Nem tudo que brilha é relíquia nem joia

As facetas genocidas que transformam a riqueza de minérios da Terra-Floresta Yanomami em morte e devastação
por
Luana Barros Galeno
Tatiane Dossena
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12/09/2022 - 12h
Júnior Yanomami em entrevista na abertura da exposição de Gabriel Chaim. Foto por Tatiane Dossena
Júnior Yanomami em entrevista na abertura da exposição de Gabriel Chaim. Foto por Tatiane Dossena

 “Esse ano a Terra Indígena Yanomami completa 30 anos e não temos histórias bonitas para contar”, é como Júnior, representante da comunidade, recorda o passado insistente de dor e luta. A violência contra os povos originários remonta raízes históricas, mas, o legado de resistência permitiu relativa autonomia Yanomami até o final do século XIX, quando mantinham contato apenas com grupos vizinhos. Com o projeto desenvolvimentista do governo militar e a construção da Rodovia Perimetral Norte, o horizonte começou a se degradar: a descoberta das jazidas minerais da região levou ganância à Terra-Floresta, manchando com sangue indígena o ouro minerado e comprovando que nem tudo que brilha é relíquia nem joia. 

Constitucionalmente, o garimpo não pode acontecer em Terras Indígenas. No entanto, aproximadamente 20 mil garimpeiros ilegais se concentram no território Yanomami. A população nômade, conta com cerca de 10 mil habitantes a mais que o número de garimpeiros, e é obrigada a confrontar seu oponente e enraizar-se para reivindicar seu próprio solo agora deteriorado. Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, organização atuante na proteção de direitos humanos, aponta: “Dentro dessa coexistência existe muita dor, violência, mortes e prejuízos.”

Nesta perspectiva, o dinheiro é o motor das injúrias. As mineradoras instalam, dentro das clareiras - área desmatada da floresta -, suas redes criminosas. Com financiamentos e logísticas externas, esquematizam o processo de ilegalidade e convertem a riqueza do minério em genocídio. Júnior Yanomami, vivenciou de perto a estrutura facínora que movimenta o mercado dos minérios provenientes da região: ‘’O maquinário desmontado chega através de helicópteros. Ano passado, a Polícia apreendeu mais de 80 helicópteros Executivos vindos do Rio de Janeiro.’’  

Gabriel Chaim, fotojornalista que acompanhou a comunidade Yanomami durante operações da Polícia Federal contra as ilegalidades cometidas na região exemplifica a estrutura: “no rio Uraricoera – cujos afluentes abastecem a população local -, há uma balsa apelidada pelos garimpeiros de ‘Balsa do Milhão’. Ela fica extraindo ouro 24 horas por dia, e custa um milhão de reais para colocar essa balsa no rio para funcionar. A Polícia destrói essas balsas e eles colocam mais 10.” O uso de aeronaves, a construção de pistas de pouso, a compra de utensílios para o minério, a contratação de garimpeiros, entre outros gastos, revela o alto investimento.  Mas nada disso parece intimidar os criminosos, que têm consciência da impunidade. Segundo Chaim, os garimpeiros sabem que quando uma operação acaba, dificilmente acontecerá outra.

Crianças Yanomamis brincando em cima de destroços de um garimpo. Foto por Gabriel Chaim.
Crianças Yanomamis brincando em cima de destroços de um garimpo. Foto por Gabriel Chaim.

As dragas alimentam o mercado minerador encontrando respaldo no padrão de consumo e na dificuldade de fiscalização que engrena as vendas. Para quem compra, ouro e cassiterita são artigos de luxo e de aproveitamento industrial. Enquanto, a realidade é que o brilho dos minérios é polido pela ruína amazônica. Para dar liga ao projeto, o governo federal, esfacela os órgãos de proteção indígena, escolhe dirigentes ideologicamente próximos de interesses ruralistas, investe na desterritorialização dos povos originários e professa sua omissão: “interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore. É no minério.”
, exclamou o presidente.

As redes de ilegalidade, armadas com seus maquinários e estruturadas pelo dinheiro injetado, aproveitam o contexto e se engajam em discursos como os do presidente Jair Bolsonaro para continuar na impunidade. Misturam o ouro ilegal à ouro legalizado, dificultam o rastreio e logram dos incentivos que o governo atual tenta passar na Câmara, como a PL 191/2020, que prevê a exploração de minérios em terras indígenas.

Hoje, as bateias concentram a tragédia social e ambiental arquitetadas por interesses financeiros. As pretensões econômicas, levaram à decomposição das cadeias naturais dos Yanomamis. Os rios estão contaminados por mercúrio. A caça, prejudicada pela devastação. São inúmeras as denúncias de estupro. Os interesses financeiros na região crescem como o número de mortes. O consumo de minérios continua por omissão e desconhecimento. Os órgãos de proteção indígena estão em processo de desmonte. E o saque é incentivado pelo governo que classifica indígenas como “pobres em terras ricas”.

Vida e morte, Amazônia.

Nasce nas profundezas do rio, sobe as esteiras rolantes nas clareiras abertas em meio a floresta, e voa até o dedo de alguém, durante as juras de amor eterno.

Por de trás desse ouro, tem muito sangue de indígena morto pela ganância humana.

– Gabriel Chaim