Metamorfose Ambulante: quem é Andréa Werner?

Em seu primeiro mandato, a deputada estadual transforma a experiência pessoal em senso de justiça social
por
Marcela Rocha
Giuliana Zanin
|
13/09/2023 - 12h
Poder por Elas - Andréa Werner
Andréa Werner participa do quadro Poder Por Elas/Foto: Agemt

Nas eleições de 2022, Andréa Werner foi eleita deputada estadual de São Paulo pelo Partido Social Brasileiro (PSB). Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), tornou-se ativista dos direitos das pessoas com autismo após receber o diagnóstico do seu filho Théo.

Quem é Andrea Werner antes da política?

Andréa é formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Em meados de 2001, mudou-se para São Paulo, cidade onde conheceu o seu marido e teve o filho, em razão do estágio que conseguiu como trainee da Unilever.

Em entrevista à Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), a militante comenta sobre a infância ‘com o pé no chão’. “Me mudei várias vezes de cidade”. Foi para Divinópolis, Governador Valadares, e BH, onde se formou. Ela desabafa como sua adolescência foi difícil. “Não me encaixa em nenhum grupo”.

No primeiro trimestre de 2023, a mãe de Theo recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e conseguiu compreender melhor o seu passado. “ Uma pessoa completamente diferente de quem eu sou hoje”, complementa Werner.

O que a motivou a buscar ajuda psicológica foi a confirmação do diagnóstico de autismo de Théo, em 2010. Então, numa tentativa de compartilhar suas experiências como mãe de um autista, criou o blog “Lagarta Vira Pupa”, referência a um desenho que o filho amava. Sua voz ganhou apoio de outras mães e da comunidade brasileira do autismo. A jornalista discute sobre temas estigmatizados de uma forma simples, como o reconhecimento e a aceitação do autismo pelos familiares.

Entre 2016 e 2017, Andréa lançou dois livros, “Lagarta Vira Pupa: A vida e os aprendizados ao lado de um lindo garotinho autista” e "Meu amigo faz iiiii". Mas, segundo a deputada,  escrever não preenchia o senso de justiça social carregado em seu peito e tampouco resolvia a desigualdade no Brasil. “Foi essa falta de me conformar com as coisas que me trouxe para a política.”, afirma Werner.

“Nos últimos anos, procurei parlamentares diversas vezes para apoiar e acolher pessoas com deficiência e suas famílias e sequer recebi atenção. Nunca havia espaço na agenda, até mesmo para resolver os casos mais graves. Essa causa, a nossa causa, não é prioridade na Alesp. Só vira prioridade para alguns na época da eleição.”, destaca Andréa em seu site oficial.

Andréa política

Em 2018, a mineira se candidatou à deputada federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), mas não garantiu sua entrada ao Congresso. Nas eleições de 2022, ela foi eleita como deputada estadual.

No primeiro ano de mandato, a deputada está ativa em alguns projetos de leis. Entre eles:

•    Vedou a clausura da Lei dos Planos de Saúde que aprovava a rescisão unilateral de contrato de convênios durante a internação ou tratamento de alguns pacientes. A partir de agora, os planos precisam cobrir o cuidado dos beneficiários pelo menos até o fim do tratamento;

•    Alterou a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, incluindo pessoas com TDAH ao direito de acompanhamento psicológico em escolas;

•    Foi contra a “Educação Especial”, decretada ainda no governo Bolsonaro, que apoia a separação por salas de pessoas com deficiência e neurodivergentes, que impedia a socialização e o convívio entre os jovens em escolas regulares.

Em seu 1.º projeto de lei aprovado na Alesp, Andréa se comprometeu a lutar pela voz de pessoas com deficiências e neurodivergências. No Projeto estão prevista algumas medidas, como:

•    Garantia de que os alunos terão direito a acompanhante especializado;

•    Imposição de multa a quem rejeitar matrícula de alunos com deficiência;

•    Proibição da limitação de alunos com deficiência por sala.


A vida após o diagnóstico

Andréa compartilhou publicamente o diagnóstico de autismo ainda no primeiro semestre de 2023. Foram seis meses de avaliações psicológicas e um relatório de 29 páginas. Ela conta que recebeu apoio de colegas, mas que poucas pessoas falaram sobre o assunto. “Eles precisam de tempo para se acostumar e compreender o que é ter uma colega deputada autista”, relata a parlamentar do Gabinete da Inclusão.

Para ela, muitos de seus sintomas faziam referência ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas outros não encaixavam em nada. “O diagnóstico (de autismo) foi bom para eu entender coisas que sempre foram muito difíceis para mim.”

A deputada menciona também a dificuldade da medicina tradicional em diagnosticar principalmente mulheres, e utiliza de exemplo a própria experiência e de suas seguidoras, que enviam mensagens dizendo que os médicos sequer consideram uma avaliação neurológica porque  ‘se comunicam muito bem’.

Andréa explica que a comunicação vai além da expressão verbal: “Não é só falar bem. É entender a troca, o assunto apropriado e a expressão facial do outro. É muito tenso ser uma pessoa que não consegue ler situações sociais de uma forma natural. Gera muita angústia. Mas hoje é normal: Eu sou uma mulher autista.”

No gabinete

Sobre a agenda de trabalho na Assembleia Legislativa, Andréa comenta que, desde o primeiro momento, foi muito bem recepcionada na casa pelos funcionários e outros parlamentares.

Em seu gabinete, a deputada põe em prática tudo aquilo que defende em seu ativismo social: a inclusão, a sensibilidade e a adequação do mercado de trabalho para pessoas autistas. O quadro de funcionários conta com pessoas diagnosticadas com TEA, TDAH e bipolaridade, toda a projeção e organização do espaço é pensado para tornar o dia a dia mais confortável para os  trabalhadores.

O ambiente de trabalho possui luzes baixas e lâmpadas amareladas, que o tornam mais aconchegante e menos prejudicial para a fotofobia presente na sensibilidade sensorial autista. No cartão de contato dos funcionários é possível sentir o relevo tátil da escrita em braille.

Cartão de contato do gabinete de Andréa
Cartão de contato do gabinete da deputada estadual Andréa Werner / Fonte:Marcela Rocha

 

Uma de suas pautas é repensar as formas de convenções sociais exigidas pelo mercado de trabalho, que exclui pessoas autistas por como se relacionam. “Eu já sofri muito no mercado com minha personalidade. Eu converso com todo mundo, mas é difícil para mim manter o sorriso social”, recorda. Assim, Andréa mostra respeito pelos limites dela mesma e de seus funcionários, a partir de ações que visem ajudar e deixar o âmbito profissional acolhedor.

“Metamorfose Ambulante” é como Andréa se define diante das transformações e que vive no momento. “Quando eu dei o nome do meu instituto de “Lagarta Vira Pupa”, eu achava que a lagarta era o meu filho e eu pensava que ele havia se fechado para o mundo em uma pupa e que ele podia ‘mudar’ com a terapia. Mas ele não precisa. Ele é lindo do jeito que ele é. Quem entrou na pupa, na verdade, fui eu. A lagarta nunca foi o Théo, sempre foi eu”.

Andréa Werner com camiseta escrito "Lute como uma mãe".
A luta de Andréa começou como mãe de autista e hoje ela debate no plenário como uma mulher autista.
Fonte: perfil no Instagram oficial da deputada