Medicina do Esporte tem evolução e limitações

A nova visão que o futebol nacional tem com o tratamento de seus atletas
por
Enrico Peres
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21/11/2025 - 12h

Por Enrico Peres

 

Quando o atacante Lucas Maranhão rompeu o ligamento cruzado anterior pela segunda vez, no início de 2023, o departamento médico do clube onde atuava, um dos mais bem equipados do país, garantiu que ele teria acesso ao melhor da tecnologia esportiva brasileira. Câmaras hiperbáricas, sensores de carga, análise biomecânica completa, fisioterapia guiada por softwares de precisão. Ainda assim, após meses de avanços e recuos, Lucas deixaria o futebol profissional aos 29 anos, sem conseguir recuperar o equilíbrio muscular necessário para suportar o impacto das arrancadas que sempre foram sua marca.

O caso dele continua sendo citado discretamente entre profissionais da área: um lembrete incômodo de que, mesmo em meio ao salto tecnológico do futebol nacional, há limites que nenhum equipamento consegue vencer.

Nos últimos anos, clubes de elite como Palmeiras e Flamengo transformaram seus departamentos médicos em verdadeiros laboratórios de alta performance, adotando metodologias antes restritas a centros europeus. Dispositivos vestíveis: GPS, acelerômetros, monitores cardíacos, que registram cada movimento dos atletas, identificando padrões de desgaste e estimando risco de lesão em tempo real. Plataformas integradas cruzam dados de treinos, jogos e sono, oferecendo aos fisiologistas uma radiografia completa do corpo de cada atleta.
A promessa é simples e sedutora: antecipar problemas antes que eles aconteçam, recuperar jogadores mais rápido, prolongar carreiras.

Mas a história de Lucas expõe que nem sempre essa engrenagem sofisticada é suficiente. No período pós-operatório, seus relatórios mostravam evolução: ganho de força, melhora no equilíbrio, carga relativamente controlada. No entanto, pequenos desalinhamentos biomecânicos, quase imperceptíveis fora de softwares avançados, que continuaram limitando seus movimentos. Mesmo assim, o retorno aos treinos acabou acontecendo dentro da janela prevista. E foi ali, ainda sem plena confiança no joelho, que a lesão voltou a se manifestar.
As tecnologias mais modernas ajudavam a explicar o que estava acontecendo, mas não conseguiam impedir.

À medida que os clubes brasileiros se modernizaram, também ampliaram suas estratégias de recuperação. A crioterapia virou rotina após jogos intensos; a eletroestimulação e a laserterapia passaram a integrar protocolos de retorno ao treino; câmaras hiperbáricas aceleram processos cicatriciais antes considerados demorados demais para temporadas apertadas.
É um arsenal que aproxima o país das referências globais, mas que também exige investimentos contínuos e profissionais altamente especializados.

Por isso, a distância entre os gigantes e o restante do futebol brasileiro permanece evidente. Em alguns clubes, como a Portuguesa, estruturas que um dia foram consideradas de ponta perderam competitividade diante da falta de investimento. O mesmo aconteceu com o São Paulo, que durante anos foi referência no tratamento e na recuperação de atletas, mas viu suas instalações e metodologias ficarem defasadas frente ao ritmo acelerado das principais instituições.
Essa desigualdade impacta diretamente as carreiras de jogadores que não têm acesso ao mesmo nível de prevenção e acompanhamento que Palmeiras e Flamengo oferecem diariamente.

A evolução do país nessa área também foi impulsionada pelo intercâmbio internacional. Profissionais brasileiros passaram temporadas em centros como Bayern de Munique e Manchester City, trazendo para casa modelos de monitoramento contínuo, protocolos de reabilitação intensiva e novas formas de integrar tecnologia aos departamentos médicos. Ao mesmo tempo, clubes nacionais fecharam parcerias para importar equipamentos e softwares atualizados, acelerando a profissionalização dos cuidados com o atleta.

Ainda assim, a medicina esportiva não elimina a dimensão humana presente em cada lesão. O corpo de um jogador não responde apenas aos estímulos registrados em gráficos e relatórios. A recuperação envolve confiança, tempo, subjetividade, variáveis invisíveis que nenhum algoritmo domina completamente.
O caso de Lucas Maranhão se tornou emblemático por isso: mesmo cercado pelo que há de mais moderno, seu corpo já não sustentava o jogo que ele tentou resgatar.

Hoje, os departamentos médicos mais avançados do país funcionam como centros de ciência aplicada ao esporte, integrando médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e analistas de dados. A promessa é clara: prolongar carreiras, reduzir lesões, entregar o atleta no auge por mais tempo.
Mas a realidade — interpretada à luz dos casos como o de Lucas — mostra que a tecnologia redefine limites, mas não os apaga. Ela transforma o futebol brasileiro, encurta retornos, amplia possibilidades, mas ainda convive com um fator inevitável: a vulnerabilidade do corpo humano.

E talvez seja justamente na interseção entre máquinas e músculos, que o futuro do futebol brasileiro esteja sendo escrito. Um futuro onde cada avanço tecnológico será tão decisivo quanto a capacidade de entender que, por trás dos gráficos e sensores, existe sempre um atleta tentando salvar sua própria carreira.