Morre Rita Lee aos 75 anos

“Nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa", como ela mesma se definiu. A rainha do rock brasileira morreu na madrugada de terça-feira (09).
por
Beatriz Brascioli
Laura Teixeira
Victoria Rodrigues
|
09/05/2023 - 12h

Morreu nesta terça-feira (09) a cantora Rita Lee, Rainha, ícone e referência de uma geração. A informação foi divulgada por Roberto Carvalho, parceiro de vida e arte da cantora, através de um comunicado em uma rede social. O velório da artista será no planetário do Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, na quarta-feira (10), das 10h às 17h, e será aberto ao público. No comunicado divulgado, a família informou que a cerimônia de cremação, cumprindo um desejo de Rita Lee, será particular para família e amigos próximos.

Rita Lee em sua casa/ Reprodução instagram @ritalee_oficial

Uma jovem revolucionária 

Conhecida pelos seus cabelos pintados de vermelho e franjinha, a “ovelha negra da família" nasceu em São Paulo, em 1947, e desde a infância se interessou  pela música. Em 1963, formou um grupo musical com duas colegas, as “Teenage Singers”, inspirada na banda britânica The Beatles. Como seus pais eram rígidos e contra a carreira artística da filha, Rita cantava e tocava escondida da família

Em 1966, houve uma junção entre a Teenage Singers com a banda Wooden Faces e em pouco tempo surgiu uma nova formação da banda, restando apenas três integrantes: Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. A estreia do programa “O Pequeno Mundo de Ronnie Von” marcou o novo nome da banda como “Os Mutantes", inspirado pela obra de ficção científica “O Império dos Mutantes”. A revista Rolling Stone afirma que a apresentação do dia 15 de outubro de 1966 deu início ao rock psicodélico brasileiro.

Rita foi casada com Arnaldo Baptista, seu primeiro marido e parceiro musical até 1976. No mesmo ano do divórcio, conheceu o guitarrista Roberto de Carvalho, seu parceiro amoroso até o final da vida, se casando pela segunda vez em 1996. Com ele teve seus três filhos, João, Antônio e Beto Lee.

A criação do Tropicália

 Em 1967, o cantor de MPB Gilberto Gil convidou os Mutantes para cantar  a música “Domingo no Parque", no Festival de Música Brasileira. Em sua autobiografia, Rita afirmou ter estranhado o convite, já que na época artistas de MPB criticavam o rock produzido pelos Mutantes, alegando ser um estilo bastante importado dos Estados Unidos.

Capa do Tropicália ou pani et circense/ reprodução internet

 Apesar da apresentação ter sido marcada por vaias, o dia 21 de outubro de 1967 é considerado um marco para o movimento que é conhecido como “Tropicália”, reconhecido por uma mistura de ritmos brasileiros com o rock psicodélico, bebendo bastante do movimento hippie  da época. Em agosto do ano seguinte, o disco manifesto do movimento -  “Tropicália ou panis et circenses” -  foi lançado em parceria de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Gosta e Os Mutantes. O disco era repleto de letras metafóricas que burlavam a censura da ditadura militar, além de ir na contramão do MPB convencional.

A saída dos Mutantes

 Ainda como integrante da banda, Rita Lee lançou a música José e em 1970 seu primeiro LP solo, ambos foram  um sucesso, revelando uma oportunidade em sua carreira. A saída oficial da rainha do rock aconteceu em setembro de 1972,  sob polêmicas de expulsão de Rita do grupo. O último álbum produzido pela banda foi "Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida” e a última apresentação foi na sétima edição do festival internacional da canção em 1972.

Os Mutantes no 3° Festival de Música Popular Brasileira da Record, em 1967 - Acervo UH/Folhapress

 Em 1973, a artista foi para Londres, onde repensou sua carreira como cantora e pintou seu cabelo com o clássico vermelho, além de assumir um visual mais androgeno, inspirado pelo glam rock de David Bowie. O ano de 1975 foi marcado pela primeira vez de Rita Lee como cantora principal na banda “ Rita Lee e  Tutti Frutti". 

 A relação do artista com as drogas permeou a carreira, a quantidade excessiva de ácido usado por ela causou dilemas em seus lançamentos e a maneira subversiva de agir foram motivos para troca de gravadora, indo para a Som Livre, onde teria mais liberdade para criar.

Capa do álbum "Fruto Proibido"

 Em junho de 1975, o álbum “Fruto Proibido” foi lançado, marcando a música nacional com canções como “Ovelha Negra”, “Esse tal de roque enrow” e “Agora só falta você”. Além disso, o álbum despertou a discussão da liberdade feminina, tema bastante importante em toda a carreira de Rita. Esse lançamento a consagrou como rainha do rock brasileiro, sendo a era de ouro da cantora.

