A metamorfose do trap americano

Com novos lançamentos, gênero se revigorou, trazendo avaliações positivas da crítica e do público
por
Davi Garcia
|
08/05/2023 - 12h

No começo de 2023, o rapper Lil Yatchy lançou seu quarto álbum de estúdio, chamado Let’s Start Here, em que o americano se utiliza do rock psicodélico e dramático, visto logo na primeira música, “the  BLACK seminole”, além de se desenvolver para uma estética dos anos 70/80, com as músicas “the rIde” e “drive ME crazY”.

 

Avaliações de Let's Start Here no site albumoftheyear.org
Avaliações de Let's Start Here no site albumoftheyear.org

Porém, ele é o primeiro a mudar bruscamente?

Para isso, deve-se conhecer o ritmo musical que mais cresce no mundo. O trap é um subgênero do hip-hop/rap, surgido e criado nos Estados Unidos por DJ’s em baladas. É caracterizado pelo destaque nas batidas e nos samples, utilizando-se de músicas de todos os gêneros e épocas para a batida, além de uma lírica forte e letras não tão significativas, como no caso do rap.

Os pioneiros no gênero são Chief Keef e Waka Flocka Flame, Gucci Mane, Rick Ross, Nicki Minaj, Future e Fetty Wap, além de Diplo, quem popularizou esse gênero na mescla com a música eletrônica. Atualmente, Future, Playboi Carti, Travis Scott, Young Thug ocupam ainda mais o topo dos charts e rankings de ouvintes nas plataformas digitais.

Gunna, Young Thug e Travis Scott, referências do trap. (Reprodução/High Hype no Twitter)
Gunna, Young Thug e Travis Scott, referências do trap. (Reprodução/High Hype no Twitter)

Ao voltar para Lil Yatchy, mais conhecido também como Lil Boat, o americano veio de uma leva de artistas que eram denominados  "SoundCloud rappers". Soundcloud é um aplicativo de streaming mais independente, onde qualquer pessoa pode lançar suas obras para nichos específicos poderem ouvir. Yatchy se utilizou do trap padrão por um bom tempo, sendo criticado pela mesmice de suas obras anteriores. Para seu novo álbum, o rapper disse em uma audição coletiva: “Este álbum é tão especial e querido para mim... acho que criei só porque queria muito ser levado a sério como artista, sabe?".

Então, em janeiro deste ano, “Let’s Start Here” foi lançado, com a crítica destacando a reviravolta de um trapper que se prendia a letras sobre o “rockstar lifestyle” com mulheres, drogas e muito dinheiro. A renomada revista Rolling Stone avalia como: “Uma ambiciosa volta do rapper e músico incorporando rock experimental e jazz com execução quase perfeita, chegando a algo que parece genuinamente novo.” Lil Yatchy contou com a participação de gigantes da indústria musical, principalmente das áreas do blues, jazz, psicodélico, rock; como Tame Impala, Daniel Ceasar, MGMT, Teezo Touchdown, Diana Gordon etc.

 

Lil Yatchy saiu do trap convencional para se descobrir no rock psicodélico, com influências de gigantes do gênero, como Tame Impala. (Spotify)
Lil Yatchy saiu do trap convencional para se descobrir no rock psicodélico, com influências de gigantes do gênero, como Tame Impala. (Spotify)

Outra obra em que é possível observar uma mudança é “Whole Lotta Red”, lançado em dezembro de 2020 pelo rapper Playboi Carti, onde faz o uso da estética punk e do rage, como desabafos de sua vida e pensamentos, perceptível logo em sua capa, onde faz referência à capa da revista punk dos anos 70/80 Slash.

À esquerda, capa da revista Slash. À direita, capa do álbum Whole Lotta Red.
À esquerda, capa da revista Slash. À direita, capa do álbum Whole Lotta Red.

A crítica qualifica “Whole Lotta Red” como diferente de tudo que viu no trap, como diz a Pitchfork, portal especializado em avaliações e textos sobre música: “O terceiro disco do rapper de Atlanta é extremamente inovador e surpreendentemente consistente. É difícil, melódico, experimental e diferente de tudo que acontece no rap mainstream”.

Carti, no entanto, também tinha sua sonoridade voltada ao trap “padrão”, como visto em seus outros trabalhos: "playboicarti" e "Die Lit". Porém, a partir dali, não só musicalmente, mas toda sua estética moldou-se ao redor do rock e punk, como em seus shows e até mesmo na maneira de se vestir.

À esquerda, em 2018, onde Playboi Carti utiliza roupas e marcas característiscas do trap. À direita, o punk presente em maquiagem, vestimentas e cabelo. (Reprodução/OKAYPLAYER)
À esquerda, em 2018, onde Playboi Carti utiliza roupas e marcas característiscas do trap. À direita, o punk presente em maquiagem, vestimentas e cabelo. (Spotify/OKAYPLAYER)

Para o influenciador “A Clave do Fá”, que traz conteúdos e reviews sobre todos os tipos de música em seu TikTok, o trap vem mudando, pois “há um esgotamento no gênero, que desde os meados da década passada, quando o Future, Migos e Travis Scott definiram a sonoridade trap ao mainstream, com algo que agrada às massas, principalmente à juventude.” O crítico ainda cita que podem ser um sucesso comercial, mas ficam aquém no quesito qualidade e inovação.

A Clave do Fá, em sua review sobre o álbum Let's Start Here no Tiktok.
A Clave do Fá, em sua review sobre o álbum Let's Start Here no Tiktok.

E continua: “Mas esses (Let’s Start Here e Whole Lotta Red), em persona e atitude, variam do padrão. O gênero e os artistas no movimento do trap tentam e vão além para inovar, como os lançamentos de artistas mais novos como Denzel Curry e JID, ou até os mais velhos com Black Thought e Danger Mouse, que lançaram os três melhores álbuns de rap/trap do ano passado".

O trap, como foi popularizado, ainda é o produto mais consumido – afinal, os maiores ainda se utilizam da fórmula que os fez crescer. Contudo, novos trabalhos abrem uma margem extremamente interessante para que novos ou velhos artistas possam se reinventar e sair fora da caixa. O gênero permite. É assim que surgiu.

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