Mulheres na Constituição: Lei Maria da Penha 

Sancionada em 2006, o dispositivo é responsável por proteger vítimas da violência doméstica e acrescentou medidas nos últimos anos
por
Amanda Furniel
Giuliana Zanin
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20/03/2024 - 12h

A Lei Maria da Penha, uma medida de prevenção e punição em caso de violência doméstica, foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Dezessete anos depois, em 2023, o Brasil ainda é o quinto país com mais casos de violência contra mulher, com 3.181 denúncias contra parceiros e parentes. 

A Lei determina que todo caso de violência dentro de casa e por familiares é crime, sendo julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica Contra a Mulher. Nos últimos cinco anos, houve pelo menos oito coberturas incluídas no projeto, dentre elas, o afastamento imediato da vítima do ambiente de violência sem a prescrição doboletim de ocorrência (B.O.) e a proteção de mulheres transgêneras.

 

Mas, afinal, quem é Maria da Penha?

Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de duas tentativas de feminicídio em 1983. Na primeira, enquanto dormia, seu então marido atirou contra a suas costas, o que a deixou paraplégica. Quatro meses após uma recuperação intensiva da tragédia intencionada que quase tirou a sua vida, o ex-parceiro tentou eletrocutá-la durante o banho, enquanto a mantinha em cárcere privado. Depois de muita luta, a família e os amigos de Maria conseguiram tirá-la de casa e das mãos do agressor.  

 

O caso de Maria da Penha levou ao todo 19 anos e seis meses de disputas judiciais. O agressor chegou a ser sentenciado à prisão duas vezes, com penas de 10 e 15 anos, mas nenhuma das sentenças foi cumprida por falhas na justiça. Na primeira, em 1991, os advogados do réu anularam o julgamento e, na segunda, em 1996, o réu foi condenado a dez anos e seis meses, mas recorreu e acabou passando apenas cerca de dois anos preso. 

 

Origem da Lei 

Após um ultimato da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), em 1998, o Estado Brasileiro foi denunciado e responsabilizado por “negligência, omissão e tolerância” em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. 

O caso de Maria de Penha passou a ser tratado como uma violência contra a mulher por razão de gênero, mas, em 2002, foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para reivindicar a elaboração de uma lei especializada no combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Depois de debates e reivindicações dentro dos tribunais, o Projeto de Lei n. 4.559/2004, da Câmara dos Deputados, chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. A Lei Maria da Penha (Lei N. 11.340) foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.  

Como uma das recomendações do CIDH foi uma reparação simbólica e material à Maria da Penha, o Estado do Ceará pagou uma indenização a ela e o Governo Federal nomeou a lei em reconhecimento e homenagem à sua luta contra a violação dos direitos humanos das mulheres.  

Em 2015, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que a Lei Maria da Penha diminuiu em 10% a taxa de feminicídio cometidos pelos agressores dentro da residência das vítimas. 

A legislação trouxe avanços e amparos para as mulheres brasileiras. Além de tipificar a violência doméstica, ela oferece medida protetiva com o afastamento do agressor da vítima e seus familiares, proíbe aplicação de penas pecuniárias, (ou seja, não pode ser paga por multas ou doações de cestas básicas), oferece auxílio para a mulher caso ela seja financeiramente dependente do agressor e amplia a pena do agressor de um a três anos de cadeia caso a mulher vítima seja deficiente.  

 

Mudanças e inclusões 

Desde 2019, outras medidas foram acrescentadas à Lei Maria da Penha, entre elas:  

  • Lei nº 13.827/19, que permitiu a adoção de medidas protetivas de urgência e o afastamento do agressor do lar pelo delegado;   

  • Lei nº 13.836/19, tornando obrigatório informar quando a mulher vítima de agressão doméstica ou familiar é pessoa com deficiência;  

  • Lei nº 13.871/19 determina como responsabilidade do agressor o ressarcimento dos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados; 

  • Lei nº 13.894/19, que atribuiu ao Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável. A norma também estabeleceu a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar;

  • Lei nº 13.984/20, estabelecendo obrigatoriedade referente ao agressor, que deve frequentar centros de educação e reabilitação e fazer acompanhamento psicossocial;

  • Lei nº 14.132/21 inclui um artigo no Código Penal (CP) para tipificar os crimes de perseguição (stalking);

  • Lei n° 14.164/21, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir conteúdo sobre a prevenção à violência contra a mulher nos currículos da educação básica, além de instituir a Semana Escolar de Combate à Violência Contra a Mulher, a ser celebrada todos os anos no mês de março;

  • No primeiro semestre de 2022, a Sexta Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha seria aplicada também em casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgêneras. 

 

Os números não param de crescer

Em 2023, o Brasil registrou 1.463 casos de feminicídio, crime em que o assassinato de uma mulher ocorre pelo simples fato de ser mulher, ou seja, uma mulher a cada seis horas era assassinada. No mesmo ano, a cada 24 horas, oito mulheres foram vítimas de violência doméstica, segundo o boletim "Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver".

​De acordo com a ONU, sete a cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão vítimas de violência de gênero em algum momento da vida. No mundo, de acordo com a OMS e a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a estimativa é de que 35% dos feminicídios são cometidos por seus parceiros, ao passo que 5% dos homicídios de homens são praticados por suas parceiras.