Presa na ditadura 

Aos 28 anos, grávida de seu primeiro filho, foi presa em 1976 pela ditadura militar por suposto porte de maconha. Em entrevista à revista Quem em 2010, Rita Lee afirmou que  a prisão foi forjada pelos policiais, porque tinha parado de fumar devido a gravidez. Ela sempre criticou o regime, tanto nas músicas como nos comportamentos dentro de palco, conhecida como a artista mais censurada na ditadura.

 Em entrevista ao “Globo” em 1976, a cantora afirmou  que viveu momentos tensos na prisão, sem saber se sairia de lá. “Se eu não estivesse grávida, acho que não suportaria. Ele me deu muita força, naquele momento de desespero”, disse na época. 

 Ao ser libertada, foi condenada a um ano de prisão domiciliar e multa de 50 salários mínimos da época. Rita sempre deixou sua marca registrada, tanto que em seu primeiro show após a condenação usou um figurino que remete a roupa de presidiário. 

Rita Lee a caminho do primeiro show depois da condenação. Foto: reprodução/ Twitter

Mesmo em um período repressivo, a artista representava a liberdade sexual feminina e tratava assuntos considerados “tabus” pela sociedade de uma maneira natural, em um período em que o Brasil estava sob uma ditadura militar. 

A despedida dos palcos

No ano de  2012, a cantora decidiu deixar os palcos, o anúncio foi feito em redes sociais. “Me aposento dos shows, mas da música nunca”, declarou a artista. Porém, em 2015, participou do show em comemoração aos 459 anos da cidade de São Paulo. 

No show de despedida, em 2012, a artista não deixou de lado seu ativismo e parou o show devido à invasão policial na plateia. Os policiais estavam revistando o público enquanto a Rita fazia seu show. “Sou do tempo da ditadura, pensando que tenho medo?”, esbravejou a cantora. 

 A ​​​​situação aconteceu em Aracaju, no estado de Sergipe, na mesma noite, parou na delegacia, enquadrada pelo crime de “desacato e apologia ao crime ou ao criminoso”. Os agentes estavam buscando pessoas que fumavam maconha, de acordo com uma nota emitida pela secretaria de segurança pública do estado. Incomodada, Rita no palco interrompeu o show para entender a confusão, confrontando os policiais.

Eu quero falar, tenho o direito. Esse show é meu, não é de vocês. Esse show é minha despedida do palco e vocês continuam tendo que guardar as pessoas, não agredir. Seus cachorros – coitados dos cachorros. Cafajestes. Vocês estão fazendo de propósito. Eu sou do tempo da ditadura. Vocês pensam que eu tenho medo?”, afirmou a cantora.

No Twitter, comentou sobre o caso. "Polícia dando trabalho para mim. Quer me prender. Embasamento legal não há. Não retiro uma palavra do que disse, o show era meu!”, publicou.

Best seller 

Rita Lee tem livros de sua autoria, duas autobiografias, a primeira, "Rita Lee: uma autobiografia”, foi lançada em 2016 e se tornou  best seller no Brasil. No livro, ela cita momentos de sua vida “revivi tudo e foi bom”, disse a cantora em entrevista ao jornalista Pedro Bial. Também lançou um livro de contos, “Dropz”, de 2017, um livro de fotografia em 2018, o “FavoRita”. Em 2019, lançou uma obra infantil chamada “Amiga Ursa” e sua última publicação, "Uma outra autobiografia", será lançada no dia 22 de maio de 2023, e já está em pré-venda.

O fim…?

Em 2021, Rita Lee foi diagnosticada com câncer no pulmão e logo começou seu tratamento de imunoterapia e radioterapia. No ano seguinte, ela já estava curada. Dois anos depois, em abril de 2023, o programa Altas Horas da Rede Globo, apresentado por Serginho Groisman, foi dedicado para homenagear a cantora, contando com diversas participações como de Paula Toller, Fernanda Abreu, Luísa Sonza, Céu, Zezé Motta, Tico Santa Cruz, Tiago Iorc, Manu Gavassi, Paulo Ricardo e Tom Zé. Seu filho Beto Lee  também relembrou momentos com a mãe. “A gente se divertia o tempo todo assim”, afirmou. O marido de Rita compartilhou um vídeo da cantora acompanhando, de casa, a homenagem.

No capítulo chamado de “Profecia”, em sua autobiografia de 2016, Rita fala de como seria sua morte. “ Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando minha autohamp e cantando para Deus:‘ Thank you lord, finally sedated’.” Visionário, Rita Lee parecia entender que sua morte seria um dia triste, cheio de saudades, mas com uma boa trilha sonora.

Tags: