Niger; O colonialismo tóxico

O rompimento com o sistema colonialista expõe a dura realidade ambiental que sustenta os belos aquecedores franceses
por
Pedro Bairon Sant' Anna Perez
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03/10/2023 - 12h

O Níger, (país que se localiza na África Saariana) passou por um golpe de estado. O presidente Mohamed Bazoum foi deposto pelo próprio exército nacional, que com sua queda instituiu Abdourahmane Tiani como novo líder da Nação.

            O antigo presidente Mohamed Bazoum era um forte aliado do ocidente na luta contra os grupos extremistas islâmicos, e em muitos negócios envolvendo exportação de matéria prima, como por exemplo o urânio. O Níger é o quarto maior produtor de urânio do mundo, e o maior do continente africano, sendo assim nos últimos anos o país formou sua economia com base em exportação deste produto, principalmente para sua ex-colonizadora, a França.

            No entanto, a recente troca de regime foi vista com maus olhos pela parte ocidental da comunidade internacional, tendo em vista a aproximação de países como China e Rússia do continente africano. O receio ocidental se concretizou, pois, o regime vigente demonstrou uma forte aproximação com Rússia e China, e com esse novo laço criado, algumas coisas mudaram nas políticas de importação e exportação do Níger.

            O país decidiu que não iria mais exportar urânio para a França, que por não ser autossuficiente no quesito da matéria prima, precisa do urânio nigerense para se aquecer durante o rigoroso inverno francês, como disse o bacharel em Geografia Tiago Fuoco: “A França talvez seja o país mais dependente do urânio do Níger, e essa dependência é um grande problema para Paris, principalmente com o inverno chegando na Europa”. O Níger tomou essa medida drástica por conta dos interesses em fortalecer sua indústria, mas também como uma resposta às sanções francesas impostas à Rússia por conta da recente guerra contra à Ucrânia.

            Agora que os aquecedores franceses estão em jogo, muitos olham para essa situação através de uma óptica diplomática. Porém a maneira em que o urânio é extraído no Níger engloba problemas extremamente complexos, talvez até mais que o jogo de xadrez do tabuleiro geopolítico contemporâneo. Nos últimos 40 anos, apenas na mina de Cominak em Akouta, foram extraídas mais de 75 mil toneladas de urânio, ou seja, no mínimo são extraídas por ano 1.875 toneladas apenas nessa mina

Mina de cominak
Mina De Cominak

              O urânio é retirado diretamente do solo, então uma solução ácida é adicionada para separar o minério do urânio, esse processo traz como resultado um líquido apelidado de “licor de urânio”, que depois de decantado e filtrado converte-se em um concentrado, o “yellowcake” que consiste no urânio em formato de pasta, como é comercializado. 

Yellowcake
Yellowcake

             Esse processo que parece simples e inofensivo é na verdade extremamente nocivo tanto à saúde humana, quanto a todos os ecossistemas. O procedimento de extração do urânio é considerado perigoso até mesmo em países desenvolvidos que o realizam com toda a segurança e dezenas de protocolos, como por exemplo no Canadá, como disse o bacharel em química, Vítor Fernandes: O urânio tem um poder destrutivo que não pode ser subestimado, pois além da forte radioatividade, se espalha com uma facilidade insana”. No entanto, quando consideramos esse tipo de extração em países subdesenvolvidos, e sem as condições de segurança de trabalho necessárias aos trabalhadores e ao meio ambiente, o resultado é catastrófico.

O urânio por si só é extremamente radioativo, e a radiação além de justificar sua periculosidade em si mesma, também se espalha pelo solo, pelo ar, e pela água. Ou seja, acaba destruindo três ecossistemas diferentes, sem mencionar os notáveis danos aos nigerenses que habitam regiões próximas a essas minas, fazendo com que a extração de urânio não tenha sua periculosidade reduzida aos trabalhadores, mas também a todas as pessoas que cercam os pontos de extração de urânio.

Além de todos os problemas ambientais que implica a extração do urânio, uma parte ínfima do dinheiro arrecadado com a exploração é revertida a população (tendo em vista que o Niger lucra quantias exorbitantes de dinheiro com a exploração de urânio, porém devido a subnotificação não existem meios de saber ao certo o tamanho do problema) , que sob essas circunstâncias acaba se envenenando por migalhas, como explica a charge do artista francês Damien Glez.

Charge

Tradução da charge: Você prefere ficar rico, porém envenenado. Ou pobre com saúde‽ Pergunta o francês 

O urânio que é rico, não eu. Responde o Nigerense.