Na última terça-feira (23) a convite do centro acadêmico 22 de agosto, da faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) o jornalista esportivo Mauro Beting participou da palestra “Democracia, Futebol e Trabalho: Futebol na Modernidade”.
O jornalista conversou com a equipe da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), entre os temas abordados estiveram a Copa do Mundo no Qatar e o desempenho da seleção brasileira. Veja a entrevista na íntegra.
Apesar de uma história vitoriosa, a seleção coleciona derrotas marcantes. Dentre essas, qual a mais dolorida? É possível uma revanche?
“O maracanaço, eu acho que é a única derrota que não tem como reverter no futebol, e se bobear em outro esporte coletivo-individual. Primeiro 200 mil pessoas você não vai ter em lugar nenhum do mundo. Um país que na fase final, meteu 7x1 na Suécia, 6x1 na Espanha. O Uruguai havia empatado. Quer dizer que o Brasil jogava pelo empate. Faz 1x0 com 2 minutos com o Friaça, toma o empate, e toma a virada. Não tem como. Nem se o Brasil vencesse em uma Copa no Uruguai, você poderia devolver.
O 7x1, acho que se o Brasil jogar uma semifinal em Berlim ou em Düsseldorf, ainda se dá para dizer chupa Alemanha. O maracanaço não tem como, o Uruguai um país que caberia na Zona Leste de SP, os caras já tinham 2 olimpíadas e 2 copas do mundo. 82 é dolorido pra caramba, junto com Hungria 54 e Holanda 74, outras grandes seleções que perderam. Perderam copas, mas conquistaram o mundo, mas o maracanaço não tem igual.
Até por se ter poucas imagens, uma outra época, 72 anos. O maracanaço não tem como repetir”.
Depois de 20 anos do penta, a copa de 2022 pode ser o palco para uma nova conquista, o hexacampeonato. Com tanta expectativa e euforia, quais são suas projeções para a seleção brasileira no Qatar?
“Embora palmeirense e jornalista esportivo, eu costumo ser otimista. Acredito que o Brasil vai ter pauleira desde o começo. Na história da seleção, quanto mais pauleira, maior a chance de ser campeão. Quando a gente vai incensado, como lamentavelmente foi em 1982, 2006, até 2018, acaba que o Brasil não vai tão bem. O Brasil tá indo com um desempenho muito bom, apesar de uma das piores eliminatórias que eu já vi na minha vida. Acho que a seleção tem bola para chegar na Copa, também porque não se tem uma grande seleção.
A França talvez esteja melhor do que esteve, porém desde 62 não se tem um bicampeão, além de também não ter um grande craque desequilibrante. Apenas Portugal com Cristiano e Argentina com Messi levam essa vantagem, mesmo com os dois em final de carreira. Acho que é a copa do Messi, a Argentina deve ir longe, até uma semifinal. O Brasil se tiver sorte, passa por um grupo mais difícil que 2018. Dando uma lógica, a seleção pega o Uruguai de cara. Vai ser uma pauleira, principalmente com essa geração uruguaia.
Depois, talvez, um confronto com a Espanha, seleção muito boa, muito bem trabalhada, mas muito jovem. De repente o Brasil passa. Numa semifinal pega a melhor geração portuguesa. Pode pegar uma Argentina com Messi, e a Argentina tá muito bem. E de repente pode ser Brasil e França, não acho absurdo o Brasil ganhar.
Em 2002 no penta, a seleção passou por 4 treinadores que convocaram 104 jogadores, para 18 partidas, o Brasil estava muito mal, mas foi o craque do mês. Como em 1982 o Brasil só perdeu para uma Itália, que naquela época, ganhou só 4 jogos, os 4 que precisava na Copa da Espanha. Muitas vezes a Copa é um festival de futebol, quase sempre [...]".
Recentemente o atacante Kylian Mbappé disse que a preparação das seleções europeias é melhor que a das seleções Sul-Americanas. O fato de as últimas quatro copas do mundo terem campeões europeus é uma confirmação disso?
