A Câmara dos Deputados elegeu 19 presidentes para as 30 comissões permanentes, em sessão realizada em Brasília, na última quarta-feira (6). Um dos resultados que mais chamou a atenção foi a escolha do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) como presidente da Comissão de Educação. Ele recebeu 22 votos favoráveis de um total de 37, com 15 votos em branco, e irá presidir uma das Comissões mais importantes da Câmara por um ano, substituindo o deputado Moses Rodrigues (União-CE).
As Comissões
As Comissões Permanentes da Câmara são constituídas por deputados para discutir e avaliar projetos de lei referentes a cada tema, além de fiscalizar e acompanhar as ações administrativas. O objetivo das Comissões Permanentes é garantir o rápido trâmite das propostas de lei e assegurar que elas sejam compatíveis com a Constituição Federal e com as legislações locais, trazendo também qualidade ao processo legislativo.
Antes das propostas irem para o Plenário, cada comissão envia um parecer sobre elas, mas, em alguns casos, ela é avaliada e quem constitui a comissão decide se será aprovada ou rejeitada, sem necessidade de encaminhar ao Plenário da Casa.
Os líderes dos partidos políticos indicam os membros que possuem representação nas Casas Legislativas, mantendo um equilíbrio em cada comissão. Estar na presidência das comissões é importante, pois o presidente irá pautar as propostas que serão avaliadas.
Comissão da Educação
A Comissão de Educação (CE) é uma das mais importantes da Casa. O objetivo é atribuir pautas sobre assuntos importantes relacionados à educação num contexto geral, falar sobre a política e o sistema educacional, os aspectos funcionais, legais e estruturais, além de tratar sobre o direito à educação e os recursos, tanto financeiro quanto humano, no setor.
Em 2023, a CE aprovou projetos que garantem equipamentos para a educação digital nas escolas públicas e a instalação de laboratórios de informática, matemática e ciência nas instituições de ensino. Além disso, foi aprovada a proposta de lei que estimula professores da educação básica a se especializarem ou tornarem-se mestres e doutores. Segundo o projeto, as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) devem ofertar pelo menos 20% das vagas em cursos de pós-graduação para esse grupo.
Nikolas, que foi eleito em 2022 com o maior número de votos do país, é ligado a pautas conservadoras e já esteve envolvido em acusações de transfobia, apoio a discursos golpistas e muitos outros episódios polêmicos. Agora, tem o dever de atuar em uma área em que não tem familiaridade desde que assumiu seu mandato.
Opiniões divergentes
Houve muitas manifestações referentes à indicação de Nikolas para a presidência da Comissão.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) alegou ser inconcebível ele ocupar esse cargo. “Ele é réu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em função de um vídeo que ele gravou de uma estudante de 14 anos que estava utilizando o banheiro.[...] Ele atentou aos direitos de uma criança, inclusive, ferindo o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”.
Fernanda Melchionna, deputada pelo PSOL-RS, fortaleceu os argumentos de sua colega contra a decisão, relembrando que Nikolas foi condenado em primeira e segunda instância por transfobia e finaliza: “é grave que a Comissão da Educação, que trata de tantos temas importantes, esteja presidida pelas trevas”.
O deputado Marco Feliciano (PL-SP) defendeu seu colega de partido, afirmando que Nikolas não é inimigo da educação como disseram, mas “inimigo da esquerda, do mimimi e daqueles que querem a legalização das drogas”.
Também apoiando o atual presidente da Comissão, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) enfatiza que o PT (Partido dos Trabalhadores) teve a oportunidade de indicar um membro para o colegiado da Educação, porém, optou por representar a Comissão da Saúde. “Eu tenho certeza de que o deputado Nikolas, o nosso indicado do partido, vai ter diálogo com todos, vai respeitar o governo, vai respeitar o Partido dos Trabalhadores, e a pauta será consensual, até porque senão a comissão não andaria.”, concluiu.
