Por Luiza Ferreira Pires da Costa Fernandes
Lucas ainda estava na escola quando o interesse pela arte começou a aparecer, o garoto que era sempre cobrado por professores e familiares pelas baixas notas e mau comportamento, tinha nos milhares de desenhos feitos no caderno algum refúgio. O desejo pela arte, mesmo que não fosse estimulado na escola, foi se intensificando e logo se transformou num grande interesse pela arte de rua, estilo muito comum nas periferias de São Paulo, representado principalmente pelas pichações. De acordo com ele,
“A maioria começa assim, quer colocar o desenho do papel na parede, eu lembro que a gente pedia pra qualquer comércio, qualquer vizinho se tinha algum pedaço de parede que dava para desenhar alguma coisa. E eu sou de periferia, lá a pichação é muito forte e é um movimento importante para os jovens”
Muito diferente daquilo que se aprende em sala de aula, a arte de rua tem suas especificidades, comum no dia a dia de São Paulo as pichações existem como uma forma de ocupar o espaço público. Quanto mais longe e mais difícil de fazer a sua pichação, mais prestígio dentro do movimento.
É justamente esse caráter de ocupar o espaço público, que faz com que as pichações sejam ilegais e vistas por boa parte da população como algo que polui e suja a cidade. Foram essas dificuldades e o desejo de viver de arte que fizeram Lucas migrar para o Grafite, se tornado em 2008 o artista de rua, Bizzar, responsável pelo projeto “Nova Escola”.
O projeto surgiu em 2012, uma parceria de Bizzar com dois amigos, o objetivo era revitalizar e transformar algumas escolas do bairro. Filho de professora e um ex-aluno que sentiu a falta da arte na escola, ele acreditava que a partir do grafite era possível transformar o ambiente e fazer isso ao lado da comunidade e dos alunos. “No começo a gente batia de porta em porta nas escolas oferecendo o grafite, explicavamos a ideia do projeto e os materiais de pintura saiam do nosso bolso, a gente só queria melhorar e transformar o ambiente da escola a partir da arte e da cultura do hip-hop”.
Segundo a pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, que ouviu mais de 132 mil estudantes da rede pública em 2016, 90% dos alunos não estão satisfeitos com as aulas oferecidas pela grade brasileira.
O sucesso do projeto de Bizzar, que já acontece há dez anos em toda a capital paulistana comprova a dificuldade que as escolas têm de se comunicarem com os alunos, a presença da arte e do grafite é muito comemorada, justamente pela sua capacidade de transformar o espaço público e proporcionar mais interação e reflexão. “Hoje em dia quem me procura são os alunos ou a coordenação, a partir dos grupos que existem entre essas escolas municipais ou estaduais, o pessoal vai mostrando meu trabalho e entrando em contato para propor algum tipo de arte”.
O projeto de Bizzar acontece em duas frentes, a primeira é quando ele é convidado para fazer a fachada de alguma escola. Nesse caso, outros artistas também se somam ao trabalho e é dividido alguma metragem do muro da escola para cada. Quando o objetivo é fazer a parte interna, algum muro, parquinho ou parede, o trabalho é individual e toda a arte é construída a partir de conversas com alunos e coordenação.
“Algo diferencial no meu projeto é que eu converso com os alunos, os professores e a coordenação da escola para entender o que eles querem, mas eu sempre digo que vou seguir um projeto meu, não tem muita interferência direta no desenho. Eu sempre sigo o objetivo de fazer algo que interaja com o ambiente escolar e também represente a cultura das ruas, o grafite pra mim é algo que não pode ser só bonito, precisa comunicar, ter algum propósito e interagir com quem ta vendo. Quando eu estou pensando na arte eu me coloco no lugar da criança, me coloco no lugar da diretora e busco entender o que vai mexer com eles.”
Já são mais de 7.000 alunos beneficiados, 20 escolas revitalizadas e mais de 1.000 artistas que colaboraram com o projeto. Bizzar segue acreditando na importância de levar a arte para as escolas e de aproximar a cultura das ruas com o dia a dia dos professores e da coordenação.
