Neoliberalismo seguirá dominante, dizem economistas

por
Beatriz Leite
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21/05/2020 - 12h

 

Mesmo gerando uma doença, o surto mundial do coronavírus impôs um cenário que extrapola em muito a discussão médica. Isolamento social, lockdown, paralisação de indústrias, afastamento de funcionários, demissões e suspensão de contratos de trabalho têm convocado a sociedade civil, o Estado e o setor privado para lidar com a sobrevivência no mundo em crise.

A necessidade de adoção de políticas públicas para ajudar até mesmo o setor privado tem levantado a questão: será que a pandemia está mostrando que o neoliberalismo está obsoleto? Até nos Estados Unidos, país com forte política liberal, o governo liberou cerca de US$ 2 trilhões  para conter os impactos da crise. Para o economista e professor da pós-graduação da PUC-SP Ladislau Dowbor, “os governos liberais estão descobrindo que, sem o Estado, as coisas simplesmente não funcionam”.

No Brasil, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o país vem sendo guiado por medidas de austeridade e viés mais liberal, como  a reforma trabalhista e os cortes em educação, cultura, saúde e outros setores sociais. Agora, para conter os impactos  da crise, o governo federal liberou R$ 147,3 bilhões  para a proteção dos mais vulneráveis e para a manutenção dos empregos.

“Na América Latina, o projeto neoliberal foi muito ferrenho. No Brasil, nos últimos três anos, a política neoliberal avançou em larga medida. O grande teste que a gente está vivendo aqui está acontecendo agora”, diz a doutora em economia política e professora da PUC-SP Camila Kimie Ugino.

O professor de economia  Claudemir Galvani, também da PUC-SP, pondera que o neoliberalismo pode sair dessa crise enfraquecido, mas não derrotado. “Isso quer dizer que, assim que ele tiver uma oportunidade, vai colocar os tentáculos para fora”, avalia. 

Mas o professor acredita também que a sociedade será mais sábia após a crise e que vai depender dela, da imprensa e das lideranças globais aproveitarem o enfraquecimento do sistema e fazer pressão para a adoção de políticas econômicas mais keynesianas, ou seja, com uma participação maior do Estado. “Além só do autointeresse, [é preciso] ter também o respeito à sociedade”, afirma Galvani.

Ele argumenta que distribuição de renda e medidas voltadas para os  mais vulneráveis são algumas das ações que podem ser exigidas. “Na pior das hipóteses, é só esperar o momento adequado e o neoliberalismo volta outra vez ao que a gente conhece”, completa o professor.

Já Ugino é mais pessimista. A economista comenta que o Fed (Banco Central dos Estados Unidos) anunciou que irá imprimir dinheiro infinitamente para conter os danos da crise e emprestar para trabalhadores e empresas. 

“Na crise de 2008, isso funcionou. A dinâmica financeira salvou. Havia espaço para a absorção desses títulos, desse dinheiro. Hoje, o mundo já está inundado disso. Se não houver política econômica que garanta consumo, que garanta empregos, o mundo vira uma panela de pressão. O que adianta dinheiro se eu não tenho que comprar? Esse dinheiro está nas mãos de quem? O ganho financeiro é possível, mas não é pra todos”, afirma. 

De acordo com Ugino, outro ponto a ser considerado é a forma como a sociedade parou de discutir as possibilidades reais de os governos desenvolverem políticas públicas para ajudar pequenas e médias empresas e  manter os empregos. “Isso é impressionante. Nem o risco iminente de que podemos morrer nos leva a discutir esse tipo de coisa.”

A professora acredita também que esta política do Fed poderia sinalizar que o neoliberalismo está em risco, mas ele não é apenas um sistema econômico, é uma ideologia. “Essa ideia de que flexibilizar trabalho é bom, não prestar contas para o meu chefe, não ter horário a ser cumprido... É a lógica da uberização”, afirma.

Camila diz ainda que essa forma de pensar faz com que os indivíduos deixem de se enxergar apenas como trabalhadores e passem a se enxergar como capital, reproduzindo discursos como: “meu sucesso depende exclusivamente de mim”. Por isso, a economista acha que a crise não afetará o sistema econômico, pois ele é mais do que isso:  é um discurso que foi aceito.

Imagem da capa: “Occupy Wall Street” | Talk Radio News Service | Sob a licença CC BY-NC-SA 2.0 - Creative Commons. Link: https://www.flickr.com/photos/10438873@N04/6230946175