Geisiele Santos, dona do canal no Youtube Geisiele!, no qual faz o quadro Fita Amarela, tem audiência 87,7% feminina. Assim como ela, Giulia Carvalho, criadora de conteúdo criminal no Tiktok, e Izabela Palassi, estudante de criminologia e blogueira no Instagram, percebem uma diferença de 80% nas seguidoras mulheres.
Julia Servone, também criadora de conteúdo, repara que antes de trazer histórias de crimes para seu Instagram, o seu público era majoritariamente masculino. Hoje, ela possui um público feminino crescente na rede social. Já na sua conta no Tiktok, também dedicada ao true crime, mulheres são a maioria.
Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher de 2020, o streaming Spotify divulgou os conteúdos produzidos por mulheres mais populares da plataforma. Entre os podcasts, quatro de cinco eram sobre true crime – gênero que aborda casos de crimes reais.
Por ter crescido em uma época de superexposição da criminologia na midia, acompanhando notícias de casos como Nardoni e Eloá, Palassi tem curiosidade no assunto desde pequena. Mulheres são ensinadas a tomar mais cuidado com o mundo, por isso, ela acredita que saber mais sobre o assunto é uma forma de aprendizado, para se preparar para algo que possa acontecer. “Sou muito consumidora desse conteúdo, já meu noivo não tem o mínimo interesse, ele acha mórbido demais”, diz.
Nessa perspectiva, Carvalho relembra de vídeos que viraram tendência no TikTok, nos quais pessoas contavam situações que passaram e como a lembrança de um caso criminal foi útil para reconhecerem o perigo e escapar. Sendo a maioria desses vídeos, de mulheres. “Eu sempre me imagino na situação, e vejo o que faria diferente ou como me protegeria se estivesse no lugar da vítima”, também aponta Santos.
Para Servone, por outro lado, a questão da autodefesa não é o principal motivo da curiosidade, mas uma consequência. Primeiro, ocorre uma empatia com as vítimas, depois, um sentimento de vulnerabilidade. “Começamos a imaginar situações em que aquilo poderia ter acontecido conosco. Assim, ficamos mais atentas, tomando cuidado em relação à certas coisas”, completa.
Comum a todas essas criadoras é o interesse em saber o que aconteceu por trás dos crimes, principalmente para Santos, que tinha vontade de se tornar perita criminal, antes de começar a postar vídeos no Youtube. Além disso, conhecer a vida do criminoso indo a fundo no caso é fundamental para tentar entender como a sua mente funciona e quais foram as suas motivações. Segundo Palassi, “toda história tem começo, meio e fim. É importante percebermos isso, não para tentarmos justificar suas ações, mas para entender quais foram os gatilhos que levaram a isso.”
Esse processo, no entanto, pode ser difícil. Casos que envolvam crianças, principalmente se há abuso sexual, são os que mais pesam para Servone. Lembrando do caso de Shanda Sharer, Santos se espanta com o quão fácil podem cometer esses crimes apaticamente, ou pior, sentindo prazer.
Carvalho também revela que, por exemplo, se recusa a contar em seu perfil o caso da menina Nayoung - que inspirou o filme sul-coreano Hope. Quando soube da história, mesmo de forma superficial, ficou muito tocada. Para ela, é inimaginável o ponto que a crueldade humana pode chegar. “É impressionante como, muitas vezes, agimos como animais”, diz.
Apesar das dificuldades, todas tem em mente objetivos com a divulgação dessas histórias: Palassi, por exemplo, faz o quadro chamado In Memoriam em seu Instagram, no qual relata a história de vítimas. Em uma das postagens, ela relata o caso Yasmin Nery – uma adolescente que foi morta ao visitar um menino que conheceu na internet. Antes de ir, Nery postou nas redes sociais “se eu sumir, já sabe”. O seu intuito com o quadro é mostrar que nunca sabemos as reais intenções dos outros. “O caso da Yasmin poderia ter tido um final diferente, eu quero que reflitam sobre isso.”
Santos também acredita alertar muitos espectadores, mostrando que esses crimes podem acontecer em qualquer lugar. Já Carvalho, fala que recebe críticas de pessoas dizendo que ela só fala de morte e ruindades, mas também recebe elogios pelo conteúdo informativo. “A chance de passarmos pelo que essas pessoas viveram é pequena, mas infelizmente, existe. Eu acredito que pessoas possam ser salvas por saberem de histórias de crimes reais”, explica.
Porém, ainda que sejam uma pequena parcela, Servone sofre com seguidores romantizando os casos. Ela conta que, mesmo não sendo por mal, muitos a perguntam qual o seu caso criminal predileto ou serial killer favorito. Para ela, “ninguém tem que ter um assassino favorito, esse é um retorno que pesa na nossa cabeça”.