NBA e racismo: a briga generalizada que mudou a liga

Há 17 anos, “The Malice at the Palace”, foi o gatilho para acusações racistas que impactariam a liga para sempre
por
Guilherme Deptula
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20/11/2021 - 12h

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            A National Basketball Association (NBA) é conhecida  por ser a maior liga de basquete do mundo, e também por ser uma das mais ativas em pautas de representatividade preta, principalmente depois da repercussão do “black lives matter” em 2020, tendo essa frase sido estampada nas quadras e nas camisetas dos jogadores. Sabendo desse apoio às causas raciais, a pergunta que permanece é: a NBA sempre teve esse posicionamento?

             Embora o basquete tenha se popularizado e sido incorporado a cultura afro-americana durante a década de 70, a NBA nunca havia, de fato, apoiado o movimento black.  Mas, timidamente com o passar do tempo, os jogadores expressavam sua cultura nas jogadas, nas gírias e no comportamento, mesmo sem o suporte oficial da liga.

Assim, no início dos anos 2000, vivia-se uma era de popularização do movimento hip-hop na NBA. Tatuagens, cabelos trançados, roupas largas, correntes de ouro e o rap eram o que caracterizava os jogadores da época.

Pela primeira vez em sua história, os EUA viam a emancipação da cultura preta em uma de suas maiores ligas esportivas, mas a novidade não agravada a todos. Com isso, a partir de uma briga generalizada no fim de 2004, a NBA seria mudada para sempre.

Tema de um dos episódios da série documental da Netflix, “Untold”, o conflito referido ficou conhecido como “The Malice at the Palace” (“A malícia no palácio”, em tradução livre) e aconteceu durante um dos jogos mais aguardados da temporada 2004-05.

O Indiana Pacers visitava o Detroit Pistons em sua antiga arena, o The Palace of Auburn Hills. Ambos os times eram favoritos ao título. Eram sólidos, bem treinados e possuíam uma rivalidade intensa. Durante a partida, o Pacers ganhava o jogo facilmente e mantinha uma vantagem de 15 pontos nos minutos finais.

Já o Detroit Pistons estava apático. Sua torcida vaiava a atuação do time e já esvaziava a arquibancada antes mesmo do fim da partida. Era um resultado humilhante e tudo se encaminhava para uma derrota amarga.

 Até que, com menos de 1 minuto no relógio, o ala dos Pacers, Ron Artest, faz uma falta forte no pivô dos Pistons, Ben Wallace, que avança contra seu adversário e dá início ao conflito.

Depois de separados, Artest se deita sobre a mesa de pontuação e se acalma, enquanto Wallace continua provocando-o. Mas, quando tudo começa a se acalmar, uma garrafa é atirada por um torcedor dos Pistons e acerta Ron Artest precisamente no peito.

Sem pensar duas vezes, Ron Artest sobe a arquibancada e avança, procurando o torcedor que havia atirado o objeto. Quando o encontra, o ala dos Pacers o golpeia com socos, provocando a chegada dos demais atletas e a composição de um cenário caótico em meio a torcida.

Quando conseguem retirar o camisa 91 do conflito, torcedores dos Pistons escapam da segurança e invadem a quadra. Assim, brigas entre atletas e torcedores acontecem sobre o chão da arena do The Palace, obrigando a equipe do Indiana Pacers a voltar ao vestiário em meio a chuva de pipocas, bebidas e, até mesmo, cadeiras, que foram atiradas pela torcida do Pistons.

O conflito foi impactante e repercutiu por todo os EUA. Nos dias seguintes, imagens de violência preenchiam as televisões de qualquer norte-americano que decidisse assistir a um telejornal. A imprensa procurava um culpado pelo conflito e a mídia conservadora já tinha escolhido os seus: os jogadores dos Pacers:

“Eu acho que a hora de largar toda ideia de National Basketball Association (NBA). Chame-a de TBA, Thug (bandidos, em português) Basketball Association, e pare de chamá-los de times. Chame-os de gangues!”, disse o jornalista Tim Limbaugh em seu programa de rádio,” The Rush Limbaugh Show”, dias depois do fato.