Diversos sindicatos que atuam pelos interesses de docentes de vários estados brasileiros como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro repudiaram a eleição do deputado mineiro. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) publicou uma nota de repúdio, afirmando que a educação, sendo um tema prioritário para o Brasil, não pode ter no comando um deputado que defende pautas extremistas e misóginas. “Compete ao presidente de uma Comissão dessa magnitude pautar e debater as grandes e inadiáveis questões de nosso, já há muito debilitado e preterido, sistema educativo, do fundamental ao superior. O eleito, neste caso, além de desconhecer nossos desafios educacionais, faz deboche e agride o bom senso de quem tem compromisso com a educação”, diz a publicação.
A Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), que é composta por deputados federais e senadores e atua defendendo a qualificação do ensino público aos cidadãos brasileiros, promovendo debates de políticas públicas nacionais e legislações em conjunto com órgãos públicos e representantes da sociedade, também demonstrou preocupação com a eleição de Nikolas Ferreira para o cargo.
De acordo com o comunicado divulgado, “o parlamentar não tem atuação na área ou profundidade para conduzir os trabalhos em um tema que é central para o desenvolvimento do País.” A FPME acrescenta que o ano de 2024 será importante na educação, pois matérias como o Novo Ensino Médio serão debatidas e o presidente da Comissão deve ser comprometido com a urgência e a seriedade dos temas. A Frente Parlamentar finaliza a mensagem ressaltando seu compromisso com a educação de qualidade para todos: “o momento exige um diálogo construtivo e ações afetivas que estejam alinhadas com as necessidades reais do País.”
Os planos do novo presidente
Logo após ser empossado na presidência da CE, Nikolas Ferreira anunciou algumas pautas que pretende priorizar em seu mandato. O deputado falará sobre o homeschooling, termo em inglês para ensino domiciliar, e o Plano Nacional da Educação. Ele também citou que irá fiscalizar a educação no governo atual, tratará da violência nas escolas e que serão realizadas audiências públicas, contando com a presença da sociedade. “Nós vamos fazer uma comissão bastante plural no debate de ideias e pensamentos, acredito que seja muito importante”, finaliza.
Crise na pauta educacional
O cientista político e professor no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Rafael Cortez entende que, no momento, o tema “educação” talvez seja o que mais separa governo e oposição. “O debate sobre questões educacionais ganhou um certo cunho moralista e se conecta com outros pontos que intervieram para a direita criticar a esquerda, a partir das emergências do bolsonarismo”. Para ele, a educação como política pública não diz respeito somente ao aperfeiçoamento do ensino público brasileiro ou a caminhos para subir nos rankings de avaliação, mas ganhou espaço nos debates públicos referentes a essas questões “por ser uma caixa de ressonâncias dessas diferenças de abordagem no campo moral, que ficaram mais fortes ao longo do governo Bolsonaro.”
O professor comenta que a tendência é ter conflitos mais abrangentes entre governo e oposição na Comissão, já que o deputado Nikolas Ferreira, um dos grandes representantes do bolsonarismo, irá presidi-la. É plausível considerar também que o Partido Liberal (PL) tenha indicado o mineiro justamente por ele ter o histórico em enfrentar as pautas da oposição. “Me parece ser uma forma de aumentar a visibilidade pública dos acontecimentos da Comissão. [...] Pode estar presente a estratégia do partido em colocá-lo na presidência da Comissão e eventualmente prepará-lo para voos eleitorais em 2026”, destaca.
Com as opiniões contrárias à eleição do deputado, Rafael acredita que Nikolas deverá se adaptar a essa pressão, dependendo também de quem irá compor o colegiado, para entender até onde os conflitos podem ser mais tumultuados. “Olhando o ponto de vista dos movimentos sociais, das organizações de interesse, a tendência é um cenário bastante conflituoso ao longo de 2024”, finaliza o cientista político.