Morre Paulo Mendes da Rocha, um dos ícones da cultura arquitetônica brasileira

Aos 92 anos, o arquiteto faleceu no último dia 23 de maio, após perder uma batalha para o câncer
por
Barbara Ferreira, Diogo Moreno, Flávio Guion e Isabel Gaspar
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22/06/2021 - 12h

“Sua morte foi uma grande perda para a arquitetura, não só no Brasil mas em escala mundial”, lamenta Vinicius Gessi, arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FAU-Mackenzie), mesma instituição em que estudou Paulo Mendes da Rocha (PMR), morto em maio de 2021 por câncer.

Capixaba, Mendes da Rocha foi, ao lado de Vilanova Artigas, um dos expoentes da chamada Escola Paulista de Arquitetura, corrente de arquitetos modernistas paulistas que se identificavam com o brutalismo e se distanciavam do aspecto “beaux-arts” do modernismo carioca de Niemeyer.

Mas PMR e Niemeyer não tinham em comum apenas raízes modernistas; partilhavam também de grande reconhecimento nacional e internacional, sendo os dois únicos arquitetos brasileiros a ganharem o Prêmio Pritzker, o mais importante a nível mundial.

“É muito difícil ganhar esse prêmio. É como se fosse um Oscar”, afirma Vinicius sobre o Prêmio Pritzker, entregue anualmente ao arquiteto que melhor alcança os “princípios de Virtrúvio”: solidez, beleza e funcionalidade.

O arquiteto paulista, aliás, acumulou importantes prêmios ao longo de sua carreira. Já aos 29 anos de idade, por exemplo, venceu o concurso para o ginásio do Clube Paulistano, o que lhe rendeu o Grande Prêmio Presidência da República, na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, 1961.

Recebeu também, em 2016, o Prêmio Imperial do Japão e, no ano seguinte, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza e a Medalha de Ouro do Real Instituto de Arquitetos Britânicos. Neste ano, receberia a Medalha de Ouro da União Internacional dos Arquitetos (UIA), porém foi impedido pela pandemia e por seu falecimento.

Além de arquiteto, Mendes da Rocha foi também urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), onde passou a lecionar após convite de Vilanova Artigas. Ambos, entretanto, membros do Partido Comunista, foram afastados da instituição após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968, apenas retornando em 1979.

“Foi a primeira aproximação com PMR, seguida pelo acompanhamento de projeto que concorria à seleção de projetos estudantis da UIA em 1980, e depois no 5º ano, como orientador do trabalho de graduação interdisciplinar para conclusão do curso”, conta Renata Semin, sócia do Piratininga Arquitetos Associados e ex-aluna da FAU-USP, sobre seus primeiros contatos com Mendes da Rocha, após seu retorno à vida universitária.

Semin conheceu de perto o mestre da arquitetura. Depois de formada, trabalhou junto com PMR em diversos projetos arquitetônicos, como o do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP e o encomendado pela Prefeitura de São Paulo ao se candidatar para ser sede das Olimpíadas de 2012.

“Experiência marcante e indelével para o amadurecimento profissional e pessoal, dados os desafios colocados”, comenta Renata. “A comunicação sempre aconteceu em encontros informais, reuniões de trabalho, sempre com papel e lapiseira na mesa e a exposição clara do objetivo de cada projeto e sua contextualização. [PMR] Entendia perfeitamente a evolução tecnológica para o projeto, mas não era afeito à dissociação da conexão mente-mão”.

 

O brutalismo

Definir a corrente arquitetônica da qual Mendes da Rocha fez parte, o brutalismo, não tem sido tarefa fácil, devido à grande abrangência do termo e diversidade de obras ao redor do mundo.

O nome “brutalismo” origina-se nos anos 1950 do conceito de “béton brut” (concreto aparente), utilizado por Le Corbusier, e passa a designar uma arquitetura exposta, crua, sem receio de esconder suas formas e materiais brutos.

O uso do concreto cru e predominância de ângulos abruptos, bem como de escala geralmente monumental, fazem com que as obras brutalistas tenham uma certa imponência. Isso faz com que, comumente, sejam referenciadas no meio audiovisual como a personificação da grandeza.

Mais do que apenas gerar impacto emocional no observador, a arquitetura brutalista provou-se muito eficaz para a criação de moradia para grandes contingentes populacionais. Seu exemplo mais notório é o da União Soviética, nas décadas de 1950 e 1960.

Paulo Mendes da Rocha, não fugiu a esses preceitos brutalistas e buscou sempre a veia da praticidade e da inclusão social, vistas, por exemplo, em projetos urbanos e arquitetônicos que prezavam pela convivência social harmônica. “A ideia de eliminar barreiras para a convivência/vivência é ponto de partida do projeto [de PMR], seja na escala de uma residência unifamiliar ou na de edifícios que reúnem muita gente”, afirma Renata Semin.

Ainda assim, recentemente, o arquiteto foi alvo de críticas referentes ao alto custo e inacessibilidade de realização de suas obras.

 

Legado

Também criticada foi a decisão de Mendes da Rocha, em 2020, de doar todo o seu acervo profissional à Casa da Arquitectura, instituição cultural portuguesa voltada à divulgação da arquitetura pelo mundo. No total, mais de nove mil itens foram embarcados para Portugal, entre desenhos, fotografias, projetos e maquetes.

À época, em entrevista à Folha de S. Paulo, defendeu-se: “Antes de mais nada, gostaria que vissem a doação que fiz como uma manifestação da liberdade que tenho de fazer o que eu quiser. Compreendo muito bem quem acha que eu fiz mal. Como disse, eu respeito a liberdade — a minha e a de todos”.

Entretanto, a parte mais importante de seu trabalho permaneceu em solo brasileiro, na forma de um legado para as próximas gerações: suas obras. Moradores de cidades como São Paulo, ainda quando não familiarizados com o nome do arquiteto, cruzam diariamente com edifícios e espaços por ele desenhados.

Do SESC 24 de Maio da marquise da Praça do Patriarca à reforma da Pinacoteca; das Casas Gêmeas à reforma do Museu da Língua Portuguesa. O trabalho de Mendes da Rocha se espalha pela urbe paulistana e reproduz o apreço do arquiteto pela liberdade, impresso em obras com muitos vãos e estruturas que deixam o ar, a luz e as pessoas circularem livremente. “A arquitetura dele era preocupada com ambientes, espaços, principalmente fachada, vidro e cobogó”, comenta Vinicius.

Nunca ficara encastelado em seu escritório, embora tivesse medalhas, prêmios, fama internacional, o nobre arquiteto usufruía a cidade, através de saberes e percepções, sempre pensando em transformar região de central de São Paulo mais inclusiva e coletiva. Dessa maneira, simples e sofisticada, PMR concluiu seu traçado.

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