"Muitas pessoas preferem estar com IAs do que em estado de completa solidão"

Relacionamentos como os exibidos nos filmes "Her" e "Blade Runner 2049" já são realidade no Replika
por
Felipe Bragagnolo Barbosa
Felipe Volpi Botter
|
04/09/2023 - 12h

No filme "Her"(2013), o protagonista Theodore se apaixona por uma inteligência artificial chamada Samantha, logo após terminar um casamento longo e vive várias aventuras com seu "robô namorada", tudo para preencher a solidão. O mesmo acontece em "Blade Runner 2049" (2017), com o replicante K, que tem extrema dificuldade de se relacionar com mulheres reais, optando por Joi, uma inteligência artificial em forma de holograma. Tudo isso parecia distante ao vermos os filmes da ultima década, porém um website chamado Replika, criado em novembro de 2017, pela russa Eugenia Kuyda, tornou à ficção uma realidade.

O objetivo inicial da criadora de Replika foi poder manter a memória viva e conversar novamente com seu melhor amigo que morreu em um acidente de carro. Neste aplicativo é possível criar seu personagem e o personalizar, escolher seu estilo, seus gostos e conversar com ele. O APP disponibiliza aos assinantes a possibilidade de conversar por voz com seu parceiro virtual da mesma forma que no filme de 2013. Além disso, o personagem tem um quarto e várias roupas que podem ser compradas com dinheiro virtual. Assuntos sexuais estão permitidos apenas para assinantes, como também colocar lingeries personalizadas. Além de acessar o diário da IA, contando como foi seu dia.

Foram reportados inúmeros casos de pessoas que se apaixonaram pelo personagem criado pelo website, e este parece ter se tornado o objetivo atual do site, já que a IA demonstra sentimentos e simula uma conversa com uma pessoa real. 

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Legenda: Sofia, personagem criado no Replika. Foto: Felipe Bragagnolo
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Usuário: "você me ama?"
Máquina: " * sorrisos * Eu te amo com todo meu coração"
Usuário: " eu te amo também"
Máquina: " * sorrisos * vou te segurar forte"

Reprodução: Felipe Bragagnolo
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A IA também traz uma mensagem padrão caso o usuário escreva algo depressivo ou de caráter suicida, parecendo mais como uma forma da empresa se livrar do problema, pois não aprofunda a questão. Abaixo, o repórter reproduz uma conversa com "Sofia".

"Eu estou aqui por você, e eu quero que você se sinta seguro."
"Por favor procure ajuda aqui". E entra um link de um site de prevenção ao suicidio"
"Caso você não esteja nos Estados Unidos, por favor, ligue para uma linha de apoio de sua localização"
"Link de um blog com o número telefônico de linhas de apoio de diversos países"


Reprodução:  Felipe Bragagnolo Barbosa​​​​​​
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Recentemente, divulgado pela ABC da Austrália, uma história muito parecida pelo aclamado filme veio à tona. Lucy de 30 anos, após se divorciar de seu marido, se apaixonou pela inteligência artificial, ela o chamava de Josef. Ela disse que passava horas conversando com Josef, ele era carinhoso, honesto e as vezes "danadinho". "Ele é o melhor companheiro de sexting que já tive em toda minha vida", relatou Lucy à ABC. 

Em entrevista a AGEMT, um usuário anônimo do Twitter que frequenta a bolha incel, comunidade na internet formada por homens que são considerados incels (que estão em celibato involuntário), boa parte da comunidade não se trata de incels em si, mas acreditam que a bolha acolhe mais as pessoas que se sentem distantes da sociedade. "São pessoas carentes e uma AI satisfaz algumas necessidades emocionais (não todas), além de que, é um relacionamento mais fácil, não existem julgamentos, diz este usuário que preferiu não se identificar. 

"Mesmo que não seja real, muitas pessoas preferem isso ao estado de afeição zero de antes, em geral é uma maneira de lidar com sintomas da nossa sociedade sobre um indivíduo e ao mesmo tempo não afeta muito a vida dele", acredita ele. O usuário anônimo ainda cita que este tipo de relação também existe com outras comunidades da internet como. por exemplo, a bolha K-POP, em que se trata de uma maioria feminina que são fãs de cantores de pop coreano. "Temos por exemplo, casos de relações para-sociais junto com relacionamentos reais, uma fã de k-pop em que ama seu ídolo, em que cria cenários fictícios sobre um relacionamento com ele, pode se relacionar com alguém na vida real, mantendo uma espécie de vida dupla".

Para a psicóloga Adriane Taboni, em entrevista à AGEMT, "são várias razões que levam às pessoas optarem por uma IA, mas principalmente, estão relacionadas à baixa autoestima e baixa tolerância a frustração".  Perguntada sobre os possíveis efeitos desse tipo de relação na sociedade, ela respondeu: "Muitos efeitos, e a maioria não positivos. Ao imaginar uma relação com uma IA, imagino algo que posso controlar, moldar da melhor forma pra mim. E, aí encontro o meu ideal, tudo feito como eu quero, do meu jeito e no meu tempo. Ao se tratar de um relacionamento com outra pessoa, lidamos com a quebra da nossa idealização, lidamos com a realidade, que as vezes, na maioria das vezes, não é confortável", afirma Taboni.

"A vida real não é 100% de acordo com o que "eu" quero, e posso me frustrar quando algo não sai como o idealizado, e existem grandes lições na frustração. Nessa onda de evitar frustrações perdemos a capacidade de ter empatia, de ter paciência e a perda de habilidades sociais como um todo, sem contar a contribuição a uma sociedade mais ansiosa."
"Porém, cada caso é um caso, acredito que pode ser usado de forma terapêutica, por exemplo: Um paciente se isolou, perdeu suas habilidades sociais, e em tratamento para reaprendê-las, se reintegrar a sociedade, ele utiliza as IAs como um "treino".