Mostra 'Beyond Van Gogh' une o virtual com o presencial

Com um estacionamento inteiro reservado, a exposição que já passou por 24 países finalmente chega ao Brasil, porém, sem as obras de fato para serem apreciadas
por
Livia Veiga Andrade
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25/05/2022 - 12h

Reprodução: LivePass

 

Por Livia Veiga Andrade

 

Começou em março a exposição imersiva Beyond Van Gogh, no estacionamento reservado do Morumbi Shopping em São Paulo. O projeto permite imersão total nas obras de arte, com o apoio de diversas tecnologias. Cria-se uma viagem sensorial ao longo de todo o espaço reservado. De acordo com a idealizadora do projeto, a Normal Studio, a experiência procura apresentar o mundo do pintor e aproximar-se do sentimento de liberdade que suas obras têm. O contato com as pinturas é único e pessoal, cada visitante terá uma percepção diferente de acordo com seu próprio mundo interno.


Todo o espaço foi milimetricamente pensado para oferecer a melhor imersão possível ao visitante, desde sua entrada, com uma cafeteria montada no mesmo estilo da obra Café Noturno ao campo de girassóis, já dentro da exposição. É possível comprar itens com estampas do artista na lojinha, mas a magia está depois de um grande autorretrato do pintor. A visitação ficará aberta até o dia 3 de julho no pavilhão do estacionamento, mas o preço dos ingressos é bastante alto diante da magnitude do projeto. É possível visitá-lo por um preço um pouco mais acessível pelas manhãs durante os dias de semana, os valores flutuam de 80 à 200 reais, a entrada inteira, tendo a possibilidade de uma experiência básica ou VIP. Os ingressos podem ser comprados através do site oficial LivePass.

Vincent Willem van Gogh é o nome completo do pintor holandês que carregou consigo inquietações e incômodos com o mundo e os transmitiu em suas obras. Conhecido mundialmente, com o valor de suas obras sempre na casa dos milhões, ele, na verdade, não aproveitou sua fama enquanto vivo. Foi o segundo filho do casal Anna Cornelia e Theodorus van Gogh, após o nascimento de um irmão natimorto que receberia também o nome Vincent em homenagem ao avô. Nascido em uma família protestante, com mais cinco irmãos, o pintor sempre buscou a validação paterna e até mesmo se envolveu com a religião por alguns anos, mas nunca foi motivo de orgulho para seu pai. Trabalhando no mesmo ramo de vendas desde seus dezesseis anos, por recomendação do tio, Vincent foi morar com seu irmão mais novo, Theo, em Paris, no ano de 1886. Neste período, o pintor teve contato direto com os representantes do impressionismo, como Emile Bernard, Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgar Degas. Theo foi o maior apoiador do irmão em suas pinturas, e era com ele que Van Gogh tinha a ligação mais forte e mantinha muito contato através de cartas, essa sendo sua segunda paixão, foram mais de 652 correspondências que o pintor enviou durante seus anos de vida apenas para o irmão.

O holandês trabalhou em seus quadros durante seis anos e produziu mais de setecentas obras, nelas é possível observar a rapidez e a força de suas pinceladas, o que, de acordo com o professor e artista plástico Tiago Celestino Bueno, traduz sua enorme necessidade de se expressar. Van Gogh teve um tempo de vida bastante curto. Com uma vida muito conturbada, lutou contra a depressão e outros transtornos mentais, não recebeu diagnóstico ou tratamento adequado, fracassou no amor, teve problemas com seu pai e com álcool, ele se suicidou aos 37 anos, com um tiro no peito após um forte surto de depressão.

Vincent, como preferia assinar por medo de que as pessoas não conseguissem pronunciar seu sobrenome corretamente, também foi proibido de entrar em seu próprio estúdio de pintura pois ingeria tintas e solventes. Mas, diferente do mito da tinta amarela, a qual acredita-se que ele a comia por ser a cor da felicidade, o pintor, na verdade, o fazia para se envenenar e acabar com sua vida. Esse fato foi confirmado através de uma das cartas que ele enviou ao irmão, “Parece que eu pego coisas sujas e as como, embora minhas memórias desses momentos ruins sejam vagas”.