“Isso eu confesso que também não sei a resposta. Se você for pensar pelos brasileiros, argentinos, uruguaios, (...) os caras tão cada vez mais na Europa. Pelo nível de competitividade era para eles estarem mais preparados, mas é interessante, acho que é meio que uma coincidência. Diferente do que a gente tem visto em campeonatos mundiais de clube. Desde a Lei Bosman de 1995, que permitiu que os clubes possam ter uma seleção internacional, você pode fazer um time como a Internazionale.
A Inter foi campeã da Europa e do mundo em 2010 com apenas 6 italianos, o começo do time era Júlio Cesar, Maicon e Lucio, quer dizer, toda uma base brasileira. Mas se pergunta: Por que esses caras em clubes rendem e na seleção não estão rendendo? Não sei. Realmente, a nível de seleção não sei explicar o porquê.
Se você pensar, todos os caras estão jogando lá, tem bons treinadores, acho o Tite um ótimo treinador, mas não rola. Eu sinceramente não tenho uma resposta para isso. Para os clubes é fácil, Lei Bosman ferrou, desequilibrou muito, mas para seleção confesso não saber".
Com nomes como Raphinha e Vinícius Júnior (herói do décimo quarto título de Champions League do Real Madrid) você acredita que uma “Neymar dependência” está menor comparado a 2014 e 2018?
“Grande questão, acho que sim. Eu não quero tirar o peso do Neymar, mas sim, dar mérito a ele. Nunca na história da seleção Brasileira, mesmo se você pegar lá em 30, quando eu ainda estava na faculdade, você pegava Domingos da Guia e Leônidas, depois Zizinho, Jair Rosa Pinto, Ademir, que foi o artilheiro na copa de 50 e do próprio mundial, sempre tinha 2, 3, 4, 5 ou 6 jogadores. Desde que o Neymar estreou em agosto de 2010, é Neymar e rapa. Você pode falar que é o Philippe Coutinho, mas muito abaixo dele, mas acho que nesse novo período, nesse novo ciclo é o Paquetá, até por que para mim o Vinícius Júnior teve poucas chances dadas pelo Tite.
Mas mesmo com a excelência do Raphinha que tá muito bem no Barça, e o Vinícius Júnior não precisa nem dizer, cara, não tem ninguém na altura do Neymar. O Neymar quase que carregou sozinho nas costas como ele levou a porrada do Zuñiga lá contra a Colômbia nas quartas de 14.
Então assim, o Brasil está criando maneiras de ser menos dependente do Neymar, mas não tem muito jeito, até porque não é só para a seleção agora com o Tite, é na história do futebol. Você tem o Messi, você vai ser dependente dele, você tem o Cristiano, você vai ser dependente, um Puskás, um Cruijff, um Rivelino. Mas realmente a discrepância, a diferença para usar do termo recente é um outro patamar do Neymar pro resto.
É Neymar e rapa, então realmente a gente tem ótimos jogadores. Quase todos que estão na copa serão, somente do meio pra frente, até do meio para trás, vai sobrar gente boa de fora da copa do Mundo. Mas do nível do Neymar, não, pois eu acho que o Tite tem trabalhado também nisso, não se livrar do Neymar mas tentar potencializar outros nomes.
É uma saída mesmo, se o Neymar tiver uma gripe, ou ficar rolando como não deve, vai ser muito complicado. Mas eu 'tô' muito animado, porque eu acho que o Neymar está muito preparado e muito focado para fazer a melhor copa dele (...).”
Por ser talvez a última Copa do Mundo de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, você acha que isso é um combustível a mais para a última dança dos dois?
“Com certeza, Last Tango, o último tango no Qatar e o último Fado, sei lá, embora o Cristiano a gente pode aguardar tudo, né? Para mim, o Cristiano é o maior atleta que já jogou futebol, não é o maior jogador, para mim quem mais jogou futebol nesse planeta é o Messi, porque o Pelé é de outro. E para mim quem mais jogou bola, que não é necessariamente jogar futebol é o Maradona.
Mas assim pode ser, e eu acho que as duas seleções podem se enfrentar na semifinal, por que tem muito potencial. É a melhor geração de Portugal, não necessariamente o melhor time, e a melhor Argentina, mais competitiva desde 2002.”