O Grafite na cidade de São Paulo
Considerada hoje a capital do grafite, a história da cidade de São Paulo se cruza com esse tipo de arte nos anos 80. Os últimos anos da ditadura militar brasileira marcam um momento de intensa politização e de muitas manifestações culturais. O nome de Alex Vallauri é citado como o primeiro artista a fazer em massa grafites que provocaram a ditadura e ocuparam a cidade com desenhos de frangos assados, telefones e botas de salto fino.
Os motivos que levam o surgimento do grafite na cidade tem também tudo a ver com a sua popularização nos anos seguintes, com mais de 12 milhões de habitantes e sendo a maior cidade da América Latina, São Paulo abriga uma série de controvérsias, uma cidade que consegue ser tão rica e tão desigual e onde a maioria das pessoa precisa andar sempre correndo, como se fugisse da própria cidade.
De acordo com Léo, grafiteiro há mais de 10 anos, não existe uma cidade que combine mais com a arte de rua do que São Paulo. “A essência do grafite e da pichação é que eles nasceram proibidos, a gente pintava sabendo que estava correndo risco e isso por si só faz com que seja uma arte política, que vai apontar contradições e fazer as pessoas pensarem. Em São Paulo parece que ninguém tá com tempo de pensar sobre os problemas da cidade, aí a gente coloca uma frase, um desenho, que cutuque. “
Essas particularidades que unem São Paulo e a arte de rua são históricas, fazendo com que já a mais de 40 anos a paisagem urbana seja tomada por obras de todos os tipos.
O que antes chegou a ser criminalizado, se tornou um importante patrimônio, fazendo com que as galerias a céu aberto, as avenidas e prédios se tornassem referências para o turismo da cidade. Alguns dos mais importantes grafiteiros do mundo são brasileiros e paulistas, como: Kobra, Os Gemeos e Nina Pandolfo.
Para Léo, o grafite ajuda a contar a história de São Paulo: "É uma referência para quem mora aqui e pra quem é de fora, a cidade passou a ser lembrada por fotos de grandes muros com arte e avenidas que viram galeria. Não dá pra dissociar a história da cidade com a história da arte de rua, seja grafite ou a pichação”
Grafite X Pichação
Para Bizzar, a diferença no tratamento entre eles tem início no momento em que o grafite ganha o centro da cidade. “Nas periferias e comunidades ninguém passou a ver o grafite melhor porque ele começou a ser vendido no centro e a ser feito em grandes prédios, sempre houve um convívio e respeito com a arte de rua”. A diferença entre grafite e pichação também se explica pelas suas características de movimento específicas, que no segundo envolve uma disputa de território e demarcação, fazendo uso de tags e um dialeto próprio. O grafite é feito para chegar em terceiros e para impactar a sociedade de forma geral.
Para atingir cada objetivo, criam-se as diferenças estéticas entre cada um dos movimentos, com uso de materiais e abordagens diferentes.
De acordo com a Lei Federal de Crimes Ambientais, de 1998, a pichação é proibida e tem pena de detenção de três meses a um ano e multa. Já o grafite é regulamentado e permitido, desde que haja autorização, o texto da lei o descreve da seguinte maneira: “Uma manifestação artística cultural que valoriza a cidade e inibe a pichação.” O último trecho da lei é algo que encontra divergência dentro dos grafiteiros, de acordo com Bizzar, “Depois que o grafite se tornou comercial o poder público começou a querer que ele fosse a solução para acabar com a pichação na cidade, querendo cobrir qualquer piche com desenhos. Eu não acredito nisso, a pichação é também um movimento cultural, as pessoas podem não gostar, mas eu vejo como arte da mesma forma”
Léo argumenta que esse discurso esvazia a importância do grafite enquanto arte transgressora, “Eu entendo a população ter essa visão, mas quem é do movimento das ruas tem que respeitar e valorizar a importância da pichação, o grafite pra mim é sobre produzir uma arte que propõe reflexão, que ocupa a cidade, eu não vou usar minha arte para cobrir outra”