% do grupo que se identifica como LGBTQIA+ afirma que tiveram que se adaptar ao mercado informal e 40% sentem-se rejeitados pelo mercado de trabalho.

“Eu durmo e acordo uma mulher transexual, milito desde que saio de casa sem saber se voltarei viva”, declara a coordenadora municipal de Diversidade, Leonora Áquilla, durante a coletiva. “Precisamos trabalhar de maneira muito intensa a empregabilidade e durante o ano inteiro. A mídia quer noticiar uma mulher trans na política com possibilidade de subir de cargo ou apenas pessoas trans mortas?”.