Após o cancelamento do Met Gala de 2020 em decorrência da pandemia da Covid-19, todos os holofotes estavam voltados para um dos eventos de moda mais famosos e esperados que ocorreu nesta segunda-feira (13/09) em Nova York, o Met Gala 2021. Com uma lista extensa e diversa de celebridades, a edição deste ano foi dividida em dois temas: "Na América: Um Léxico da Moda", que ocorreu esta semana, e "Na América: Uma Antologia da Moda", que estreará no dia 5 de maio de 2022.
A lista de convidados é feita pela editora-chefe da Vogue USA, Anna Wintour, e as celebridades devem se vestir de acordo com o tema escolhido para a edição em questão. Envolvendo temas estilo estadunidense, foram vistas muitas roupas que carregavam importantes símbolos da cultura local e da história do país, bem como o fez a poetisa Amanda Gorman, ao fazer referências à Estátua da Liberdade no seu visual.
A moda em si é um ciclo que contempla as necessidades e movimentos culturais, sociais e políticos de cada época. Para a melhor análise histórica, uma linha do tempo do estilo estadunidense pode ser traçada:
A identidade de moda do país se iniciou a partir do meio do século 19 até o início do século 20, com o surgimento do estilo cowboy: chapéu country, peças de couro, franjas, botas, colete e camurça. Algumas das celebridades que trouxeram essa leitura para o evento foram Jennifer Lopez, Maluma e Leon Bridges.
Sendo um dos símbolos da moda dos anos de 1920, o clássico vestido preto básico ganhou espaço durante o evento. Criado por Coco Chanel em 1919, o “black dress” - vestido feito no tecido crepe com mangas compridas e justas - causou certa estranheza quando a peça foi lançada, uma vez que na época, a cor preta era símbolo de luto e portanto, não era usada no cotidiano pelas pessoas. Entretanto, essa visão passou a ser contestada por volta de 1926, quando a Vogue dos EUA apelidou o modelo de “a Ford da estilista” e afirmando que dentro de pouco tempo, o vestido seria uma nova tendência.
O “pretinho básico” tornou-se ainda mais popular ao ter sido referência para os clássicos figurinos de Audrey Hepburn, no filme “Bonequinha de Luxo” (1961). Adaptando-se ao Met Gala, Troye Sivan se inspirou em tal peça para a sua composição no evento, utilizando um decote arredondado, baixo e com recortes na cintura. Além disso, Sivan acrescentou à referência um colar de prata, que lembra a gargantilha de diamantes usada por Hepburn no filme.
Em relação à década de 1950, outras referências foram observadas, principalmente na escolha dos tecidos para compor os vestuários. É importante ressaltar que após o período das grandes guerras, a moda enfrentou uma considerável revolução. Com tecidos mais leves e maleáveis e a adoção do corte, até então masculino, como calças, foi apropriado pela moda feminina. Vale destacar a influência crescente do jeans, tecido adotado por Lupita Nyong'o em seu vestido para o evento, que reconheceu a importância e impacto que ele trouxe na história dos EUA.
Outro estilo que ganhou destaque na noite foi o hippie, que se categoriza pelos tecidos leves e coloridos. Esse movimento se tornou ainda mais popular com o Festival Woodstock, que teve a sua primeira edição em 1969, recebendo artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jefferson Airplane. Lourdes Maria Ciccone Leon, filha da cantora Madonna, fez referência ao famoso estilo de Cher no evento, com cabelo longo preto, vestido com cores vibrantes e recortes ao longo da cintura, busto e costas.
O período de 1970 foi marcado também pelos vestidos floridos, muitos acessórios e houve uma série de referências nas peças usadas pelas celebridades presentes. Nos EUA, estilistas como Roy Halston Frowick e Calvin Klein se destacaram por buscar fazer roupas sofisticadas e ao mesmo tempo concisas. No Met Gala 2021, a atriz Lili Reinhart utilizou um vestido rosa claro e com diversas flores coloridas originárias de cada estado do país.
A década de 1980 se destacou pela popularização dos ternos, saias e vestidos longos. A ostentação de dinheiro se tornou parte do vestuário, bem como se viam nos filmes em que as atrizes usavam acessórios caros e bolsas de coleção. Em contraposição a esse novo estilo, nasceu o movimento Punk, que se opunha à sociedade de consumo. Tachas, roupas pretas de couro, coturnos e alfinetes se tornaram populares e foram usadas por celebridades no evento, como Evan Mock.
Já os anos de 1990, foram marcados pela diversidade de estilos, uma vez que variam entre jeans coloridos e blusas básicas de malha fina. Calças despojadas, bermudas e camisas xadrez foram marco também dessa década a partir das coleções feitas por Perry Ellis e Marc Jacobs. Entre outros visuais, está a calça de cintura alta e o jeans rasgado. O cinema também teve grande influência na moda desse período, como o filme Matrix (1999) que inspirou a atriz Maisie Williams em sua composição para o evento.
Mais inspirações Hollywoodianas ocorreram no Met Gala deste ano. Releituras de trajes clássicos do cinema como o de Emily Blunt, inspirado no vestido atemporal usado por Hedy Lamarr no filme “Ziegfeld Girl”, de 1941 e também o de Kendall Jenner, inspirado na atriz Audrey Hepburn no filme “My fair lady“, de 1964.
O protesto por meio da moda também foi visto. O mais comentado foi o de Jeremy Pope, cantor, ator e ativista no movimento negro. Pope apresentou uma composição que fazia alusão a escravidão nos Estados Unidos. Com roupa branca e uma grande capa, que relembra os grandes sacos de algodão carregados nas costas dos escravos. O ator postou em seu instagram uma foto de seu traje, juntamente com um registro da época; na legenda um discurso emocionante: “Eles plantaram sementes de beleza. Serviram em campos com força indescritível, e colheram uma espécie de excelência que iria ser relembrada por eles durante séculos. Para que pudéssemos um dia nos levantar, nos alongarmos em direção ao sol, e contar a história deles”.
Este evento mostra o quanto a moda em si é volátil e que se baseia em desejos momentâneos de mercado, que com o tempo, saem de uso. A indústria têxtil adotou a forma de produção capitalista e se deixou influenciar pela dinâmica de superprodução: fazer muitas peças de acordo com as principais tendências do momento, com o objetivo de vender a maior quantidade possível - e, consequentemente, lucrar ainda mais. Esse método ganhou considerável incentivo nos EUA no período em que houve a chamada “crise do petróleo”. Nesse sentido, procura-se no meio a mão de obra barata, de modo criar um ciclo análogo à escravidão. Dentro do contexto mencionado, nasceu o termo “fast fashion”, junto às atuais lojas de departamento.
Ao não ter a qualidade das peças como prioridade, o meio ambiente é uma das principais vítimas desse processo. De acordo com um relatório feito pela McKinsey & Company e Global Fashion Agenda, essas roupas fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes pelos consumidores e geram 400% mais emissões de carbono do que peças comuns - que são utilizadas 50 vezes. Vale lembrar que esse tipo de produção não polui apenas por conta da emissão de carbono, - uma vez que a fibra têxtil mais empregada na produção é o poliéster, um plástico - que demora cerca de 200 anos para se decompor. Além disso, para produzir fibras têxteis, é preciso desmatar, utilizar fertilizantes, agrotóxicos, extrair petróleo e transportar, entre outras formas de poluição.
Sendo assim, o Met Gala 2021 reforça a importância de se consumir uma moda consciente e que não esteja apegada apenas às tendências; mas também ao registro sociocultural que envolve toda a história milenar da produção de tecidos e de peças em si.