Massacre do Carandiru completa 30 anos

No dia 2 de outubro de 1992, uma rebelião entre os presos culminou na intervenção policial mais sangrenta que o sistema carcerário no Brasil já assistiu.
por
Laura Celis Brandão
|
01/10/2022 - 12h

A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida popularmente como Carandiru – por estar localizada nesse bairro da Zona Norte de SP – foi fundada na década de 1920, e por aproximadamente duas décadas foi considerada um sistema prisional modelo, por atender de forma correta as exigências do estado e do sistema carcerário brasileiro. 

A partir de 1940 esse posto foi retirado, marcado principalmente pela superlotação que se instalou no presídio, causando problemas comportamentais nos presos e de segurança no local. A superlotação do presídio foi uma consequência do novo artigo que foi criado para o combate às drogas através da Lei nº 2.848/1940, artigo 281. Através desta lei, foi iniciado um combate ostensivo ao tráfico de entorpecentes, levando a prisão de muitas pessoas de uma vez só. 

O excesso de pessoas na penitenciária fez com que os direitos humanos fossem corrompidos em diversos aspectos, celas abarrotadas de gente, disseminação de doenças (como a AIDS, a tuberculose, leptospirose), e das questões higiênicas no geral. 

“O sistema era caótico, insalubre, tinham muitos ratos que transmitiam leptospirose às pessoas, muita gente com tuberculose, a higiene era precária, os próprios presos que limpavam o presídio, interferiam em conflitos, distribuíam alimentação, e no final, o presídio estava mais na mão dos detentos do que da própria gestão”, disse Sidney Sales, um ex detento que sobreviveu ao massacre. E acrescentou: “tinham celas com 25, 30 pessoas que viviam tumultuadas, uma em cima da outra, mas os detentos tentavam fazer daquele ambiente o melhor possível para se viver, apesar de toda a precariedade instalada”. 

O MASSACRE

Dia 2 de outubro de 1992 foi marcado pelo maior assassinato já existente no sistema carcerário brasileiro. O pavilhão 9 da penitenciária foi invadido por 341 policiais da Tropa de Choque de São Paulo, culminando na morte de 111 pessoas, apesar dos próprios detentos dizerem que foram mais de 250. A invasão da polícia, primeiramente, era para acalmar uma rebelião que havia se instalado após um jogo de futebol que havia acontecido naquele dia, porém, os policiais agiram com violência extrema, ignorando a possibilidade de negociação, e sabendo que os presos estavam desarmados. 

“Eles podiam ter cortado a energia, a alimentação, e podiam ter nos vencido pelo cansaço, mas não, aquilo foi uma carnificina. Eu só tinha visto esse tipo de coisa em filme, no Camboja, no filme de Auschwitz. Nós éramos presos do estado, e pela própria incompetência dele, entraram lá e assassinaram aquelas pessoas.” pontuou Sidney, e acrescentou, “naquele momento, quando eu estava no quinto andar, um rapaz disse: “ó, o pelotão de choque tá invadindo, os caras estão matando”, e eu respondi para ele que não, deviam estar dando tiro de borracha. Quando fui à janela e olhei para baixo, vi eles assassinando mesmo as pessoas”. 

Após os momentos iniciais de terror, os detentos foram obrigados a descer até o pátio da penitenciária e ficarem todos nus, sentados no chão de cabeça baixa. Dizem que alguns detentos foram assassinados nesse momento. “Os policiais mandaram a gente descer e ficar no pátio, e após umas duas horas, ordenaram que ajudassem a carregar os corpos, de dois em dois, nisso, começaram a chegar as ambulâncias, viaturas e carros do IML, para levar aquelas pessoas embora.” afirmou Sidney, e ainda conta: “quando subi ao quinto andar, vi dois policiais que já apontavam uma arma para mim, eu inventei uma história dizendo que pediram para me trancar de volta na cela. Nisso, um dos policiais virou para mim e disse: “vai acontecer um milagre na sua vida. Tá vendo esse molho de chaves? Vou escolher uma e bater no cadeado. Se abrir, você entra, caso contrário nós vamos te executar agora.” Nesse momento eu só ouvi um “clec”, naquele dia eu tive certeza de que não seria assassinado.”

Corredor submerso de sangue após o massacre, na penitenciária do Carandiru. Fonte: Niels Andreas.

Osvaldo Negrini – o perito que investigou o acontecido – pontuou que não houve confronto entre os presos e os policiais, principalmente pela localização dos tiros nos corpos dos detentos, e pelas perfurações de bala que existiam nas paredes das celas. “O próprio Osvaldo Negrini disse que houve uma carnificina, um assassinato e uma crueldade enorme com aquelas pessoas. Ele percebeu que os policiais tinham atirado de fora da cela para dentro, pois tinham perfurações nas paredes”, acrescenta Sidney. 

JULGAMENTO 

Em 8 de março de 1993, 120 policiais foram acusados pelo assassinato de – oficialmente – 111 pessoas. Em 1998, 85 policiais tornaram-se réus, e em 2013, 23 foram condenados a 156 anos de prisão. Porém, em 2016, essas condenações foram anuladas, alegando “impossibilidade de individualizar a conduta dos PMs”. 

Apesar dessas condenações, e da certeza de que o acontecimento foi uma chacina, em agosto desse ano foi aprovado o projeto de lei 2821/21, concedendo anistia aos policiais anteriormente processados.

CONSEQUÊNCIAS 

Como consequências principais do massacre, pode-se listar o sequestro da filha de José Ismael Pedrosa – ex diretor da penitenciária do Carandiru – que aconteceu em abril de 2001, e a fundação do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 1993, criado inicialmente para “combater a opressão no sistema carcerário e vingar a morte dos 111 detentos, que acontecera um ano antes”.