“Muitos jogadores na liga possuem ações e atitudes que representam uma mentalidade de bandidos, é um fato.”  afirmou o jornalista Bob Costas.

            “Os jogadores da geração hip-hop parecem mais distanciados dos fãs do que os Magics (Magic Jonhson) e os Michaels (Jordan) que vieram antes deles., comentou o apresentador, Aaron Brown em seu programa de notícias, “NewsNight Conversation with Aaron Brown. “

 

Perguntado sobre a repercussão do caso na mídia, Bruno Alcaras, administrador do fã-clube brasileiro do Indiana Pacers, PacersNationBR, comenta: “A cobertura foi de fato bem preconceituosa. Os jogadores foram transformados em bandidos pela mídia especializada, que era majoritariamente branca em uma liga majoritariamente negra. Os torcedores quase não receberam culpa, tudo recaiu sobre os jogadores que eram chamados de “gangster” por grandes e influentes nomes do jornalismo da época.”

A cobertura pressionou David Stern, comissário da NBA no período, a tomar decisões polêmicas, começando com as punições ao time dos Pacers. Com 5 atletas punidos em um total de 136 jogos, a equipe candidata ao título de Indiana colapsou e foi eliminada na semifinal da conferência leste, para o mesmo Detroit Pistons. “Essa briga custou uma das maiores chances de título do Indiana Pacers, que havia montado, talvez, o maior time de sua história.” enfatiza Bruno.

    

Mas, a punição mais polêmica viria um ano depois, com o código de vestimenta da NBA. Posterior aos eventos do The Palace, foi oficializada uma regra que proibia os atletas de se vestirem livremente nos pré e pós-jogo. O código reprimia o uso de camisetas esportivas (menos as autorizadas pela direção do time), bermudas, correntes, bonés, bandanas, óculos escuros e fones de ouvido. Assim, induzia os jogadores a usarem trajes sociais.

Comentando sobre esse código em entrevista cedida, Gustavinho Lima, atual comentarista do NBB e ativista político, afirma: “Eu acredito que foi um erro da NBA restringir as roupas, ou julgar estereótipos. É um grande erro que a sociedade comete: julgar o livro pela capa, julgar roupa de uma pessoa e querer entender quem ela é[...] quão raso pode ser isso?”

Além de que, as acusações da mídia se tornam hipócritas quando relevam as tradicionais brigas entre jogadores de um popular esporte norte-americano, praticado, majoritariamente, por brancos: o hóquei no gelo.

Como comenta o ex-jogador do Pacers, Jermaine O’Neal, no episódio "A briga na NBA" da série “Untold”: “‘Eles são bandidos’. Literalmente, essa é a palavra que eles usaram. E todo mundo concordava, dizendo: ’isso mesmo, é o rap etc...’. Bom, eles não dizem isso sobre os jogadores de hóquei, que se espancam por décadas.”

No hóquei, quando dois jogadores se desentendem e começam a trocar socos, a partida é interrompida. Mas não para acabar com a briga, mas sim para assistir. Os árbitros não interferem no confronto até que algum atleta caia no chão, enquanto a torcida se inflama e vibra.

O fato mostra a contradição do ataque aos atletas da NBA, como afirma Gustavinho: “É incoerente. As brigas no hóquei reforçam a teoria que o esportista está lá para entreter o público, como gladiadores no coliseu. Isso não faz sentido.”

            Com isso, o “The Malice at The Palace” se provou como uns dos eventos mais marcantes da história do basquete mundial, afetando a NBA em todas as dimensões.

Tanto no macro, mudando suas regras e a conduta de seus jogadores, quanto no micro, abalando a carreira dos atletas envolvidos no conflito e arruinando a melhor chance de título da história do Indiana Pacers, que nunca voltou a uma final depois disso.

            Assim, a repercussão do caso ilustra que o racismo ainda é uma força presente no meio esportivo norte-americano, sendo o grande culpado pelo de “The Malice at the Palace”.