No dia 21 de setembro, as principais capitais do país amanheceram tomadas por cartazes, faixas e gritos de protesto. Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras cidades, milhares de pessoas se reúnem contra a chamada PEC da Blindagem, proposta de emenda constitucional que restringe investigações e punições a parlamentares, exigindo autorização prévia das Casas Legislativas para o avanço de ações penais. A medida, vista como um retrocesso por juristas e movimentos civis, é o estopim de uma mobilização que, embora diversa, encontra na defesa da transparência um ponto em comum.
Na Avenida Paulista, o asfalto volta a se transformar em um grande espaço de convergência política. Bastam alguns minutos observando a saída da estação Trianon-Masp para visualizar que ali estavam diversos grupos reunidos, como estudantes, professores, aposentados, artistas, advogados, sindicalistas e civis misturados entre bandeiras coloridas e faixas com dizeres diretos: “Quem é inocente pede justiça, não anistia” e “A justiça é igual para todos, PEC da Blindagem não”. Entre os rostos pintados e cartazes improvisados, a foto do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, estampa o rótulo de “inimigo do povo”.
O clima é de cansaço e indignação, não apenas com o texto da PEC, mas com a percepção de que a proposta amplia privilégios e dificulta a responsabilização de agentes públicos. Luiz Biella Jr., advogado de 63 anos, e Andrea Amaral Biella, educadora museal de 53, participam do ato e afirmam que vieram por indignação com o projeto. “Outras pautas horrorosas até vinham passando, mas essa é o limite. É preciso dar um grito para ver se sensibiliza os deputados. Na próxima eleição, é fundamental lembrar disso. Esse retrocesso é horroroso”, dizem.

Grupos de jovens ligados a coletivos estudantis distribuem panfletos que explicam os impactos da proposta. Se aprovada, a PEC impediria que investigações contra deputados e senadores avançarem sem autorização das próprias Casas Legislativas, o que, segundo especialistas, criaria uma barreira de proteção política e dificulta o combate à corrupção.
O protesto começou de forma pacífica por volta das 14 horas e ganhou corpo ao longo da tarde. Ao som de tambores e palavras de ordem, a manifestação ocupava a Avenida Paulista em direção ao MASP. Organizações civis estimam cerca de 80 mil participantes, número contestado pela Secretaria de Segurança Pública, que aponta 35 mil. Em Brasília, a concentração foi na Esplanada dos Ministérios, com presença de sindicatos e entidades de classe.
Entre os manifestantes, o designer gráfico Érico Prado Martins, de 49 anos, diz que o protesto representa uma resposta da população. “É uma forma de se revoltar contra um sistema que engana o povo. Colocam PECs e projetos de anistia enquanto ignoram o que realmente importa. Se a gente não protesta, eles passam tudo por cima da gente”, afirmou.
Nas redes sociais, hashtags como #PECdaVergonha e #TransparênciaJá alcançaram o topo dos assuntos mais comentados no X (antigo Twitter). O Monitor de Debate Político, grupo de pesquisa da USP, registrou picos de interação durante a manhã e o início da tarde, indicando grande engajamento digital em torno da pauta. A pesquisadora do Monitor, Roberta Lima, avalia que o movimento demonstra um interesse crescente de jovens em temas ligados à ética e à responsabilidade política. Segundo ela, “o engajamento aconteceu tanto de forma presencial quanto digital, refletindo uma disposição em participar do debate público e acompanhar de perto as decisões que afetam o funcionamento das instituições”.
A manifestação ocorre em um contexto de instabilidade política, impulsionado por disputas internas no Congresso e pelo debate sobre o projeto de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. A repórter Ana Clara Costa, apresentadora do podcast Foro de Teresina da revista piauí, especializada em cobertura política de esquerda, aponta que a PEC da Blindagem surgiu como parte de uma negociação entre o PL e o Centrão para garantir proteção parlamentar e apoio à proposta de anistia de Jair Bolsonaro. Segundo Ana, a PEC não é apenas uma tentativa de autoproteção política, mas parte de um jogo de chantagens e barganhas que expõe a fragilidade ética do Congresso.

Cartazes e discursos também faziam referência à anistia, com críticas à tentativa de flexibilizar punições e proteger figuras públicas. Em várias capitais, manifestantes exibiam faixas com os dizeres “Blindagem é impunidade disfarçada” e “Anistia é o nome novo do perdão seletivo”.
Embora não tenha alcançado o tamanho de protestos anteriores, como os de 2013, o ato do dia 21 é considerado expressivo por entidades civis. A mobilização nacional pressiona o Congresso a rever o texto da proposta e reforça o debate sobre a necessidade de garantir mecanismos de fiscalização e responsabilização no exercício de mandatos parlamentares.