Por Maria Luiza Oliveira
O ex-editor da revista Wired, Chris Anderson, afirmou em uma entrevista para o jornal The New York Times que a tecnologia se aproxima mais da cocaína do que de um doce para as crianças e adolescentes. Um discurso distinto de outros profissionais da mídia, que vendem a ideia de que a tecnologia está sendo transformadora para a geração dos chamados “nativos digitais”, sendo eles mais espertos e melhores do que pessoas mais velhas.
De acordo com o livro “A Fábrica de Cretinos Digitais: os perigos das telas para as nossas crianças”, escrito pelo neurocientista Michel Desmurget, há um uso excessivo da tecnologia: até os 18 anos estimasse que as crianças e adolescentes tenham ficado o equivalente a 30 anos letivos ou a 15 anos de um emprego em tempo integral em frente às telas.
A geração que mais está sendo afetada por isso é a que foi apelidada como “alfa”, que vai de 2010 até 2024, cuja primeira criança nasceu no ano de criação do IPad, elas correspondem a cerca de 30 milhões no Brasil. É um grupo que desde o nascimento já tem contato direto com o Youtube, por exemplo, recurso que está sendo utilizado como babás, evitando a interação física.
A questão que fica e precisa ser questionada é de como isso está afetando essa geração? Como a exposição desde cedo à tecnologia como celulares, tablets e computadores interfere no aprendizado e comportamento dos nativos digitais?
Existem muitos livros, estudos, como o Programme for International Student Assesment (PISA) e documentários (“Geração Telas”) que traçam o perfil desse grupo: uma geração solitária, lenta, sem criatividade, inapta às experimentações e que não gostam do trabalhos coletivos. Além disso, mostram vários riscos à saúde psíquica deles, déficit de atenção, TDAH e qualidade do sono podem ser uma das consequências.
A psicopedagoga e neuropsicóloga Célia Beatriz (55), afirma que “a infância é uma época de mudanças significativas, na estrutura anatômica e nas conexões cerebrais. Uma maior exposição nas telas pode influenciar no comportamento e consequentemente na saúde mental das crianças e adolescentes". Contudo, isso pode ser diferente para cada pessoa.
Adriana Rafael (51), mãe de Theófilo Leite, de 9 anos, conta que percebe um comportamento irritado e agitado do filho quando ele está longe do vídeo game ou de qualquer outro tipo de tela. Além disso, percebe nele uma maior dificuldade para concentração.
Theófilo passa em média 6 horas por dia jogando vídeo game ou em ligação com os amigos – “para mim é divertido para passar o tempo, porque com a Covid-19 isso foi um alívio para eu não ficar com depressão”. Mas a mãe diz que se preocupa com isso “me incomoda muito, mas hoje é um grande aliado meu no sentido de cuidar, pois não tenho condições de pagar atividades extras para ele além da escola. Mas tento desassociar o uso da tecnologia com leitura e outras atividades.”
Célia explica que a tecnologia é programada para manter o usuário conectado por mais tempo possível. Os jogos e as redes sociais estimulam a dopamina no cérebro, um neurotransmissor que irá diminuir a ação da área cerebral responsável pelo autocontrole, decisões e julgamentos. Ela traz uma sensação de recompensa instantânea, estimulando o indivíduo a repetir aquele processo, o que pode gerar o vício.
Não é à toa que os gurus da tecnologia do Vale do Silício têm regras bem claras em relação ao uso de celulares e tablets na educação de seus filhos: evitar ao máximo. Bill Gates, criador da Microsoft, só vai dar um smartphone ao filho quando ele completar 14 anos.
Em 2016, a Academia de Pediatras dos Estados Unidos fez algumas recomendações aos pais: não usar celulares ou similares antes dos 18 meses; entre 18 e 24 meses, uma hora por dia e a partir dos seis anos colocar limites coerentes na utilização. Uma pesquisa publicada em 2019 pela revista médica JAMA Pediatrics aponta que uma maior exposição às telas por crianças entre dois e três anos pode levar a um atraso no desenvolvimento. Contudo, a psicopedagoga faz um alerta: “os pais são grandes influências para os filhos, não adianta tentar falar para o filho diminuir, se os próprios não conseguem regular esse uso.”
Mas como famílias que precisam trabalhar e não tem condições de pagar atividades extras ou uma babá irá fazer esse controle em um mundo cada vez mais digital, que, inclusive, facilitou o cuidado?
Dados da pesquisa Commom Sence Media, que tem como objetivo “ajudar as crianças a se desenvolverem em um mundo de mídia e tecnologia”, mostram a grande diferença no uso entre as famílias de alta, média e baixa renda: as crianças de famílias de alta renda costumam passar 1h50 min por dia; já a de média 2h25 min e de baixa renda, uma média de 3h 39 min.
Ainda não existe uma conclusão exata para todas essas questões, de quão mal o excesso das telas podem fazer para o desenvolvimento humano, pois não existe pesquisas suficientes. Apesar disso, é necessário prestar atenção ao uso das telas, independentemente da idade. Viver fora do ambiente digital e respirar o mundo real é importante para o desenvolvimento de todos.
Imagem da capa: Foto de Amina Filkins no Pexels