“Esse ano a Terra Indígena Yanomami completa 30 anos e não temos histórias bonitas para contar”, é como Júnior, representante da comunidade, recorda o passado insistente de dor e luta. A violência contra os povos originários remonta raízes históricas, mas, o legado de resistência permitiu relativa autonomia Yanomami até o final do século XIX, quando mantinham contato apenas com grupos vizinhos. Com o projeto desenvolvimentista do governo militar e a construção da Rodovia Perimetral Norte, o horizonte começou a se degradar: a descoberta das jazidas minerais da região levou ganância à Terra-Floresta, manchando com sangue indígena o ouro minerado e comprovando que nem tudo que brilha é relíquia nem joia.
Constitucionalmente, o garimpo não pode acontecer em Terras Indígenas. No entanto, aproximadamente 20 mil garimpeiros ilegais se concentram no território Yanomami. A população nômade, conta com cerca de 10 mil habitantes a mais que o número de garimpeiros, e é obrigada a confrontar seu oponente e enraizar-se para reivindicar seu próprio solo agora deteriorado. Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, organização atuante na proteção de direitos humanos, aponta: “Dentro dessa coexistência existe muita dor, violência, mortes e prejuízos.”
Nesta perspectiva, o dinheiro é o motor das injúrias. As mineradoras instalam, dentro das clareiras - área desmatada da floresta -, suas redes criminosas. Com financiamentos e logísticas externas, esquematizam o processo de ilegalidade e convertem a riqueza do minério em genocídio. Júnior Yanomami, vivenciou de perto a estrutura facínora que movimenta o mercado dos minérios provenientes da região: ‘’O maquinário desmontado chega através de helicópteros. Ano passado, a Polícia apreendeu mais de 80 helicópteros Executivos vindos do Rio de Janeiro.’’
Gabriel Chaim, fotojornalista que acompanhou a comunidade Yanomami durante operações da Polícia Federal contra as ilegalidades cometidas na região exemplifica a estrutura: “no rio Uraricoera – cujos afluentes abastecem a população local -, há uma balsa apelidada pelos garimpeiros de ‘Balsa do Milhão’. Ela fica extraindo ouro 24 horas por dia, e custa um milhão de reais para colocar essa balsa no rio para funcionar. A Polícia destrói essas balsas e eles colocam mais 10.” O uso de aeronaves, a construção de pistas de pouso, a compra de utensílios para o minério, a contratação de garimpeiros, entre outros gastos, revela o alto investimento. Mas nada disso parece intimidar os criminosos, que têm consciência da impunidade. Segundo Chaim, os garimpeiros sabem que quando uma operação acaba, dificilmente acontecerá outra.
As dragas alimentam o mercado minerador encontrando respaldo no padrão de consumo e na dificuldade de fiscalização que engrena as vendas. Para quem compra, ouro e cassiterita são artigos de luxo e de aproveitamento industrial. Enquanto, a realidade é que o brilho dos minérios é polido pela ruína amazônica. Para dar liga ao projeto, o governo federal, esfacela os órgãos de proteção indígena, escolhe dirigentes ideologicamente próximos de interesses ruralistas, investe na desterritorialização dos povos originários e professa sua omissão: “interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore. É no minério.”
, exclamou o presidente.
As redes de ilegalidade, armadas com seus maquinários e estruturadas pelo dinheiro injetado, aproveitam o contexto e se engajam em discursos como os do presidente Jair Bolsonaro para continuar na impunidade. Misturam o ouro ilegal à ouro legalizado, dificultam o rastreio e logram dos incentivos que o governo atual tenta passar na Câmara, como a PL 191/2020, que prevê a exploração de minérios em terras indígenas.
Hoje, as bateias concentram a tragédia social e ambiental arquitetadas por interesses financeiros. As pretensões econômicas, levaram à decomposição das cadeias naturais dos Yanomamis. Os rios estão contaminados por mercúrio. A caça, prejudicada pela devastação. São inúmeras as denúncias de estupro. Os interesses financeiros na região crescem como o número de mortes. O consumo de minérios continua por omissão e desconhecimento. Os órgãos de proteção indígena estão em processo de desmonte. E o saque é incentivado pelo governo que classifica indígenas como “pobres em terras ricas”.
Vida e morte, Amazônia.
Nasce nas profundezas do rio, sobe as esteiras rolantes nas clareiras abertas em meio a floresta, e voa até o dedo de alguém, durante as juras de amor eterno.
Por de trás desse ouro, tem muito sangue de indígena morto pela ganância humana.
– Gabriel Chaim