Movimento Dois-Dois e Favela do Moinho se conectam na disputa pelo centro de São Paulo

Espaço cultural na Alameda Dino Bueno e última favela do centro vivem tensões semelhantes: pressão por remoções, projetos de “revitalização” e disputa por permanência de população de baixa renda na região.
por
Isadora Cobra
|
13/11/2025 - 12h
Foto: Reprodução/Instagram/@faveladomoinho
Foto: Reprodução/Instagram/@faveladomoinho

O Movimento Cultural Recreativo Dois-Dois, na Alameda Dino Bueno, e a Favela do Moinho, a poucos quarteirões dali, são hoje dois polos de uma mesma disputa: quem permanece e quem é afastado do centro de São Paulo. Enquanto o Moinho enfrenta remoções e projetos urbanos, o Dois-Dois reorganiza um galpão abandonado como espaço de cultura popular e articulação política.

Fundado em 2023, o Dois-Dois ocupa um antigo imóvel industrial em Campos Elíseos. O local foi reformado coletivamente e passou a receber rodas de samba, discotecagens, lançamentos de livros, oficinas e debates. A proposta é funcionar como centro cultural independente, com programação regular, principalmente nos fins de semana.

“A gente pegou um lugar que estava vazio e sem uso e transformou em espaço de trabalho e encontro”, afirma Carla Santos, 34, produtora cultural e integrante da organização do Dois-Dois. Segundo ela, o projeto busca garantir acesso à cultura para moradores da região central e de bairros periféricos, mantendo preços populares e atividades gratuitas.

A poucos metros, sob o Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e ao lado da linha do trem, está a Favela do Moinho. A ocupação começou no fim dos anos 1980, em área de um antigo moinho desativado. A comunidade já enfrentou grandes incêndios, operações de remoção e conflitos com o poder público em torno da posse do terreno. Hoje, parte das famílias já foi reassentada ou deixou o local, e o número de moradias diminuiu.

Moradores relatam aumento da pressão por saída, associado a projetos públicos para a área, como a criação de um parque e de novos equipamentos estatais. Quem permanece reclama de insegurança jurídica e de falta de alternativas de moradia na mesma região.

“Quando tiram a gente daqui, não é só a casa que muda. A escola, o posto de saúde e o trabalho ficam longe”, diz Dona Lúcia Ferreira, 56, moradora do Moinho há mais de 20 anos. “Espaços como o Dois-Dois mostram que ainda existe lugar para o povo aqui, mas as famílias estão sendo empurradas para fora.”

A relação entre o Dois-Dois e o Moinho se dá principalmente pelo território e pelas pautas em comum. Moradores da favela participam das atividades culturais, e temas como remoção, moradia e direito à cidade são recorrentes nas rodas de conversa realizadas no galpão. O espaço também é usado para encontros de coletivos e articulações com movimentos de moradia e cultura.

De acordo com Rafael Lima, 27, educador social que atua em projetos com jovens do Moinho, o Dois-Dois funciona como ponto de apoio para discussões e mobilizações. “A gente se encontra lá para conversar com advogados, movimentos, organizar reunião. Não é só festa. Tem dia que é mais debate do que samba”, afirma.

Tanto o Moinho quanto o Dois-Dois são impactados por políticas de “revitalização” do centro, que incluem novos empreendimentos, obras viárias e projetos de requalificação urbana. Na prática, essas intervenções costumam elevar o valor da terra e dificultar a permanência de famílias de baixa renda e de iniciativas culturais autônomas.

A conexão entre o movimento recreativo Dois-Dois e a Favela do Moinho, portanto, não é apenas simbólica. Ambos se tornaram referências de resistência local num momento em que o centro de São Paulo passa por reconfiguração intensa, com disputa permanente entre interesses imobiliários, políticas públicas e o direito de moradores antigos permanecerem na região.

 

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