Mulheres na Constituição: Marielle Franco presente

Uma vida política, a vereadora representou e carregou consigo a luta de uma mulher, LGBT, preta e periférica contra a corrupção e a violência no Brasil
por
Victória Rodrigues
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28/03/2024 - 12h

A vida antes da política 

Marielle Francisco da Silva, conhecida socialmente por Marielle Franco, filha de Marinete Francisco e Antônio da Silva Neto, nasceu em 27 de julho de 1979. Cresceu no Complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro.  Começou a trabalhar com seus pais aos 11 anos, determinada a juntar dinheiro e custear seus estudos.  

Aos 19 anos, deu à luz a sua filha Luyara Franco. No mesmo ano, em 1998, ingressou seus estudos para o vestibular em um cursinho comunitário oferecido aos jovens da Maré. Quatro anos depois, foi aprovada com bolsa integral, pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).

Anos depois, em 2014, obteve seu mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde apresentou a tese “UPP: A Redução da Favela a Três Letras”. 

Franco conheceu Mônica Benício, a primeira mulher por quem se apaixonou, por meio de amigas em comum, em 2004. Começaram a namorar um ano após se conhecerem. Entre idas e vindas, a união só foi formalizada em 2015. Mônica e Marielle moravam juntas na Barra da Tijuca e tinham planos para festejar o casamento em setembro de 2019.  

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 Marielle tinha o apoio da família para entrar na política.Foto: Instagram @mariellefranco

 

Vereadora Marielle Franco 

Marielle sentiu a necessidade de erguer a voz da militância pelo povo, quando ainda tinha 20 anos, ao perder injustamente uma amiga durante um confronto entre traficantes e policiais. O estímulo para lutar pelos direitos das mulheres e debater esse assunto dentro das comunidades perdurava, sobretudo, por uma motivação: criar a filha em um lugar seguro.  

Sua carreira no ambiente político teve início quando integrou a equipe de Marcelo Freixo (PSOL), eleito deputado estadual do Rio de Janeiro, em 2006. Marielle trabalhou como assessora parlamentar por 10 anos. Nessa época, atuou junto ao deputado na “CPI das Milícias”.  

Em 2016,  na sua primeira disputa eleitoral, a cientista política elegeu-se vereadora, sendo a quinta mais votada do município com mais de 46 mil votos.  

Durante o seu mandato, deu voz às pautas pelas quais se propunha. Foi presidente da Comissão de Defesa da Mulher, com planos de elevar a representatividade das mulheres pretas e periféricas; coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, prestando assistência jurídica e psicológica aos familiares de vítimas de homicídios e policiais vitimados; criou o Projeto de Lei das Casas de Parto, que propõe lugares voltados a partos normais, com médicos e enfermeiros obstétricos, além do acompanhamento integral da gestante com nutricionistas e assistência social; também criou o projeto de lei que regulariza o trabalho dos mototáxis. 

Marielle não se calava, trabalhou pela denúncia dos abusos policiais nas operações das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Pouco antes do dia em que teve a sua vida tirada brutalmente, fez parte da Comissão responsável por monitorar a intervenção federal na Favela de Acari. 

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Marielle defendeu o direito e a representatividade das mulheres pretas.Foto: Instagram @mariellefranco

 

Sementes de Marielle: uma luta de todos

Na noite do dia 14 de março de 2018, a vereadora retornava  de um debate promovido pelo PSOL, na Casa das Pretas, quando foi surpreendida por um carro que parou ao lado do seu e abriu fogo contra seu veículo, atingindo a cabeça de Marielle Franco e o tórax de Anderson Gomes, seu motorista. Os dois morreram na hora e a assessora da parlamentar, Fernanda Chaves, que também estava no carro, sofreu leves ferimentos com os estilhaços.

O silenciamento de uma mulher preta, LGBT e favelada atuante fortaleceu o grito de milhares nas ruas. Após a morte de Franco e seu motorista, a pergunta que emergiu durante esses anos foi: quem mandou matar Marielle?  Manifestações eclodiram por todo o Brasil e pelo mundo atrás dessa resposta. No Rio de Janeiro, no centro da Cinelândia, a população foi às ruas após acompanhar o cortejo da política na Câmara. Em São Paulo, manifestantes fecharam a Av. Paulista em frente ao MASP. Em Portugal e Nova York, também houve atos para expressar o luto e a revolta contra o sistema de violência no país.  

Artistas também expuseram sua indignação com tamanha violência.Caetano Veloso publicou em suas redes sociais um vídeo cantando “Estou triste”, com a legenda “#lutopormarielle” e “#mariellepresente”. Também foi homenageada em músicas, como no rap “Favela Vive 3”, em que o cantor Choice canta “Gritei Marielle presente, essa bala também me fere”.

A memória e o legado de Marielle Franco resistiram e resistem. No estado do Rio de Janeiro, foi instituído, no calendário oficial, o dia 14 de março como “Dia Marielle Franco – Dia de luta contra o genocídio da Mulher Preta”. A figura da militante ganhou respeito pela Medalha Tiradentes e o Diploma Bertha Lutz, como reconhecimento em sua batalha pelas causas públicas e contribuição na defesa do direito das mulheres. Ela também foi homenageada em escolas de samba, a Vai-Vai, de São Paulo, apresentou um mosaico com a foto de Marielle na ala “eu tenho um sonho”.  

Para prosseguir o mandato, foi criado pela família da vereadora o Instituto Marielle Franco. Dirigido por sua irmã Anielle, o órgão tem mantido viva sua memória e desenvolvido políticas para as mulheres e a população periférica.  

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 Criada na Maré, revolucionou o lugar de uma mulher periférica na política. Foto: Instituto Marielle Franco

 

Quem mandou matar Marielle? 

Um ano após o assassinato da Franco e Gomes, as respostas começaram a surgir. O ex-militar Élcio Vieira de Queiroz e o militar reformado Ronnie Lessa, identificados como  os executores do crime, foram presos. No entanto, quem ordenou o crime? Os nomes só vieram a público cinco anos mais tarde.  

Depois de falsas testemunhas e tentativas de atrapalhar as investigações, no último dia vinte e quatro de março, Ronnie Lessa, acusado por atirar contra o carro da vereadora, aceitou um acordo em delação premiada e entregou Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e o deputado federal Chiquinho Brazão, vereador na época, como os mandantes do assassinato. Ambos foram presos junto ao delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil (PC), acusado de engavetar as investigações na Delegacia de Homicídios quando era chefe do distrito. Barbosa assumiu o cargo na PC em 8 de março de 2019.

Os três estão presos preventivamente e o caso corre sob o procedimento de indiciamento que, passado pelo Supremo Tribunal Federal, será encaminhado para o Ministério Público.  O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou no dia da publicação das investigações sobre os mandantes do crime contra Marielle, que o caso está concluído. Até onde? Descobrir quem matou será suficiente para que outras mulheres não sejam vítimas da violência miliciana? 

A demora do caso demonstra a fragilidade da justiça brasileira dentro da corrupção praticada pelos agentes públicos e questiona qual o papel dos políticos no Brasil.