MAZZAROPI: O HOMEM QUE REINVENTOU A FIGURA DO CAIPIRA

Artista revolucionou o cinema brasileiro com sua interpretação de Jeca Tatu
por
Dayres Vitoria
Victoria Nogueira
|
05/05/2022 - 12h

Reinventou  a figura do caipira e principalmente  o consagrou como parte da cultura popular do Brasil, esse foi Amácio Mazzaropi, importante humorista e cineasta brasileiro que, com sua personalidade, foi capaz de divulgar a imagem do caipira pelo Brasil através de seus filmes, em que na maioria deles  era o  protagonista. 

O “Charles Chaplin brasileiro”, como é considerado por muitos fãs e até mesmo críticos,  ajudou a consolidar uma indústria da comédia cinematográfica 100% nacional ao trazer ao público o modo de viver de um cara simples do interior. Em seu filme  “Jeca Tatu”, de 1959, o personagem caipira Jeca, apesar de ser um homem preguiçoso - ideia  pejorativa atribuída ao conceito de caipira criado por Monteiro Lobato -  desmistifica percepções equivocadas sobre quem é o caipira. 

Segundo o  pesquisador de cinema e professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp) Eduardo José Afonso,  Mazzaropi  fez algo inédito ao ser capaz de jogar por terra esse estereótipo a respeito do personagem cuja a personalidade, conforme o professor aponta, representa a maioria dos pobres majoritariamente desvalorizados e tidos como atrasados e analfabetos.  

Ainda de acordo com o  professor, no retrato de um ser humano engraçado e sensível, se destacava também a capacidade dele de lidar com o preconceito e com  a discriminação. O pesquisador indica que o recado do personagem Jeca para o público que se identificava  era: “Você também pode mostrar àquele que reprime, explora e impõe o preconceito, que ele está errado”. 

 

Mazzaropi ressignificou a figura do caipira no cinema brasileiro | Reprodução
Amácio Mazzaropi ressignificou a figura do caipira no cinema brasileiro | Reprodução.

 

Já no filme “Tristeza do Jeca”, de 1961, o artista apresenta outro aspecto do caipira que foge da construção de imagem que a sociedade tem deste indivíduo. Nesta obra cinematográfica Jeca continua sendo o mesmo cara simples e humilde do campo, só que agora ele também passa a ser representado como um líder, capaz de influenciar diretamente as opiniões daqueles que vivem em sua região. Pelo prestígio que tem em meio a sua comunidade,  seu valor - como cidadão  influente - passa a ser ainda maior para os políticos ambiciosos que querem garantir votos. 

De um homem simplório - como é retratado o caipira - ele passa a ser visto como líder, uma peça chave para o desdobramentos dos acontecimentos na cidade. Assim, o  filme é apenas um dos muitos sucessos de público de Mazzaropi que esgotaram bilheterias. Muitos daqueles brasileiros, vindos da roça para a cidade,  grande parte  em busca de trabalho, se identificavam com os diversos aspectos retratados na figura do homem comum da roça. As altas risadas que a comédia nacional ainda proporciona aos telespectadores e fãs também gera, além do efeito cômico, identificação. Jeca - com seu dialeto, a fala arrastada e toda sua  construção  como um morador da roça -  também representa ao mesmo tempo a real vivência de muitos brasileiros,  logo, fazendo assim, quase que instantaneamente, que se sintam representados nas telas. Nessas mesmas telas eles presenciaram uma versão de seus “eus”, o que lhes reforçava a ideia de que não necessariamente precisavam se moldar para o  formato do “bom cidadão” da cidade grande. 


“É marcante ele ter dado ao povo brasileiro, predominantemente de classe média baixa, consciência de seu papel como brasileiros e cidadãos atuantes”, reforça Eduardo. Mazzaropi ao produzir seus filmes falava ao mesmo tempo de um Brasil diversificado e  também de si. O gosto pela vida no campo surgiu ainda na infância, em que aprendeu os valores da roça  e do trabalho duro. O  comediante  fez do interior seu lar, logo, retratar o caipira da roça também era contar um pouco de sua história e de sua vivência na fazenda. 

As vestimentas simples e maltrapilhas  - com um chapéu de palha sempre na cabeça, pés descalços e com o jeito desengonçado de andar -  o consagrou como  símbolo nacional do homem pacato e simples  e foi essa representação do caipira que  o trouxe ao patamar de artista talentoso,  o “Charles Chaplin brasileiro”, que é considerado hoje. 

Com todas suas contribuições, Mazzaropi fez do caipira não somente um sujeito conhecido, mas um representante da cultura do país ao tornar o personagem atemporal. Como o professor Eduardo Afonso afirma: “Mazzaropi, à frente do seu tempo, foi ator, cantor, palhaço, humorista, diretor, empresário, publicitário, enfim um homem voltado integralmente ao cinema e aos espetáculos circenses. Mazzaropi não pode ser visto, apenas como aquele Jeca Tatu, que muitos viram nas telas. Ele é um representante do Brasil”.

O CAIPIRA NA ATUALIDADE

Apesar das representações  construídas em torno do caipira, ainda fortes no senso comum, um estudo encabeçado pela pesquisadora Lívia Carolina Baenas Barizon, da Universidade de São Paulo (USP), apontou que o dialeto caipira vem caindo em desuso. O levantamento, por sua vez, levou em conta dados coletados de moradores do interior de São Paulo.

Para reunir as informações, o relatório, por meio de um bate papo informal, apresentou aos entrevistados um conjunto de desenhos na quais deveriam ser nomeadas as partes do corpo humano de acordo com a palavra que lhes era comum nas respectivas cidades.

O resultado revelou que a queda é mais acentuada entre jovens e mulheres. Já a presença é maior na faixa etária acima dos 60 anos, que preservam com veemência o "erre mais rasgado". Segundo a autora da pesquisa, a menor influência das mídias digitais sobre essa faixa etária pode estar associada à conservação do dialeto.

Em entrevista ao Jornal da USP, Lívia explicou que “o dialeto caipira teria surgido nos núcleos familiares das cidades paulistas a partir do século XVIII e sido levado pelas monções para dentro do território paulista. Em sua caminhada rumo ao Mato Grosso (o Rio Tietê deságua no Rio Paraná, na fronteira com o Mato Grosso) para desbravar terras e retirar ouro, os bandeirantes saíam da capital paulista e seguiam a rota do Rio Tietê”, afirmou.

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