A experiência no pavilhão do shopping nos apresenta alguns trechos dessas cartas, logo após a leitura do ingresso somos imersos na confusão mental do pintor. Suas falas estão distribuídas pelo primeiro pátio, nos conduzindo através dos momentos mais importantes de sua vida e sua sensibilidade com o mundo, sua história é contada pelas cartas que ele redigiu ao irmão com suas obras ao fundo. Neste primeiro momento temos a sensação de conhecê-lo e entender melhor suas frustrações, pensamentos, sentimentos e o que acontecia durante suas loucuras.

Para o professor Tiago Celestino Bueno, Van Gogh tinha a arte como sua religião, as pinceladas eram a forma como ele conseguia se expressar e mostrar tudo aquilo que estava dentro de sua cabeça. Analisando a relação dos girassóis com o pintor fica explícito a depressão que ele vivia, essa flor fica aberta durante o dia com a exposição à luz, porém durante a noite, se fecha. O caminho entre o pavilhão principal e o inicial fica marcado por essa mesma flor, um campo de girassóis iluminados se apresenta de uma forma mágica para o visitante. Nesta parte todos param para tirar uma foto e registrar o momento, é como se estivéssemos em um campo de verdade por alguns minutos. Para Tiago, o fato das obras não estarem presentes não causa nenhuma perda de conhecimento, na verdade, exposições como essa podem aumentar as nossas sensações e percepções do mundo, pois não é apenas um sentido que está sendo explorado, a visão, nós somos imersos em um ambiente pensado para que desde a música as luzes sejam a composição perfeita para entendermos toda a história que está sendo apresentada.

A experiência inteira dura em torno de trinta minutos e notamos uma lógica durante seu trajeto, que de acordo com a artista plástica e curadora Eliana Tsuru, é uma das características mais importantes em uma exposição: é preciso entender o que está diante nossos olhos, mas muitas vezes sem a necessidade de uma explicação verbal, apenas o uso de cores, como por exemplo as lâmpadas amareladas ao longo do campo de girassóis, já são responsáveis por evidenciar que aquele espaço deve transmitir um sentimento bom e que as pessoas sintam-se livres para fotografarem sorrindo. O salão principal abriga as obras de forma fluída, os projetores são responsáveis por nos transportar para dentro das pinturas, os quartos, bares, ruas e campos que Van Gogh pintou ao longo de sua vida. O silêncio é imprescindível nesse momento, pois as mensagens que podemos ouvir são um pouco baixas, mas conforme vemos as pinceladas sendo feitas ao nosso redor, elas nos causam arrepios.

Reprodução: Curitiba Cult

Vincent tinha uma relação muito próxima com a natureza, sua pintura era muito característica dele mesmo e ver, por exemplo, A Noite Estrelada sendo feita bem a sua frente é uma experiência única, o azul e as composições com o branco e o amarelo para formar os círculos característicos de suas obras encerra a experiência com chave de ouro. Na exposição Beyond Van Gogh não temos contato direto com as obras originais, apesar do museu MASP em São Paulo abrigar quatro obras do holandês, a maioria tem sua casa permanente no museu do Louvre, em Paris. A visitação a museus tem sua importância exclusiva, que de acordo com a curadora Eliana, cria uma vibração diferente e deixa o visitante livre para decidir sozinho quanto tempo será necessário para que ele tenha contato com cada obra.

Exposições presenciais restringem um pouco o público, as virtuais, que são aquelas em que temos acesso pelo computador, telefone ou tablet, abrem espaço para mais visitantes, mas perde-se um pouco da característica fundamental de uma visitação que é a percepção individual de cada obra exposta. A arte não é apenas estética, uma foto ou vídeo não é o suficiente para transmitir toda a história ou sentimento de uma única pintura, nesse formato perdemos detalhes que a compõem, não somos capazes de perceber as pinceladas, ou as nuances de cor e os detalhes. Para Eliana, o despertar do campo visual e sensorial é de extrema importância em nosso país, por isso experiências virtuais também são válidas, para criarmos uma cultura mais sensível e ligadas às artes, é necessário um treino para ampliar o nosso conhecimento e entendimento artístico, isso adiciona muita bagagem cultural e pode ser responsável por transformar a vida de pessoas, fazendo-as perceber o mundo como nunca havia feito antes.

A exposição Beyond Van Gogh uniu perfeitamente o virtual com o presencial, perdendo muito pouco as características mais importantes de uma observação, o espaço nos permite admirar as obras e nos aponta discretamente quais detalhes devemos dar atenção em cada pintura.

 

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